Goleiro Bruno Fernandes, sua mulher, Ingrid Calheiros, e a filha do casal, de 2 anos, foram para praia de Cabo Frio (RJ) passar o Réveillon 2019/2020 |
Crime é todo o ato praticado que viola uma
norma estabelecida em lei e a esse ato violado, pela lei, é imputado uma pena
de reclusão ou detenção, podendo ainda haver multa.
Nas sociedades modernas, o Estado substitui a
parte ofendida (vítima, família da vítima e sociedade), assumindo para si a
ofensa e o direito-dever de punir o ofensor. Tal ação tem uma razão de ser, a
punição não é encarada como vingança nua e crua, em que o transgressor tenha que
receber em si o mesmo mal que praticou. Antes, a norma legal, legislada, abstrata,
pune a conduta tida como lesiva: matar alguém; provocar lesão corporal em
alguém; subtrair para si ou outrem coisa alheia, mediante violência ou grave
ameaça...
Assim, a intenção é a desmotivação do ato
criminoso por parte do agente e a inibição da reação dos particulares (vítima contra
o agressor) de forma desproporcional, às vezes, superior à própria agressão
cometida.
Isso acontece para se afastar do modelo de
sociedade primitiva, em que uma determinada família, ou um clã de uma tribo,
tinha o dever de matar o membro de uma unidade correspondente que havia
praticado a ofensa. Era o caso da vingança particular. Entretanto, entre a lei
de talião, os suplícios medievais e toda a história do Direito Penal, a
humanização da pena é um freio à pretensão punitiva como forma de poder e
tirania. Afinal, ainda que o crime seja de homicídio, há na pena imposta
elementos que consideram a reprovabilidade do ato, a gravidade social, o
sofrimento da vítima e todos os elementos suficientes para que se façam da pena
cominada proporcional ao ato transgressor estabelecido pela lei, ao mesmo tempo
que desmotiva o uso de suplícios, por exemplo, como forma de oprimir alguém
indesejado.
Comumente, principalmente pelo desserviço de
setores da mídia que lucram muito com as tragédias pessoais (afinal, as páginas
policiais vendem), o Direito Penal vem sendo interpretado como esse meio de
vingança particular e, quando não corresponde aos anseios punitivistas, a sensação de impunidade difundida pelos
veículos da imprensa sensacionalista toma sua forma no corpo social.
O caso do goleiro Bruno, em particular, torna-se
emblemático. Há um sadismo por trás do grito de justiça, há uma sociopatia, uma
perversão assombrosa, alçada em vozes feministas que tentam impedir o
famigerado goleiro sua volta aos estádios.
É o caso da jornalista Jessica Senra, que
viralizou nas redes, por protestar contra a contratação de Bruno pelo futebol
do Fluminense de feira de Santana. Para a repórter o “FEMINICIDA” Bruno não
deve voltar ao futebol, pois ele não pode se tornar ídolo.
Há um problema sério aqui, um não, vários: o
primeiro vem pelo adjetivo feminicida, vejamos:
O Feminicídio passou a integrar o
rol de crimes do código penal brasileiro em 09 de março de 2015, pela
lei 13.104 que alterou o art. 121, § 2º, inciso IV; art. 121, § 2º-A, incisos I
e II; art. 121, § 7º, incisos I, II e III. Entretanto, o crime atribuído
ao goleiro Bruno contra Eliza Samudio teria ocorrido em 10 de junho de 2010.
O que isso significa?
Significa que a repórter, in comento, não
pode, não tem esse direito de chamá-lo de feminicida, pois a sentença
condenatória transitada em julgado o condenou pelo homicídio e não pelo
feminicídio, figura penal que nem existia à época. Para alguém ser considerado
feminicida há que se estabelecer se o crime praticado é por conta da condição de mulher, isso
deve ficar reduzido a termo na sentença, não é o caso do Bruno, podendo ter
havido, inclusive, calúnia contra o goleiro. Afinal, não basta uma mulher ser assassinada
para que o assassino seja caracterizado por feminicida, a vítima, no caso, tem
que ter a vida subtraída pelo simples fato de ser mulher, tem que existir o
preconceito dessa condição particular. Foi o caso do goleiro Bruno? Não! O tipo
penal nem existia à época, não podendo, portanto, retroagir para atingi-lo. O
que dirá da discussão em si, em que os elementos para o condená-lo, a tal
espécie de crime, sequer foram debatidos.
Outros elementos mostram a perversidade
social colocada como uma voz feminista, mas que descaracteriza totalmente o
valor do feminismo e suas lutas por condições sociais de igualdade e lugar da
mulher, na fala da jornalista Jessica Senra. É o caso, por exemplo, da
distorção e contradição de seu discurso ao dizer: “Desejamos e precisamos que
pessoas que cometem crimes tenham a possibilidade de refazer suas vidas. Mas
diante de um crime tão bárbaro, tão cruel, poderíamos tolerar que o feminicida
Bruno voltasse à posição de ídolo?”.
Em que pese o caráter hediondo, onde está na
lei que aqueles que cometam tal espécie de crime não possam voltar ao convívio
social? Mesmo que, no início da fala da repórter, ela “desejar” que pessoas que
cometam crimes refaçam suas vidas, esse desejo é seletivo, à medida que: para
alguns crimes essa possibilidade é plausível, para outros não. Uma contradição
medonha que aponta para uma crueldade simpatizante: “olha, eu até acho que
essas pessoas criminosas possam ser gente um dia, mas o Bruno não!”. É a fala
do bandido bom é bandido morto mitigada aos valores da luta pelo empoderamento
da mulher, descaracterizando essa luta em um ódio particular (afinal, Bruno não
cometeu feminicídio) e preconceituoso.
Preconceito sim, Bruno é negro, nasceu em uma
comunidade carente no município pobre de Ribeirão das Neves, é um alvo fácil
desse extremismo social de eugenia cultural, explodido no Brasil, e camuflado no
cotidiano, mas que ganha força no absconditus revelatus das redes
sociais. É a mentalidade bolsonarista, distorcida, que faz mulheres votarem no
Messias, mesmo que esse seja manifestadamente contra os direitos das mulheres.
Ou a jornalista não sabe o que é, de fato, feminicídio?
O desejo da condenação perpétua àqueles que
não estão no mesmo estrato social e cultural de determinada classe reina na
concepção mediana, não importa se a voz venha de uma repórter ou apresentadora
da Rede Globo de Televisão. É sensacionalismo punitivista, desde o início, em
que Bruno ao defender um time sem expressividade alguma, possa vir se tornar
novamente um ídolo nacional.
Entretanto, o mais duro: execrado por um
feminicídio que não cometeu, talvez um homicídio, mas que não seria suficiente e
legalmente capaz de impor a ele uma condenação perpétua. Mas que para a apresentadora
da Globo é controle, é política de prevenção à criminalidade, camuflando seu
preconceito intrínseco e transformando em uma voz aceitável aos holofotes
populares, enquanto bate em “cachorro morto”, propaga seu fascismo sem dar
direito ao outro de se explicar.
Essa é a faceta punitivista comum de uma
sociedade que carece de representantes capazes de dizer o contrário. Estamos
fadados aos imbecis que ganharam relevante voz.
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