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sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Dia de Finados

Velas



por João Marinho

VELAS

Embora eu acredite que muitos de vocês não saibam, nunca foi segredo para ninguém que eu sou um “filho da igreja”, no sentido mais próprio do termo. Fui literalmente criado na Igreja Batista, denominação de que nunca saí até deixar o cristianismo – ainda que tenha transitado em dois segmentos internos, o da Convenção e o da Batista Bíblica –, e cedo me converti, aos 12 anos de idade; e me batizei aos 14.

Com isso, me irmanei ao restante da minha família nuclear: minha mãe e minhas duas irmãs, também evangélicas... Ou protestantes, termo que considero mais simpático para as denominações históricas.

Minha família, porém, sempre teve a singular diferença do meu pai, católico. “Sui generis”, é verdade... Não praticante, daqueles que reclamam do papa, criticam o cristianismo e a Bíblia, veem as diferentes igrejas de uma perspectiva não raro negativa e dificilmente entram em uma, a não ser em casamentos e batismos... E uma ou outra vez para ver eu e minhas irmãs cantando ou interpretando uma peça de temática bíblica, ou para passar o Natal e o Ano Novo em nossa companhia.

Acho que, no fundo, meu pai só se diz católico por tradição. Quando éramos bebês, em acordo com a minha mãe, que já era evangélica, fez questão de que fôssemos batizados por um padre – mas nunca expressou qualquer desejo de primeira comunhão ou de crisma. Devoto de algum santo? Não que eu saiba. Reza às vezes, mas não o Pai Nosso ou a Ave Maria: é mais como a oração dos evangélicos. Benze-se antes de sair de casa... E para por aí.

No entanto, ele sempre manteve outra tradição igualmente singular. Todo dia 2 de novembro, dirige-se a um cemitério e acende velas. Primeiro, para seus pais, meus avós, que há muitos anos se foram. Depois, para os amigos que ele tinha e que, idosos como ele, partiram antes – e isso sempre me chamou a atenção.

Quando eu estava na Igreja Batista, nutria, como o restante da família, o sentimento de ver meu pai convertido à religião evangélica. Isso nunca aconteceu, e eu tendia a considerar as críticas dele coisas de “incrédulo”, mas o tempo traz a experiência... E, tão surpreendente quanto foi minha desconversão para o restante da família, foi para mim o fato de que eu passei a entender o modo de ver de meu pai e as críticas que ele tecia. Muitas vezes, até concordamos.

Temos eu e ele uma relação muito boa, mesmo com a dificuldade que ele tem, dada sua criação nordestina e machista, com a minha homossexualidade. Há confiança, carinho e somos, inclusive, confidentes. Não sei se por eu ser gay e, por isso, supostamente já ter a mente mais aberta (embora eu tenha mesmo, hehehe), mas tenho a impressão de que meu pai entende que pode me contar “qualquer coisa”. Há certas confissões que me deixaram de cabelo em pé, rs – mas eu gostei delas, porque me fizeram enxergar uma realidade: nossos pais não são perfeitos, são humanos, erram, têm seus medos, segredos... E já pisaram muito no tomate quando jovens.

Essa não tão súbita maior proximidade e entendimento me fez prestar ainda mais atenção ao ritual do dia 2, a ponto de, certa vez, ali pelo segundo ou terceiro ano de faculdade, eu perguntar a minha amiga Thais Iervolino por que os católicos acendiam velas, iam a cemitérios e rezavam para as pessoas que se foram. Na minha igreja, dizia-se que evangélico mesmo só ia ao cemitério duas vezes a cada morte: no sepultamento do ente querido e na hora em que ele próprio viesse a morrer. Ela me explicou que era para ajudar-lhes a encontrar o caminho, ajudar-lhes a superar os rigores do purgatório e também para nos lembrarmos deles.

Purgatório é uma tese estranha a ouvidos evangélicos. As igrejas protestantes acreditam que há apenas dois destinos finais: paraíso ou inferno, definidos pela crença em Jesus Cristo. Defendi isso por muitos anos. Verdade seja dita, porém, a tese de um terceiro lugar me soava mais simpática. Especialmente no final do meu processo de desconversão, sempre achei a lei divina interpretada pelos evangélicos radical demais. Definitiva. Sem chance de remissão.

