Há grupos de pessoas que enxergam o passado como uma era melhor:
“na minha época as coisas eram diferentes, não havia tanta violência como hoje,
o mundo era um lugar pacífico”. Saudosa, dizia minha avó que viveu sua mocidade em
plena 2ª Guerra Mundial...
É com o mesmo saudosismo que o autoproclamado decano do
movimento homossexual brasileiro, Luiz Mott, refere-se ao governo Lula em
comparação ao governo de seu antecessor.
Curiosa é a frase de abertura do texto que ataca todas as conquistas
e ações afirmativas, uma década de projetos e iniciativas, que trouxeram para a
comunidade LGBT visibilidade e políticas públicas para seu reconhecimento. No
texto, Mott começa assim: “Lula foi o presidente da República que mais falou
sobre homossexualidade no Brasil”. Depois, em um contrassenso sem precedentes,
conclui que as ações diminuíram, pioraram, a esperança de vida dos mesmos.
Ao pensar sobre Luiz Mott, lembro-me de minha avó, em plena
Segunda Guerra Mundial, ela conseguia enxergar o mundo um lugar seguro, sem
violência, pacífico...
Ao citar Fernando Henrique Cardoso, Mott diz que em 1980 (ou
seja, FHC não era presidente) ele assinou,
juntamente com outros senadores, documento que retirava a homossexualidade da
lista dos desvios sexuais, 1996, agora como presidente, incluiu os homossexuais
em documento oficial do governo, em 2002, falou em público a palavra
homossexual e defendeu o casamento civil à comunidade LGBT. E nada mais.
Mott não cita que durante o governo FHC a comunidade gay não
tinha nada, não tinha sequer visibilidade e que o governo do PSDB não fez absolutamente
nada para inverter essa situação.
Gays não podiam participar da herança do companheiro; gays não podiam declarar
imposto de renda conjuntamente; gays não tinham os mesmos direitos civis que os
heterossexuais; não podiam ser dependentes em planos de saúde de seus parceiros
nem podiam ser dependentes dos seus parceiros em clubes, seguro de vida, etc. E
quais as políticas que o antecessor de Lula promoveu?
Como não há nada para se falar de bom sobre a era FHC, Mott parte
para duas vertentes em seu argumento: violência e HVI, como uma tentativa desesperada
de achar alguma razão ao sentimento político que conduza o pensamento do antropólogo
decano.
Vamos voltar a pensar em minha avó: vovó achava que o mundo em
sua mocidade era mais seguro, pacífico, mesmo que 47 milhões de pessoas tenham
morrido. Vovó não afirmava as coisas por má fé, apenas as informações não
chegavam a ela com a mesma velocidade que se chega hoje. Não tinha chamada ao
vivo diretamente do fronte de batalha nem vídeos dos confrontos divulgados
pelo WhatsApp ou Facebook; não havia mensagem de texto de uma mãe aflita a
escrever suas últimas palavras ao filho herói, que jamais voltaria da Alemanha,
enquanto recomendava cuidado e declarava seu amor incondicional.
Com a visibilidade que o governo Lula trouxe aos LGBT(s), houve
maior exposição do modus vivendi e, consequentemente, os reacionários da família de bem e dos
bons costumes começaram a intensificar também seus métodos de purificação.
Esses sempre foram voltados à violência e à intolerância. Quem não se lembra do
pastor Silas Malafaia conclamando os cristãos a descerem o porrete nos gays
contra a safadeza?
O governo Lula não ficou indiferente a isso, como sugere o “desinformado”
Mott. Assim criou uma série de ações propositivas que contemplaram diretamente
os gays:
ü 2003- eleva a
secretaria de Direitos Humanos à categoria de ministério, aumentando os
recursos, autonomia e intervenção social;
ü 2004- cria o
programa Brasil sem Homofobia, promovendo a cidadania e os Direitos Humanos à
população LGBT a partir de equiparação de direitos e do combate à violência e à
discriminação.
ü
2005- fortaleceu o Conselho Nacional de Combate à Discriminação
e Promoção dos Direitos LGBT, modificada sua estrutura passou a contar, obrigatoriamente, com a
participação de membros da população LGBT.
ü
2006- sanção da Lei Maria da Penha, que entre muitas medidas, a
lei federal passou a prever expressamente a união homoafetiva feminina.
ü
2008-realização da 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas
e Direitos Humanos LGBT. Considerada um marco histórico, a conferência
convocada por decreto presidencial foi a primeira a ouvir, em âmbito nacional,
as demandas da população LGBT. O encontro mobilizou governos estaduais,
Ministério Público, representantes dos poderes legislativo e judiciário e a
sociedade civil organizada.
