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sábado, 1 de fevereiro de 2014

Beijo gay em "Amor à Vida"

Direito de espernear



por João Marinho

Hoje, meu esporte favorito não foi a natação, mas ler os comentários homofóbicos em todas as notícias que deram destaque ao primeiro beijo gay em uma novela global, na internet. Nervosíssimos, os homofóbicos chamaram a Globo de "esgoto" para baixo... Além do conhecido discurso de "destruição da família", da "moral" e da "defesa de crianças" – que nem deviam ver a novela dada sua classificação indicativa. Né?

Existem algumas coisas nessa história do beijo que merecem ser lembradas. Postei, no meu Facebook, que não acreditava que ele sairia. Mantive essa posição até o final, sem arrependimento.

Isso porque não era simples pessimismo meu. A Globo tinha um histórico nada agradável de acenar com possibilidades de beijos, inflar a audiência e deixar os apoiadores vendo moscas ao fim do capítulo.

Além disso, sempre houve receio por parte da Globo de perder seu público conservador – que tem importância em um momento em que a tevê aberta perde audiência e enfrenta a concorrência de outros meios de comunicação e da tevê a cabo.

Essa perda de audiência da tevê aberta, se considerarmos a migração para a paga, a rigor, não significa propriamente perda para a Globo, que, via Globosat, detém a maioria dos canais pagos e é acionista da NET, principal e mais lucrativa operadora no Brasil. No entanto, a Rede Globo continua sendo seu carro-chefe e a principal geradora de receitas via comerciais e patrocinadores. Portanto, é algo para se levar em conta.

Ademais, ao que tudo indica, a Globo decidiu liberar o beijo apenas na reta final. Há pouco mais de duas semanas, um colega de profissão meu correspondeu-se com Walcyr Carrasco sobre o beijo, e o próprio autor lhe dissera que não tivesse muitas esperanças.

Tudo aponta que a cena do beijo foi liberada após enquetes, pesquisas de opinião e análise da receptividade do público indicarem que era uma zona de baixo risco. A Globo já sabia que Amor à Vida vinha registrando mais audiência que sua antecessora, Salve Jorge. Já sabia que o público se apaixonara por Félix, a "bicha má", e que tinha recebido bem sua regeneração. Já sabia que os telespectadores estavam mais ligados no final amoroso de Félix que no de Paloma. Primeiro, com o mecânico que traçava tudo que "caía na rede". Depois, com o Niko bonzinho, que, paulatinamente, caiu nas graças do público e virou a mocinha carismática da trama. Faltava saber se o público aceitaria o beijo. Como a resposta foi sim, liberou.

Por isso, não é bem verdade que a Globo deu um "tapa na cara da sociedade". Antes, andou ao lado dela. Se fosse o oposto, seríamos frustrados, como em América.

Agora, verdade seja dita, isso não tira o brilho das cenas finais, tanto pelo beijo em si quanto pelo espetacular fim em que César aceita o filho gay e, pelo amor, supera sua homofobia. O recado foi dado na trama: o amor existe em diferentes cores e em diferentes tipos de família (vide a família de Niko, com seus dois filhos), e não é a homossexualidade que "destrói" família alguma: é a homofobia.

Os LGBTs, os mais fundamentalistas parecem se esquecer, não nasceram de chocadeiras e nem brotaram da terra. Nascemos em famílias, muitas das quais nos fazem experimentar a dor do preconceito muito antes que as pessoas de fora, exatamente como ocorreu com César e Félix. É isso, e não a homossexualidade, bissexualidade, travestilidade ou transexualidade, etc. em si, que destrói os lares. Quando o membro gay é aceito e recebido no seio familiar, a convivência, a harmonia e o amor se estabelecem, e ele se torna um membro tão importante e tão ativo na família quanto qualquer outro. Com isso, LGBTs e família só têm a ganhar.

O fato de que a maioria do público percebeu essas mensagens – que são reais! – e, sem titubear, apoiou o final feliz de Félix, Niko e do pai César, torceu por um beijo e até fez campanha por isso, embora indique que a Globo não andou em terreno movediço, é, de sua parte, uma vitória.

Os religiosos fundamentalistas e os conservadores aguerridos, homofóbicos, com seu discurso "pró-família" reduzido (porque despreza todos os outros tipos de família, inclusive as que contam com membros LGBTs) e seus argumentos falsamente construídos sobre a ideia de "moral" e "bons costumes", sempre gostaram de pensar que mobilizavam a "maioria" da sociedade contra uma ideia, igualmente falsa, de "ditadura gay".

Em todas as pesquisas ou enquetes que pude consultar, a maioria, na ordem de 60% em média, na verdade, apoiou os personagens e o beijo, e a audiência tampouco caiu por causa disso. Uma minoria de 40% – jogando alto, porque nem todos que eram contra o beijo eram necessariamente contra os personagens e a abordagem sobre homossexualidade e homofobia construída por Carrasco – é ainda grande coisa, mas mostra que, na verdade, os preconceituosos não têm todo esse poder de mobilização.

