Foi em uma entrevista sobre homens de calcinha que surgiu o interesse pelo tema do feminino na construção imaginária do masculino. É comum, no campo da psi- social, referir-se às questões da masculinidade como algo em crise na contemporaneidade. E de fato está. Ao voltarmos à antiguidade, na Grécia, a questão do desejo era voltada para o belo independente do gênero. O homem livre da polis mantinha relações sexuais com ambos os sexos.
É comum, entre os autores, associar a proibição da homossexualidade não apenas às questões fisiológicas como o desperdício do sêmen, mas, também, às construções bíblicas que permearam o imaginário do homem europeu, na construção de uma identidade para o masculino, que se distingui do feminino e de sua afirmação. O que joga, segundo alguns pensadores, a exemplo de Foucault, o masculino em uma ruptura de identidade sem precedentes na história. A homossexualidade passou a ser entendida como PERVERSÃO ao homem burguês e fonte de conflitos aos direitos dos cidadãos.
A sexualidade não se explica por si só, nem pela biologia, mas ela está contida na construção social. Segundo Freud (Três ensaios sobre a teoria da sexualidade), o interesse masculino somente por mulheres é um fator que exige ser esclarecido, pois a heterossexualidade exclusiva consistiria num fator de restrição a própria sexualidade, sendo a construção social, em sua forma intrínseca- bissexual. Em outras palavras; nenhuma sexualidade pode ser estanque ou definitiva.
Para entender a construção de uma identidade de gênero é preciso vislumbrar que tal forma é ditada pela cultura. Estabelecendo, assim, os parâmetros de como se lidar com os prazeres. Nesse aspecto o masculino é que sofreu o golpe, uma vez que o feminino sempre foi vislumbrado como uma questão metafísica de inferioridade. Com o advento das ciências modernas, o feminino igualou-se ao masculino; a escala hierárquica, proposta por uma visão metafísica- masculinizada dominante- se perdeu na esfera ontológica e, não mais se compreende entre hierarquias. Pelo que no feminino nada mudou, pois não teve que se afirmar como feminino, numa questão de diferenciar-se, mas tão somente igualar-se. Ou seja, as mulheres colocaram calças, vestiram terninhos, começaram a trabalhar em funções, em antanho, tipicamente masculinizadas, mas sem perderem sua construção feminina. Ao contrário, feminilizaram a calça, o terninho e as profissões sociais.
O inverso proporcional não ocorreu, o homem não é capaz de usar minissaia, nem de colocar um vestido decotado, sem perder a masculinidade, pois essa não tem que se igualar ao feminino, mas tem que se diferenciar a todo custo. Portanto, às questões que envolvem um olhar, na construção social, que é típica da mulher é mal entendida na esfera heterossexualizada. Um homem afetuoso é sinônimo de gay , e o gay não é bem-vindo. Dessa forma, homens que têm fetiches por usar calcinhas, têm na sua construção existencial uma visão do feminino, do delicado sendo permitidos em si mesmos. Entretanto, na sua maioria, na clandestinidade. Poder-se-ia dizer de um “deslizamento”, uma vez que não seja descoberto, ou caricaturizado como feminino. Como, por exemplo, o papel do “ativo” no imaginário social, que em muitas culturas, mesmo transando com outro homem não carrega o estigma do gay, pois cumpre o papel do macho penetrador, independente do objeto.
Entretanto, se o “deslizamento” é completo, com visibilidade se torna inaceitável, ilegítimo. Nesse aspecto o caráter é interpretado como fraco; algo que remete a inferioridade moral. Aqui se dá a revolução anal, numa perspectiva da psicologia social. Uma vez que, o homossexual é aquilo que deve ser combatido, pois ele traz em si a possibilidade do homem inverter-se, na esfera do senso comum, se tornar algo diferente daquilo que tem que ser afirmado, e nunca igualado. O “passivo” assumido e efeminado carrega as marcas revolucionárias para um padrão masculino, que em último, não admitiria incertezas.
Em outros termos, o ânus é para o heterossexual um objeto tipicamente excretor, que não se pode penetrar constituindo o fundamento da masculinidade. O que faz, logo na infância, os meninos compreenderem seu papel superior, numa identidade que se afasta da mulher. O homossexual passivo, entretanto, subverte essa ordem, elegendo o ânus a um objeto de prazer, orgasmo, erotismo. Fere, dessa feita, a virilidade masculina- o efeito de submeter-se à penetração- igualando-se as que se deixam penetrar (mulheres). A revolução está na possibilidade do devir como uma identidade itinerante. Carrega em si, as marcas de um repúdio desconcertantes, mas que desnuda seu próprio desejo sob os olhares públicos, como forma de protesto, numa situação difícil, mas autêntica na possibilidade de se ver como aquilo que é, sem se camuflar numa atitude burguesa, na fachada heterossexual, para estar agradando ao meio. Portanto, o homossexual “passivo”, efeminado, tem uma forma revolucionária de impor sua singularidade, reivindicando a legitimidade do Direito social do Ser diferente da maioria, sem manobras, independente das convenções e convicções que não levam a lugar algum.
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