Thais nunca soube, mas aquela conversa me impactou – e me mudou. Então, um dia, para surpresa da minha família, eu anunciei que iria com meu pai ao cemitério no dia 2 de novembro. Ele ficou muito feliz. Foi um dia mágico, na verdade, porque me senti compartilhando com meu pai algo que lhe era muito íntimo, até dolorido, e que ele vivia sozinho.

“Sui generis” como ele é, não acredito que meu pai creia que as velas que acende de fato ajudarão meus avós ou seus amigos em qualquer atividade no outro plano. Nem mesmo sei se ele tem certeza de onde eles estão na suposta outra vida.

Embora nunca tenhamos conversado sobre essa parte do ritual, percebi que, na verdade, para ele, ir ao cemitério e acender suas velas é mais como um memorial. Uma forma de homenagear aquelas pessoas queridas que não estão mais entre nós, externar a falta que elas fazem, refletir sobre o curso da vida e lembrar os momentos que com elas passamos e que, muitas vezes, na correria do dia a dia, deixamos desbotar. Rezar por elas também, é claro – e, de um ponto de vista, compartilhar esse sentimento de respeito, em silêncio, com outros que estão fazendo a mesma coisa e que conhecem a mesma dor. Sinceramente, achei isso muito bonito e, pelo menos, foi a forma pela qual passei a entender e sentir o Dia de Finados, já que a ideia de céu, inferno e purgatório faz pouco sentido para um desconvertido.

Muitos amigos não entendem por que, não sendo eu mais um “cristão”, guardo essa data. Estranham ainda que eu tenha iniciado a tradição depois de desconvertido.

São essas as razões.

Já perdi algumas pessoas, algumas muito jovens e quando eu era muito jovem. Não sei se o fato de eu elevar meu pensamento a elas as ajuda, nem mesmo se existe outro plano, nem se elas estão lá – mas faz bem. Honrar a própria história e lembrar-se de quem merece é algo que comove. Por isso, amanhã, estarei novamente lá, acendendo minhas velas – e vendo-as queimar com minhas lembranças.

terça-feira, 30 de julho de 2013

Estratégia católica?

Francisco e os gays

por João Marinho

De verdade, penso que nós, LGBTs, devemos ter cuidado com Jorge Mario Bergoglio, atualmente conhecido como papa Francisco. Tenho visto muitos empolgados com suas declarações recentes, de que gays não devem ser marginalizados, e até dizendo que ele “defendeu nossos direitos”.

Na verdade, não defendeu, não.

Na continuação da entrevista, ao falar sobre o “lobby gay” no Vaticano, ele declarou que o problema não era a orientação sexual, mas o “lobby” envolvendo a orientação – e que o problema estava em qualquer “lobby”.

É uma declaração dúbia, que tanto pode ser entendida como uma crítica direta aos bastidores nem sempre limpos da política e do alto escalão vaticano – quanto, mais perigosamente, pode ser entendida como uma “condenação generalista”, de que qualquer “lobby gay” é algo a ser visto com desconfiança.

O problema é que, no Ocidente, a maioria dos países vive em regimes democráticos. A união de grupos em torno de interesses comuns faz parte da democracia e é saudável, como já observava Alexis de Tocqueville em sua obra A Democracia na América, análise do regime norte-americano.

Só que, para os adversários de uma demanda, qualquer união nesse sentido pode ser entendida e referida, negativamente, como “lobby”. Do ponto de vista geral, lobby é a pressão que grupos organizados fazem em cima do poder público para aprovar suas propostas, mas, do ponto de vista restrito e negativo, é a mesma pressão visando a atender a interesses privados, em vez de uma genuína preocupação com a coisa pública.

Seria “lobby” a tentativa LGBT de instituir o casamento homoafetivo, o reconhecimento da identidade de gênero dos/as transexuais e o acesso à cirurgia, a proteção contra a homofobia? Para os adversários, sim, e de forma negativa – afinal, não argumentam eles que são demandas que “atendem somente a uma minoria” e não representam “avanço” para a coisa pública? Ora, se lobby é ruim, como disse Francisco, como é que fica, então, a pressão política LGBT para aprovação de suas demandas?

