sábado, 30 de julho de 2005

A promiscuidade e as questões da prática teológica na inserção dos grupos marginalizados.

Não é uma questão simples, e tem-se, de fato, um problema, enquanto teologia em sua ação prática, na abordagem de um pensamento cristão, aos meios que se fazem à margem. O discurso evangélico, aquele que nos diz do Cristo, enquanto cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo, é um discurso cultural inclusivo. O Cristo é o que faz, radicalmente, a opção por aqueles que vivem como pecadores e com eles se mistura. Pensar na radicalidade do Cristo é questionar, até que ponto, ele manteve comunhão com grupos excluídos por terem um comportamento, dito, minoria na cultura judaica. Isso, pelo fato, desta comunhão trazer esse mesmo Cristo, que é o próprio Deus, totalmente mergulhado com as questões, que para muitos, era o escândalo mais indigno que alguém poderia ter sobre si mesmo.

A teologia institucionalizada, fechada e conservadora, resolveu esse problema, trazendo um falseamento na ideologia final, à própria teleologia kerigmática da Revelação. Eles disseram que Cristo viveu tudo, profundamente, no meio dos pecadores, mas sem misturar no pecado. Mas, antes de se acreditar nessa proposição, devotamente, dever-se-ia voltar os olhos a radicalidade da narrativa do Cristo no meio dos pecadores, e seu simbolismo na teologia dos judeus. Enquanto ruptura, no aspecto teológico, Cristo a promoveu numa simbólica sem voltas. O Cristo dos evangelhos, seria tão pecador, como os demais pecadores, pelo motivo da associação a eles. Associação, tão profunda, que o faz dividir seus momentos mais íntimos, mais pessoais; na partilha do alimento, no descanso nas casas, na alegria do vinho. É nesse movimento, que o Evangelho de Marcos registra, como anuncio dessa radicalidade total, na quebra do decoro, da ética e da própria moral judaica, o anuncio que segue: E tornou a sair para o mar, e toda a multidão ia ter com ele, e ele os ensinava. E, passando, viu Levi,filho D'Alfeu, sentado na alfândega, e disse-lhe: Segue-me. E levantando-se o seguiu.

E aconteceu, que estando sentado à mesa em casa deste, também estavam sentados à mesa com Jesus e seus discípulos muitos publicanos e pecadores; porque eram muitos, e o tinham seguido. E os escribas e fariseus, vendo-o comer com os publicanos e pecadores, disseram aos seus discípulos: Por que come e bebe ele com os publicanos e pecadores?

E Jesus, tendo ouvido isto, disse-lhes: Os sãos não necessitam de médicos, mas sim, os que estão doentes, eu não vim chamar justos, mas sim pecadores.

O dizer do médico para doentes e do chamar pecadores ao invés de justos é inútil à compreensão judaica como proposta de juízo moral, na sua teologia corrente. Uma vez que, o assentar-se à mesa já era ser doente com os demais, e o comer e beber com pecadores, à semelhança destes, se igualar em pecado. Tornar-se imundo, e de fato Cristo se fez imundo por opção, não porque ele era o que iria os purificar, e muito menos o que iria curar, mas o fato é: "Vim chamar os que são como eu; doentes e pecadores". A questão radical está na livre escolha em se igualar, e mostrar preferência. Tal atitude era o escândalo mais terrível que alguém poderia fazer contra a tradição e códigos mosaicos. Cristo via, no olhar das comunidades que relatam sua inserção salvifica, a única forma de salvar a humanidade; o ser profundamente humano. Neste aspecto, não era o código moral que iria dizer o que era, e é, o ser homem, muito menos, as preferências sociais. Mas, o que iria dizer ao Cristo o que era ser homem, seria a própria vivencia na humanidade doente e pecadora (afastada de si mesma, e portanto de Deus). Na profundeza do homem Cristo é Deus!

Ali, na comunhão com os pecadores, igual aos pecadores, em tudo, na doença e na imundice, talvez uma palavra não usual (palavrão), um olhar mais inflamado e sensual, um acariciar libidinoso, o pênis em ereção. Isso tudo é se relacionar, profundamente, sendo humano! À semelhança dos pecadores que se fazia na comunhão plena de sua pessoa. Não posso aceitar que Cristo não tenha vivenciado esse pecado promiscuo, em sua natureza; humana- divina. Pois, senão, ele não seria humano, em sua profundeza, sendo Deus. Aliás, promiscuo é, literalmente, ser agregado sem ordem nem distinção, misturado, confuso. Ele se promiscuía com os pecadores. E no seu mergulho, na lama da humanidade, enrijeceu a arvore frondosa e bela que nos trouxe comunhão e liberdade.

Neste aspecto, posso aceitar o fato do Cristo não ter tido o "pecado original", aquele pecado que afasta o homem de si mesmo, e portanto de Deus. Cristo não era afastado de sua condição humana, mas na sua condição humana pode compreender que o pecado, não a moral, das obras e das ações, mas o pecado, que destrói a humanidade é a indiferença do homem para consigo mesmo. Essa indiferença que destrói a natureza, poluindo-a, desmatando-a. Que nos leva a tratar-nos como inimigos, que nos faz matar uns aos outros e ser insensíveis a tudo o que está a nossa volta. Ainda que, tenhamos o instinto da autopreservação da vida, individualmente, nós a alienamos, não nos destruímos, imediatamente, mas em doses sutis, até não mais ter volta. Essa alienação o Cristo não possuía, por isso, pode promiscuir-se aos pecadores, e amá-los, salvando- os de serem alienados, ainda que, doente e imundo aos conceitos morais e absolutos da religião judaica.

De certa forma, o arquétipo moral cristão ortodoxo vem carregado de um discurso diferente do kerigma dos evangelhos. A teologia gay ao refleti-lo, reflete o etnocentrismo judaico, a exacerbação estóica, e a homofobia vitoriana. Por isso, muitos gays evangélicos estão às clinicas de psicologia, pois não se sentem alicerçados em nada. A questão da tolerância, enquanto discurso para inclusão dos gays, mas não de seu meio, é hipócrita. Isso, pelo fato, do próprio verbete, tolerância, ser maculado em si mesmo. Ele foi usado pela primeira vez nos glossários iluministas, e significava o efeito de se aceitar um mal necessário. Claro que hoje isso é reinterpretado, mas tolerar, ainda, vem carregado de enfado, custeio.

A teologia gay não tem que tolerar os gays e rechaçá-los em seu meio. A teologia gay tem que ser o que ela é; GAY, e promiscua nessa causa, para efeito de sua santificação. Tal como Cristo fez com os homens em seu pecado e prosmicuidade. Caso não tenhamos uma teologia que alcance a prática do homossexual em sua cultura, sem jogá-la e julgá-la na esfera do sub, a teologia nesse meio não encontrará o processo para ser libertadora. O homossexual cristão tem que ser radical à sua própria causa; aos gays. O teólogo homossexual tem que ser convertido ao gay e ao seu meio, e não ao credo moral da Igreja Cristã. Caso contrário não teremos uma teologia libertaria que seja, realmente, eficaz frente à problemática da fé. Reproduzir o discurso moral como arquétipo de santidade da Igreja dominante, é discriminar o gay, alienadamente, em uma causa que, fatalmente, culminará ao eclipse do seu ideal último.



Renato Hoffmann

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