terça-feira, 30 de novembro de 2004

SENHORA DO DESTINO

Para quem não viu a cena do casal de lésbicas da novela Senhora do Destino, estou enviando um link para que você possa acompanhar na íntegra a gravação e ver mais um passo que a televisão brasileira está consquistando ao mostrar em horário nobre um relacionamento com pares do mesmo sexo.

Mas... infelizmente tenho de comentar que algumas partes desta cena foram cortadas. Na cena que foi ao ar na sexta-feira (26/11), não teve beijo e as duas não tomaram banho juntas..... Será o porque?

Bom, mas acredito que a forma "natural" como vem sido tratada a questão da homossexualidade feminina, tem sido, de certa forma, importante para a quebra de preconceito que existe entre as massas. Pena que o autor Aguinaldo Silva esteja caminhando a passos de tartaruga na abordagem desta temática, avançar mais na cena de personagens gays e mostrar um beijo de verdade (de língua) entre o casal de lésbicas Jenifer e Eleonora, é um desejo de todos nós.

Bjs!
Wallace
http://www.e-jovem.com/lesbos_destino.wmv

quinta-feira, 25 de novembro de 2004

DIALOGANDO

William,



Você se expressou muito bem em suas colocações, em tudo. Ao passo que venho garantindo, que também, penso como você estas questões. Entretanto, à prática cotidiana é mais complicada do que se apresenta, bem mais! Os fatores históricos e sociais, e, até mesmo, psicológicos são envolvidos em um teatro, representativo, de um show de horrores. E é por isso, que temos a necessidade de uma linha condutora que seja nossa. É por isso, que a teologia gay necessita, urgentemente, de um paradigma construído a partir de sua realidade, não contrário ao seu sitz im leben, mas que venha santificá-lo como nossa expressão.


Nesse diálogo, que faço com você, com muito gosto e respeito, gostaria de entrar um pouquinho na realidade Evangélica do Brasil. Veja, você advoga sobre o espírito livre, a busca da aceitação comum: a multiculturalidade convivendo no espaço criativo comum, o respeito entre o humano, do sujeito em si nas humanidades. E concordo com isso, mas a experiência que tenho no meio gay e cristão, não me permite o desvencilhar de uma postura de grupo, ou de cultura, ou ainda (e essa é a que explica, ou se enquadra melhor) de movimento organizado em prol de seus direitos e deveres sociais e humanitários. Para isso temos que ter um paradigma, não para sermos etnocêntricos, não para converter o mundo à cultura gay, não para difundirmos uma nova ideologia dominante, não! Simplesmente, para nos orientar e, assim, não nos perdermos em nossa própria luta, em nossa própria causa. O meio Evangélico importa no Brasil uma teologia européia dos séculos XVI- XVIII, e Norte- Americana a partir do séc XIX, que fazem um verdadeiro massacre psíquico ao sujeito constituído, principalmente, se esse sujeito constituído for homossexual.


O arquétipo moral foi basilar na construção religiosa do ideal burguês nesses séculos. O Iluminismo do século XVIII conferia um ideal ordenado de um mundo racional, caminhando para perfeição, ainda que renegassem o status quo religioso (Igreja Medieval), e formas de governos absolutistas, conferiam a idéia da civilização; e ser civilizado era aderir a uma série de normas moralizantes, mesmo que não necessariamente religiosas, mas constituídos em valores de bons costumes, que renegavam tudo aquilo que se assemelhava com o caos, desordem, anarquia, ou que, não aferissem proximidade com esse mundo civilizado. Afinal, os iluministas eram burgueses! Logo, já na modernidade surgem 2 grupos religiosos, mas não distintos com facilidade: Pietistas (Alemanha) e puritanos (Inglaterra). Que traziam essa moral em seu discurso religioso, e que portanto, traziam muitos burgueses pensadores para o seio do protestantismo com seus padrões de condutas elevados. Junto do Iluminismo, tem-se na Inglaterra a Revolução Industrial, que em meio a uma série de idéias, aparentemente, anticlerigais, na Revolução Industrial, coloca em evidência duas classes religiosas, que vão colonizar os EUA: os puritanos (presbiterianos) e os pietistas ingleses (metodistas).
Interessante, que em pleno Iluminismo, a religião puritana, constituída pela burguesia inglesa converte a Inglaterra, e os ideais burgueses são colocados dentro da religião de forma radical e definitiva, o discurso moralizante se apresenta como fator fundamental nessa história. A religião vinga, chega até nós, e o ideal das luzes não dura mais do que o século XVIII, quando no século XIX, a racionalidade começa ser criticada pelo romantismo e subjetivismo.