Nem o boicote puxado por evangélicos (fonte: Gnotícias) funcionou. Uma estranha campanha. Afinal, foi só um beijo. Estranho é que assassinatos, intrigas, tapas, brigas, traições, que ocorreram na mesma novela, sejam aceitos e ninguém pense em boicote por causa disso.

Isso, para esses grupos que sustentam a discriminação, é tão ou mais dolorido quanto o beijo em si. Sempre falaram em nome de uma "maioria" que se mobilizaria contra a "minoria" interessada em estabelecer uma "ditadura gay". Ao que parece, a verdadeira minoria são eles, que querem, isso sim, estabelecer uma ditadura religiosa e moral – e os demais não querem.

Já argumentei, certa vez, que a luta contra a homofobia é também uma luta pelos corações. Quando uma sociedade toma o caminho do respeito e da tolerância majoritárias, isso torna mais simples e mais sólida a consecução de direitos civis e fundamentais. Quando o preconceito e a discriminação são acuados, fica mais simples instituir a diversidade como um valor, que realmente é.

Por isso, ainda que não mudem, a rigor, o outro lado da luta, contra as agressões, contra os assassinatos, contra o sequestro da política pelos fundamentalistas, são importantes essas ações culturais – e, por isso, torna-se tão gratificante vê-los espernear. Pelo menos, por um dia.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Beijo Gay: de novo

Sobre o beijo gay na Rede Globo e a enquete do UOL



por João Marinho

Não sou tradicionalmente uma pessoa que confia em enquetes virtuais, nem mesmo nas dos grandes veículos da internet, como o UOL. Por isso, quase nunca faço campanhas por elas, ao contrário de alguns quadros do movimento LGBT, que sempre nos pedem para votar nessa ou outra "pesquisa" de determinado veículo.

Isso porque, como todos sabemos e os próprios sites informam, mesmo quando se trata de um grande veículo da internet, essas enquetes não têm valor científico, por não seguirem os ditames da Estatística em termos de amostragem e outros elementos, para começar.

Além disso, não raro se limitam aos leitores daquele veículo, que estão sabendo da enquete em curso. Também não raro, permitem votos múltiplos, o que desequilibra qualquer confiabilidade, ainda mais quanto a turma do "contra tudo que signifique progresso" começa a fazer campanha e convence muitos desocupados a passarem o dia votando apenas para mostrarem que "Deus" ou qualquer outro ser ilusório não gosta disso ou daquilo – e se incomoda com a felicidade alheia e com os direitos civis das pessoas.

Até mesmo quando instituições públicas, como o Senado, acionam enquetes, me posiciono contra e, tradicionalmente, nem voto. Não considero nem mesmo que seja seu papel submeter direitos fundamentais a votação popular. Afinal, quando estamos falando de minoria, soa racional que, talvez, a maioria vote contra a mesma – e isso é uma distorção da democracia, que é o governo de todos e deve garantir isonomia para qualquer cidadão, e não para aqueles que fazem parte "da maioria". Como diria Tocqueville, quando isso acontece, não temos uma democracia, mas uma "ditadura da maioria" – e dos Estados de socialismo real aos excessos dos jacobinos na Revolução Francesa, a humanidade já experimentou o que de sórdido acontece quando isso se instala.

Também não acredito que a Rede Globo levará o beijo gay à novela Amor à Vida – e, considerando o trabalho magistral que Walcyr Carrasco tem feito até agora, a ponto de levar a população a torcer por um casal gay, talvez nem precise. Da homofobia aos relacionamentos héteros de fachada, da sexualidade flexível masculina (representada na figura do mecânico) aos gays que buscam constituir família, da bicha má ao carneirinho, muitas das pautas por que tanto lutamos apareceram na tela. Não importa se você gosta da obra como um todo, isso é um feito inédito e, espero, o primeiro de muitos. Até a quantidade de personagens gays impressiona.

No entanto, sempre existe um argumento estranho para não mostrar um beijo entre dois homens em uma novela: o de que o público "não está preparado". Como se presenciar um carinho espontâneo oriundo do amor, mesmo que numa obra de ficção, requeresse "preparação". Além disso, vale dizer, mudanças culturais e conquista de direitos não devem responder a esse tipo de argumento sem fundamento. Afinal, faz parte da ideia de mudança... Mudar – e é mais do que normal que isso aconteça por meio de choques e desconfortos. Já imaginou se a Princesa Isabel não tivesse assinado a Lei Áurea porque a população brasileira "não estava preparada para o fim da escravidão" ou se o Congresso Nacional, nos anos 70, não tivesse aprovado a lei do divórcio porque a "sociedade não estava preparada para 'demolir a instituição do casamento'"? E você vai se espantar, mas não estava nessas e em outras ocasiões.

Ademais, acho, no mínimo, curioso que o público não esteja "preparado" para assistir a dois homens externando seu sentimento – mas esteja mais do que pronto para ver uma mulher explorar um cego por vingança, um homem levar facadas ou uma criança jogada em uma caçamba.

