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sexta-feira, 23 de junho de 2017

SER FORA DO MEIO



Seria um clichê despudorado, um chove não molha daqueles que toda a comunidade está cansada de dizer e repetir, como se fosse um mantra, para nunca esquecerem: ser fora do meio é um horror!

Isso seria verdade caso a  sentença em si não estivesse plena de sofismas conceituais, elegendo-a na categoria de um rótulo minimalista, que não serve para nada, produzindo a solução mágica, contudo não atacando o problema de fato.

A nossa militância, ou melhor, a nossa comunidade não difere muito do pensamento religioso e seu modus operandi: o tempo todo está à procura dos inimigos externos. A religião não sobreviveria sem eles, afinal, dão forma, sabor, é aquele tempero que condiciona o ideal, é o paradigma que aponta contra o que e quem se lutar. Não bastasse o preconceito, passamos eleger inimigos secundários, começamos em nome de uma diversidade infinita diluir-nos em siglas, acrônimos, como se um preconceito comum a todos fosse específico de um grupo dentro da comunidade e não de outros.

Dessa forma, passamos a fazer a militância do substantivo sufixado: alguma coisa + fobia.  Diluídos nesse autismo conceitual de tribos sectárias (todos contra todos), não estamos conseguindo nos enxergar, olhar para nós mesmos e dizer que, às vezes, temos sido ridículos.

Fui, junto com tantos outros, defensor de que homossexuais tivessem o direito de constituir família reconhecido e aceito no campo jurídico brasileiro, isso aconteceu em 05 de maio de 2011, data histórica para nossa comunidade, mas o que se viu de lá até hoje é desanimador.

Teríamos que entender que a família moderna está para muito além do conceito de família nuclear, mas isso não foi  nem é refletido dentro de nossa comunidade, que se alegra em reproduzir o modelo família heterossexual feliz: imitam as cerimônias religiosas; as juras de fidelidade e amor eternos; os ritos são exatamente os mesmos.  Desta feita, não conseguem se reinventar fora do modelo heteronormativo e sem autocrítica disparam contra: cis, ativos, brancos, homens dentro do padrão,  etc...  contra os inimigos que elegeram para um grupo específico da sigla, como se todos nós não estivéssemos exatamente no mesmo barco e como se também não elegessem o “padrão” para si mesmos.

Agora  pouco,  lia sobre a nova moda de clareamento anal e chamou-me a atenção um comentário dizendo que a culpa disso é do ativo, padrãozinho, fora do meio que tem que ter sua necessidade satisfeita. Obvio que minha mente foi longe, afinal, primeiro, quem é que examina, EXCLUSIVAMENTE,  a cor do ânus de alguém antes de penetrar?: “Ah não meu caro! Seu ânus não é da cor que me dá tesão”, ou “Ei, estou a fim de penetrar em você, deixe-me ver se o seu ânus tem a cor padrão para minha pulsão sexual específica”. Segundo, como pode ser culpa desse ou daquele, antes de ser da pessoa que se submete ao clareamento?

A questão é que para tudo temos que apontar a culpa de alguém eleito para ser esse inimigo externo secundário, que vem tornando a nossa causa líquida, diluída e sem senso.  Fui pesquisar o que é ser fora do meio e, pasmo, descobri que é aquela pessoa que não gosta de frequentar boates, saunas, bares ou qualquer coisa do meio homossexual. Estritamente por isso essas pessoas são alvos das críticas da comunidade, mas a grande pergunta que se deveria fazer é:  tais pessoas que não gostam de frequentar os ambientes são preconceituosas por isso, ou por difundirem comportamento heteronormativo contra a comunidade?

Talvez, não é regra, mas a pessoa não gosta dos programas que o universo LGBT oferece, mas não necessariamente esteja enquadrando um padrão heteronormativo, apenas não se diverte nele.  Os transgêneros, por exemplo, muitos não gostam, não aceitam que se diga que, no passado, eles tinham outro sexo diferente do que possuem depois de operados, alguns até afirmam: “eu sou mulher”, ou invés de afirmarem: “eu sou homossexual”.

 Isso para mim, essa atitude, sim, é preconceito contra a homossexualidade e se não bastasse, hoje, fica a acusação de uns contra outros, minando o entendimento que nossa luta é contra a homofobia que se dá em desmerecimento de gays, lésbicas, travestis, transexuais, enfim, de todos que se atraem por pessoas do mesmo sexo biológico.


E o que temos feito sem nos darmos conta é: estamos reproduzindo a heteronormatividade no meio da homossexualidade sem nos descobrir, estamos nos atacando, todos contra todos, em nome do não cultivar preconceitos, mas  nos odiando mutuamente. Nosso papel não é fácil, pois temos que inventar um jeito de ser homossexuais, sem a imposição social, mas nosso jeito próprio e comum de ser. Enquanto importarmos o ódio social, que nos é jogado todos os dias, contra os acrônimos e os rótulos minimalistas não estaremos sendo nós mesmos, apenas reproduzindo tacitamente (e cegamente) o comportamento social que nos acusam e nos condicionam na marginalidade como párias e escórias da sociedade ideal.

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