E nós, aonde nos encaixamos? É simples, dentro do discurso moralizante, puritano, herdado do colonialismo, ops! Das missões das igrejas evangélicas norte-americanas. Essa ideologia, que vem de séculos atrás, está infiltrada como o PRINCIPAL discurso de evangelização no Brasil. E isso, no meio gay evangélico tem gerado segregação. Os fatores são diversos: a maioria dos homossexuais evangélicos pertence à classe média; são na maioria das ocorrências não assumidos, pertencem ao meio social de comportamento de gênero, dependentes dos familiares, possuem idéias etnocêntricos, etc. Fato esse, perceptível em nossas listas de discussões; onde um rapaz faz um anuncio de relacionamento (procura-se namorado) e, imediatamente, é persuadido ao constrangimento, por um outro gay evangélico, que considera tal atitude simples, corriqueira, natural como: mundana, anti-religiosa, pervertida, fora de propósito etc... Os valores seguidos na teologia gay, são valores reacionários, que renegam os nosso modo de vida a todo o instante, mas que estão como paradigma na sua construção.


Então, quando falo em axioma para nosso caminhar religioso, venho falando não para atribuição de mais rótulos, ou para formação de uma nova casta religiosa, não. O problema é que se alguns forem caminhar dentro do que sentem, eles irão caminhar dentro de uma ideologia que vai continuar a massacrá-los, pois na verdade é isso que acontece; todos nós seguimos os nossos valores, e qual é o valor gospel gay? Infelizmente, o mesmo valor dos religiosos colonizados, ops! Evangelizados pelas igrejas de missões. Não temos um paradigma, a crítica feita a muitos evangélicos homossexuais, por outros também homossexuais é idêntica ao discurso das igrejas homofóbicas: a parada gay é carnaval (portanto pecado), se anunciar disponível em uma lista de discussão é ter comportamento mundano, transar com mais de uma pessoa sem compromisso é promiscuidade! Mas e os nossos valores? O que dizer então das travestis? Dos garotos de programa? Das idas às boates? Dos go go boys? Enfim, eu não acho nada disso pecado, e muitos que dizem ser pecado, estão pecando, pois estão enfiados até o pescoço nesses tipos de programas. Entretanto, continuam minando a possibilidade de uma reflexão nossa, que venha nos unir em torno de um mesmo ideal: a construção de um mundo onde não somos julgados pelo fato de estarmos levando à cama parceiros do mesmo sexo. Mas julgados pelo nosso caráter e responsabilidade pelo bem comum.


Nesse sentido, sua mensagem foi muito elucidativa, pois nos abriu o espaço para comentarmos sobre a ideologia - ninguém vive sem uma. Entretanto, podemos criar uma sem iniqüidade, não há problemas com os ideais, desde que esses enxerguem o bem comum, a multiculturalidade e os valores humanitários. Contudo, o que não existe em nossa teologia são tais princípios, afinal, ela está permeada, invadida pela hipocrisia moralista, puritana, burguesa dos ingleses, dos norte-americanos; esses mesmos que votaram em Bush, dando um credenciamento, ao mesmo, em sua política antigay, antiaborto, antiprostitutas etc. Portanto, esse espaço que você deseja, e que brilhantemente você expõe como desabafo em seu texto, tem que ser criado, tem que ser experimentado em nosso espaço e valorizado nele, como algo legítimo, santo e que nos represente.
Pois tudo isso não vai cair do céu como presente de Deus, a hipocrisia social diz que nós somos gueto, subcultura, marginalizados, vagabundos, promíscuos, sem- caráter. Ainda, alguns alimentam por nós o ódio injustificado, trazido dos manuais de castidade e vida santa da perfeita sociedade burguesa dos séculos XVII- XIX.


Para concluir, um leitor, nos comments, indagou se tudo isso não corre o risco de ser mais um dogma. Penso que não; o dogma tem a ver com a religião, e religião nós temos. Acredito mais na possibilidade de desmistificação do mal, e de sentimentos de auto- estima, também, sentimentos de identidade, civismo e democracia. O respeito pelo humano tem que ser considerado em nossa teologia, uma pessoa não é melhor ou pior do que ninguém, pelo fato de ser gay, ou de ter vários parceiros. Mas uma pessoa é pior do que as outras, quando se forja na hipocrisia uma identidade que ela não possui, atribuindo grilhões aos outros, enquanto ela mesma se faz presa em suas próprias crises.


sábado, 20 de novembro de 2004

Renato,

Transcorrendo os olhos em suas colocações a cerca de um axioma, muito refleti e identifiquei como seus, também, particularidades que considerava só minhas: liberdade e punição de Deus não devem ser associadas a julgos de conduta balizados pela Bíblia (palavra Dele que foi por falhos homens transcrita).

Julgar, balizar, criticar, sempre foi inerente ao ser humano (e nisto, estamos nós: os gays), principalmente no que concebemos como "diferente" à nossa concepção de individualidade. No contexto em que me encontro (namoro um gay evangélico) muito aprendi (minha formação religiosa nunca foi em templos, mas sim com Ele diretamente) e tanto mais me indignei, visto que em todo meio, seja ele inclusivo ou não, a segregação pela diferença, gera a esfera sub da marginalidade que nos impõem os que se consideram "normais".

Existe segmentação onde deveria existir consenso. Todos independente do caminho percorrido até aqui, queremos direitos (não necessariamente aceitação, pois esta é subjetiva e não deve ser imposta) para contraprestar aos deveres que nos são inerentes como `cidadãos`. Por que então aferir as formas de busca deste fato? Não possuo conhecimento das escrituras, porém sei que Deus me ama da forma que sou: homoafetivo.