Pensando assim, a frase de Francisco sobre integrar os gays à sociedade ganha outros ares. Uma vez que ele não vai – e nem pode ir – contra o catecismo oficial da igreja católica, essa integração pode ser entendida, também, do ponto de vista heteronormativo. Vale informar que o catecismo faz diferenciação entre orientação sexual e ato sexual. Uma vez que uma pessoa é homossexual, é sua “cruz” praticar a castidade, segundo o catecismo, pois os atos homossexuais são intrinsecamente desordenados.

A que integração Francisco se referiu, então? Ok, não se pode julgar os gays que buscam a Deus e estes devem ser integrados à sociedade – desde que mantenham a prevalência da heterossexualidade como único caminho digno e desistam de fazer “lobbies” em torno de seus direitos mais fundamentais, contra os quais a igreja católica formalmente se opôs em todos os países em que foram levados à discussão? Garanto que muitos não viram as declarações por esse ângulo – mas vejam o perigo...

É claro que é difícil dizer a real intenção de Francisco sem cair em injustiça ou especulações vazias. No entanto, dado o histórico da igreja católica e a atitude dos últimos dois papas que pude conhecer em vida (Jesus, como tô velha!), os patentemente homofóbicos João Paulo 2º (que vai ser canonizado pelo mesmo Francisco!) e Bento 16, que vociferavam – ainda que disfarçadamente, com voz doce – contra nós outros e nossos direitos até em pronunciamentos de Natal, eu diria que “pôr as barbas de molho” é a coisa mais certa a fazer. Prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém, não é assim?

Também não podemos deixar de ter em mente que, enquanto cardeal, Bergoglio se opôs veementemente à aprovação do casamento gay sob o governo de Cristina Kirchner, na Argentina – e não apenas como religioso, mas incutindo-se na esfera pública para influenciar a política de um Estado laico, o que é sempre perigoso... Um... Lobby? Curioso, né? E não, Bergoglio e Francisco não são duas pessoas diferentes só porque trocou o homem de nome. A encíclica escrita a quatro mãos com Bento 16 reforçou seu histórico de oposição a tais direitos de homossexuais, inclusive – e, mesmo não sendo eu católico, sei perfeitamente que uma encíclica tem mais importância que uma declaração a jornalistas.

Há, porém, ao menos um fato que merece ser analisado positivamente nas declarações de Francisco. O tom com que falou dos homossexuais representou, de fato, uma mudança na abordagem feita por seus antecessores. Enquanto cardeal, diz-se, se opôs ao casamento gay, mas admitiu a união civil. Eu diria que a dubiedade a que me aludi mais atrás, inclusive, não foi fora de propósito.

Francisco está francamente atrás de conter o escape de fiéis, e assim, você pode não ter notado, mas, sob o “manto do amor”, tem reforçado os dogmas católicos. Reza com pastores na assembleia de deus, mas a posição de que a igreja católica é a única onde encontrar a salvação está “positiva e operante” como nunca. O papa, no fim, é pop e bastante inteligente – um excelente garoto-propaganda, que se mostra humilde e conquista simpatia, ao mesmo tempo em que solidifica a ideia de correção e hegemonia de tudo que é dito por sua igreja. Para o bem e para o mal. Isso pode ser percebido na questão dos gays, se minha chave interpretativa estiver correta.

Embora suas declarações possam ser um “morde e assopra”, têm a vantagem, que também não me é casual (ele é inteligente, lembre-se!), de marcar uma diferença entre a forma católica e a forma não católica (em outras palavras, evangélica) de tratar a questão. As reações de Silas Malafaia e Marco Feliciano, respectivamente, à popularidade e ao discurso de humildade do papa e à declaração sobre gays mostram que eles também sentiram isso – e se incomodaram, mesmo negando.