Assim, mesmo que a Globo não vá exibir o beijo gay – e não acredito que vá –, penso que demolir esse falso argumento tem seu mérito. Assim, é interessante, sim, que os LGBTs se organizem em campanha e votem na enquete do UOL sobre a questão: http://televisao.uol.com.br/enquetes/2014/01/13/voce-acha-que-o-felix-mateus-solano-e-o-niko-thiago-fragoso-deviam-se-beijar-em-amor-a-vida.htm .

Se não vai mudar a realidade do beijo gay, que, pelo menos, mostremos a verdade por trás do falso argumento: as redes de tevê simplesmente não querem se indispor com a parcela conservadora de seu público e anunciantes – e não é porque a maioria "não está pronta". Desde ontem, o NÃO ao beijo gay tem ganhado terreno, embora o SIM ainda vença. Que tal dar a sua contribuição e convencer seus amigos?

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Bicha má


por João Marinho

Não vejo novela por falta de tempo e também porque "desisti" das novelas faz muitos anos. 

Belíssima, de Silvio de Abreu, em 2005, foi a última que acompanhei. Lá se vão oito anos, ainda mais desérticos porque, pelo menos nos últimos três, também desisti da tevê aberta.

Os canais a cabo me agradam bem mais, inclusive os nacionais, além de ter me rendido à internet para acompanhar séries e outras produções – mas confesso que Félix está me colocando para pensar. Ando considerando mudar meus horários para acompanhar Amor à Vida.

Efeminado na medida certa, mesmo quando desempenha o papel de "macho" junto a Edith (Bárbara Paz), o personagem está bárbaro na interpretação de Mateus Solano. Autores de novela, mesmo quando gays, muitas vezes, não retratam homossexuais com acurácia, na minha opinião – ainda que existam vários tipos de nós, inclusive os não efeminados.

Não é raro que, com receio da audiência e da "censura interna", os façam excessivamente assépticos, ou, como Aguinaldo Silva, exagerem na mão e criem tipos folclóricos que mais caberiam num episódio de Zorra Total, aquele humorístico de qualidade duvidosa e sem graça. 

O problema, nesse último caso, não é a efeminação, o elemento comédia e nem a "fechação", mas a falta de complexidade e o apelo a um humor do tipo "palhaço", em vez de inteligente. Afinal, mesmo as bees mais fervidas fazem mais do que "causar com plumas" para provocar risos em quem as conhece.

Com Félix, Walcyr Carrasco se iguala a alguns autores, como o próprio Silvio de Abreu, não obstante a oposição deste último a um reles beijo gay, mais sensíveis e mais certeiros na hora de retratar personagens homossexuais.

Até os mais enrustidos dentre nós são incapazes de não reconhecer em Félix algum amigo – e, no belíssimo trabalho de Solano, as qualidades não estão apenas nos chavões, no momento em ele dá pinta. Estão nos detalhes: o gestual, os olhares, o porte, a balançada na cabeça. Impagável a cena em que ele vai brigar com o personagem de Juliano Cazarré e, antes de desaguar toda a sua raiva, dá uma boa olhada de cima a baixo no corpo do rapaz.

Perfeito nas nuances, retratando o gay enrustido que, aqui e ali, deixa "extravasar" parte do que retém escondido – e tudo isso num vilão que, se continuar nessa pegada, tem tudo para entrar no "panteão do mal" com alguns dos personagens mais carismáticos da teledramaturgia brasileira.

Panteão do qual fazem parte Odete Roitman (Beatriz Segall), de Vale Tudo; Nazaré (Renata Sorrah), de Senhora do Destino; Flora (Patrícia Pillar), de A Favorita; a "cachorra" Laura (Cláudia Abreu), de Celebridade; e a recente Carminha (Adriana Esteves), de Avenida Brasil, dentre outros. Personagens tão carismáticos que mal lembramos quem eram as mocinhas ou mocinhos.

Faltam nomes masculinos nesse panteão, e é bem interessante que, entre eles, possa estar um gay, não é? Algo que venho dizendo há muito tempo: a iminência de um vilão gay à medida que aumenta a porcentagem de personagens homossexuais na teledramaturgia. Walcyr Carrasco, com Félix, se arrisca, mas parece ir bem. Até os telespectadores gays já o amam. É só não entornar o caldo.

Aliás, vale dar o crédito ao autor, que, quando escreveu Xica da Silva para a extinta Manchete sob o pseudônimo de Adamo Angel, produziu um Zé Maria – brilhantemente interpretado por Guilherme Piva – em pleno século 18 que, efeminado e cômico, era e ainda é muito superior à maioria dos tipos excessivos que saem da caneta de Aguinaldo Silva. Xica, inclusive, que foi a primeira telenovela a apresentar uma protagonista negra, a então adolescente Taís Araújo.

(PS: e eu não sou noveleiro rsrs)