Ser promíscuo ou conservador é apenas um dogma introjetado pela sociedade (nesta incluem-se heteros, homos, bis....enfim, todos). Não deveríamos ser enquadrados em uma ou outra rotulação, pois o primordial seria vivermos consonantes com o que sentimos. Isto deveria ser o necessário a todos.

Por favor, não veja meu desabafar como uma forma de refutar pensamentos ou colocações, mas sim como um meio de externar algo há muito guardado. Corro também o risco de incorrer em intromissão, porém saiba que ao colocar nestas linhas meu pensar, o fiz na certeza de ser consonante com meu existir e na perspectiva de ser visto como um indivíduo subjetivo e com falhas, pois como tantos, busco apenas caminhar.

Enfim, fácil é falar do que não nos é familiar, próximo, aceito, porém todos temos nossas omissões. Nisto sim deveríamos empregar nossa energia e vitalidade, para que com o templo interior sanado, pudéssemos em conjunto buscar esta condição coletiva tão em voga (união civil para GLBT`s). Acredito que desta forma poderemos entender melhor a heterogeneidade e a subjetividade que está em cada indivíduo sem o estigma mínimo da SEXUALIDADE.

William Castro
por Maria Berenice Dias

A candidatura da deputada estadual Maria Eulina à prefeitura de Vizeu (PA), foi derrubada porque sua companheira, Astride Cunha está no cargo há dois mandatos. O Tribunal Superior Eleitoral decidiu que, assim como no casamento heterossexual, nas relações homossexuais há forte laço afetivo, capaz de unir pessoas em torno de interesses políticos comuns. Portanto, os sujeitos de uma relação homossexual devem se submeter à regra de inelegibilidade prevista na Constituição Federal. Mais uma obrigação! E como ficam os nossos direitos? Leia a seguir opinião da Desembargadora Maria Berenice:

Sim, uniões homossexuais existem! Essa afirmativa vem sendo repetida com tanta freqüência pela justiça gaúcha, que já nem merece espaço nos meios de comunicação. De forma pioneira o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul identifica as uniões entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar e lhes garante tutela jurídica. Às parcerias homossexuais se aplicam as regras do Direito de Família. Na ausência de lei que as regulamente, invoca-se a legislação que rege a união estável. Com isso os parceiros passaram a ter uma gama de direitos só assegurados à família: direitos previdenciários, à meação bem como direito à herança.

Em outros Estados surgem decisões esparsas nesse sentido. Mas a forma encontrada para solver conflitos envolvendo uniões homossexuais - inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça - é identificá-las como sociedade de fato. Com isso, além de ser negada a existência da afetividade na origem da relação, também se afasta seu caráter familiar. Tratada a união como sociedade comercial com fins lucrativos, os parceiros são considerados como se fossem sócios e, na dissolução da tal sociedade, tudo termina em mera divisão de lucros, assim considerados os bens amealhados durante o convívio, devendo cada sócio provar o quanto contribuiu para a formação do acervo social. Agora o Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, acaba de aplicar à união estável homossexual a inelegibilidade consagrada no art. 14, § 7°, da Constituição Federal. Aí se proíbe aos cônjuges de Presidente da República, Governadores e Prefeitos concorrerem nas eleições ao mesmo cargo. Necessário, o afastamento do titular até seis meses antes do pleito.

O fundamento dessa vedação é salutar: não perpetuar no poder um mesmo grupo familiar, evitar a constituição de oligarquias que dão ensejo ao que se chama continuísmo.

Com essa preocupação, a jurisprudência passou a reconhecer que não só o casamento, mas também o concubinato e a união estável, em face da presença de forte vínculo afetivo, impõem a mesma limitação.
No momento em que a justiça decide que as uniões - que passaram a ser chamadas homoafetivas - repercutem na esfera eleitoral, a ponto de gerar a presunção de que pode haver interesses políticos comuns, não há como deixar de reconhecer que essas relações são entidade familiar.

Assim, essa decisão inédita, partindo do Tribunal que tem o dever de interpretar a Constituição, é dotada de grande significado.

É importante passo na luta pela cidadania. Deu inegável visibilidade a um segmento que, por puro preconceito, é alvo de discriminação e de severa exclusão social.

Jamais se viverá em um pleno Estado Democrático de Direito, cuja preocupação maior é o respeito à dignidade humana, caso se excluam da proteção jurídica os que se afastam do modelo tido como normal para fazerem uso do direito humano à felicidade.

Ainda que não tenha sido reconhecido o direito da parte de concorrer na eleição, o ganho social foi grande, pois a relação homossexual foi aceita como entidade familiar que, como as demais, merece a especial proteção do Estado.

Uma conclusão tornou-se inevitável: se o Judiciário aceitou assim a relação estável homossexual, impondo ônus a seus sujeitos, deve também assegurar-lhes os bônus a que fazem jus. Mera questão de justiça.