Se o papa estiver mesmo engajado numa “guerra fria” contra as religiões evangélicas – mordendo-as e assoprando-as também –, religiões essas que, via políticos fundamentalistas, têm se tornado uma verdadeira pedra no sapato do Brasil laico, tanto melhor. O inimigo do meu inimigo é meu “amigo”. Entretanto, enquanto LGBTs, precisamos ser maquiavélicos (no sentido de Maquiavel), saber aproveitar esse momento, mas estar cientes de que essa “amizade” vai até à página dois, antes de ir beijar os pés de Sua Santidade. Todo cuidado é pouco: e essencial para que não compremos um cordeiro e terminemos com um lobo nos devorando em casa.

sábado, 25 de maio de 2013

Por que, cada dia mais, amo o novo papa

por João Marinho

Depois de dizer que a Igreja Católica tem primazia na interpretação da Bíblia, o papa Francisco se sai com esta: http://noticias.gospelprime.com.br/bem-redimidos-ateus-papa-francisco/

Acho bárbaro! Não acredito que ele não tenha segundas intenções, mas são diferenças fundamentais entre a doutrina católica e protestante que minam, mais uma vez, a tese de que haveria uma aproximação visando a uma união.

No site Gospel Prime, muitos evangélicos se irritaram, porque a salvação, dizem apresentando textos bíblicos, "vem pela fé".

No entanto, mesmo um estudo superficial das passagens apresentadas mostra que há contradições interbíblicas. Mateus 19:16-23, nas palavras do próprio Jesus, mostra como caminho para a vida eterna a guarda dos mandamentos. Termina com o "segue-me", mas para o jovem rico "ser perfeito", e a conclusão é sobre o desapego aos bens materiais e a ajuda aos pobres, que é justamente a base do sermão de Francisco, oras.

Os outros textos dizem respeito a crer em Jesus como salvador, mas já demonstram uma outra elaboração da ideia de salvação. Marcos diz que é preciso crer e ser batizado. I João fala de seguir os mandamentos. João apóstolo fala de seguir a Cristo como caminho, mas isso pode ser tomado como seguir a seus mandamentos, que recomendam o bem.

Paulo, em Romanos, diz que é preciso confessar que Jesus ressuscitou dos mortos - e não faz nenhuma exigência a mais. Ou seja, como fica a questão de seguir a doutrina e as intermináveis listas que, na Bíblia, mostram dezenas de categorias de pessoas que não entrariam no Céu (http://www.joaomarinho.jor.br/blog/2009/12/cardel_diz_que_homossexuais_na.html)?

Os versículos, assim, contêm mais questionamentos que soluções – e a solução católica é baseada em sua tradição teológica e patrística, mas, guiando-se apenas pela Bíblia, a salvação, na verdade, é menos clara do que supõem os evangélicos – daí que ela é complementada também por sua doutrina, embora digam que não. Considerem meu caso, por exemplo, que sou gay.

Como irei para o céu?

Em Mateus, basta não adulterar, honrar meu pai e minha mãe, não matar, roubar e nem dar falso testemunho que estou OK. Isso já faço, e ajudo os pobres também - nenhuma menção à minha homossexualidade.

Em Marcos, é crer e ser batizado. Já fui.

Em Romanos, é confessar que Jesus ressuscitou e basta. Já o fiz.

I João fala de seguir os mandamentos. Nenhum dos 10 é eminentemente sexual, Jesus ele mesmo também não mencionou nada de sexo senão o adultério (que pode ser visto de outra forma). Chequei!

Mas, se me guiar pelas outras passagens, mesmo tendo feito tudo isso, não vou porque sou "sodomita", e "sodomitas" não entram. Então, %&#$@, qual dos escritores é que está certo?

Sim, porque até as listas de exclusão mudam. Umas, como a de Paulo – o mesmo que diz que basta confessar a ressurreição e nada mais – em I Coríntios, me colocam no lago de fogo.

As listas atribuídas a Jesus nos evangelhos, porém, nem me mencionam. E Jesus, segundo os evangelistas, ainda diz que as meretrizes vão entrar na frente dos discípulos porque creram, enquanto outros escritores já colocam a própria condição de ser meretriz como impeditivo.

Impressiona-me que tantos fiéis não vejam isso.

Nesse sentido, parabéns ao papa por ter reafirmado a doutrina católica. Ainda que eu não concorde com ela – e com nenhuma outra, incluindo e especialmente a protestante.