ü
2009-criou a Coordenação Geral de Promoção dos Direitos de LGBT.
Subordinada à Secretaria de Direitos Humanos, é responsável por articular ações
com os demais ministérios e órgãos do Governo Federal.
ü
2010-criou o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos
Humanos LGBT. O Plano Nacional inseriu diversas ações de valorização LGBT, seja
por renda, escolarização, educação, acesso à saúde, identidade de gênero e
prevenção à violência homofóbica.
ü
Extensão de direito de declaração conjunta para casais
homoafetivos pelo Ministério da Fazenda Medida é válida, inclusive, para fins
de Imposto de Renda.
ü
2011 Criou o módulo LGBT no Disque 100. A intenção foi preparar
o Disque Direitos Humanos ara receber denúncias de violações de direitos da
população LGBT.
ü
Elaboração do 1º Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil.
Após a publicação do relatório pela Secretaria dos Direitos Humanos da
Presidência da República, as denúncias contra violência homofóbica aumentaram
em 116% em um ano.
ü
Realização da 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e
Direitos Humanos LGBT. Nos moldes da conferência realizada em 2008, discutiu-se
nacionalmente e com diversas entidades governamentais e da sociedade civil os
avanços políticos e sociais sobre o tema.
Ainda,
pós Lula, no governo PT:
ü
2013-Alterações no SUS. O Sistema Único de Saúde (SUS) passou a
contemplar o atendimento completo para travestis, transexuais e transgêneros,
como terapia hormonal e cirurgias. A identidade de gênero passou também a ser
respeitada, com a inclusão do nome social no cartão do SUS.
ü
Reconhecimento dos direitos de casais de mesmo sexo no serviço
público federal. Os casais homoafetivos passaram a ter, oficialmente, os mesmos
direitos de qualquer casal, como plano de saúde, licença gala, entre outros.
ü
Assinatura do governo brasileiro à Convenção contra Todas as
Formas de Discriminação e Intolerância da Organização dos Estados Americanos. O
texto, assinado em Antígua (Guatemala), define as obrigações dos países sobre
temas como orientação sexual e identidade de gênero.
ü
Criação do Sistema Nacional de Promoção de Direitos e
Enfrentamento à Violência contra LGBT. O Sistema Nacional LGBT é uma estrutura
articulada para incentivar a criação de programas de valorização dessa parte da
população, comitês de enfrentamento à discriminação e combate a violência, além
de oferecer apoio psicológico e jurídico para LGBTs nessa situação.
ü
2015-Posse de Symmy Larrat como coordenadora-geral de Promoção
dos Direitos LGBT da SDH. A paraense é a primeira travesti a ocupar o cargo.
Segundo ela, uma das missões mais importantes na função é é “tirar os travestis
do submundo e da exclusão social”.
Também não é verdadeira a afirmação que
no governo Lula as políticas do Ministério da Saúde contra o HVI sofreram
apagão. Acontece que com a maior visibilidade, com pessoas se informando melhor
e buscando seus direitos, com a quebra de tabus e com os homossexuais assumindo
seu lugar na sociedade, inclusive com o casamento reconhecido, o medo de fazer
o teste HIV foi ficando para trás, mais homossexuais procuraram atendimento,
fizeram o teste e foram trados pelo SUS, acompanhados, graças as políticas de
afirmação do governo Lula para a população homossexual.
Ao final, como minha avó, Luiz Mott é
saudosista. Minha avó por não ter acesso à informação, Mott por ter ressentimento, parece que ele deseja que os gays, na atualidade, vivam o que ele viveu em sua juventude. Por mais direitista que alguém possa ser, desqualificar as políticas e as conquistas que toda essa gente sofrida teve por não gostar do PT é algo além da política, é rancor, é ressentimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
1-Este blog aceita comentários que sejam específicos, ou em diálogo com as postagens correspondentes, conteúdo fora do contexto da mensagem correspondente poderá não ser publicado.
2- São vedados comentários com conteúdo de pregação ou proselitismos de doutrinas específicas de igrejas cristãs, ou qualquer outra religião,salvo quando estes se referirem à crítica de uma postagem principal em concordância ou discordância da mesma, devidamente fundamentados.
3-Conforme art. 5º, IV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.
4-Todo conteúdo dos comentários será avaliado, sendo reservado o direito de não serem publicados, os comentários, caso seus fundamentos sejam ofensivos ou desrespeitem o direito dos homossexuais.