Mostrando postagens com marcador transfobia. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador transfobia. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 17 de junho de 2020

TENHA O CORPO-HABEAS CORPUS: J. K. Rowling seria transfóbica?




TENHA O CORPO-HABEAS CORPUS
J. K. Rowling seria transfóbica?



Em épocas não tão distantes, mas que incompreensíveis ao homem contemporâneo, o corpo, esse pedaço de carne que individualiza os seres, não pertencia ao súdito, mas ao soberano, ao rei, que nesse mesmo corpo, alheio, individual e individualizado, poderia infringir como pena suplícios inúmeros sem quaisquer parâmetros, tão somente, a satisfação da vontade soberana que se igualava à satisfação da vontade divina, a demonstração do poder.

Ora, o suplício servia ao espetáculo, se não houvesse a espetacularização da dor, em vão era o castigo, em vão seria dizer ao súdito que o seu corpo pertencia ao soberano rei e o seu crime atentava contra o próprio monarca. Era preciso tornar visível tal conceito, aos olhos de todos na corte, no reino.

A expressão, comumente usada, hoje, habeas corpus vem dessa época, em que extraída de uma antiga fórmula processual inglesa, utilizada pelo magistrado, ordenava ao carcereiro que se lhe apresentasse o preso. É uma expressão que serve para devolver ao indivíduo o seu corpo, no caso sua liberdade. Não nos damos conta do corpo, porque é uma coisa tão nossa!

O corpo é a nossa expressão máxima de individualização e de limitação, bem ou mal, não sobrevivemos sem ele, bem ou mal, pertencemos a um corpo. No corpo temos nossa história, no corpo temos nossas mazelas, no corpo temos nossas cicatrizes e tudo isso se limita a um corpo!

J. K. Rowling seria transfóbica? Ou apenas se referia a sua experiência de corpo? Há muito, a comunidade LGBT, em prol das letrinhas do alfabeto sem fim, aboliu, ou pelo menos tenta, o termo homofobia para um neologismo de maior visibilidade: gayfobia, bifobia, transfobia, etc. J. K. Rowling milita para que o termo mulher não seja abolido e nisso não há problema algum. Isso não faz ser a escritora homofóbica ou contra a comunidade transsexual.

Todos nós temos a experiência de corpo, porque temos um corpo que nos individualiza, o homem transsexual nasceu mulher, teve parte de sua história como mulher e mesmo que não tenha se ajustado em sua história com seu corpo, vindo a transicionar, o passado não pode ser eliminado de sua história, enquanto indivíduo que chega até essa fase. Isso pertence a ele, é a história dele, faz parte dele, enquanto indivíduo transsexual. Rowling chega a ensaiar tal pensamento quando diz: "Se sexo não é real, não existe atração entre pessoas do mesmo sexo. Se sexo não é real, a realidade vivida por mulheres ao redor do mundo é apagada. Conheço e amo pessoas trans, mas apagar o conceito de sexo remove a habilidade de muitos discutirem suas vidas de forma significativa. Não é ódio dizer a verdade".

O autor do artigo: PESSOAS QUE MENSTRUAM foi preconceituoso ao contrário de inclusivo, ao excluir os termos de visibilidade “mulheres e homens trans” do ensaio. A comunidade LGBT não pode se assentar em torpeza alheia para justificar a sua própria, é da comunidade LGBT a militância para que essas letrinhas não tenham limites na história do alfabeto em prol da “inclusão e visibilidade”, assim o termo LGBT perde-se em letras várias: LGBTQ+Y- XZWK… agora essa mesma comunidade vem atacar uma pessoa que pede que o termo mulher não seja suprimido de um artigo, em que parte está a coerência dos LGBTs na crítica a essa mulher?

Ouçam o que a pessoa diz: "Respeito o direito de todas as pessoas trans de viverem da maneira que lhes pareça autêntica e mais confortável. Protestaria com vocês se vocês fossem discriminados por serem trans. Ao mesmo tempo, minha vida foi moldada pelo fato de eu ser mulher. Não acredito que seja odioso dizer isso".

Antes de chegar a conclusão de que Rowling está advogando que a identidade de gênero de uma pessoa é exclusivamente definida pelo sexo biológico, tem que se ler, obrigatoriamente, o que ela está dizendo, e o que ela diz é: NÃO EXCLUAM O TERMO MULHER DA HISTÓRIA. Não é ódio dizer isso, mas apenas assumir que ao se ter um copro se tem uma história com esse corpo! Essa história não pode ser suprimida, apagada, esquecida, ou como se nunca tenha existido só por que A ou B transicionaram e ganharam uma nova carteira de identidade, um novo registro, a história pregressa não é sucumbida pela nova fase, mas faz parte dela, faz parte do indivíduo que a vivenciou e não há nada de mal nisso, não faz com que a pessoa seja mais verdadeira do que a outra em sua existência.

Tenha o corpo- habeas corpus- mas antes de tudo: TENHA A SUA HISTÓRIA!

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Juntos, somos mais fortes


... E, então, eu ajudei uma trans

por João Marinho

 Aconteceu há alguns dias. Dezoito, para ser mais exato.

Eu estava postando um de meus artigos na comunidade LGBT Brasil, no Facebook, quando li um pedido de socorro. J., uma mulher bi do litoral paulista, procurou a comunidade para ajudar C., uma trans que sofria agressão severa por parte de sua "família" no interior de São Paulo. O motivo? Unicamente, ser trans. Coloco, inclusive, família entre aspas porque não acredito que a expressão se coadune com quem tem o mesmo sangue e faz esse tipo de coisa.

A situação era tão séria que C., segundo J., corria até mesmo risco de morte. Muitos se mobilizaram na comunidade, a maior parte com informações indicando o que C. podia fazer do ponto de vista legal, a começar com o registro de Boletim de Ocorrência.

No entanto, sabemos que as coisas não são tão simples assim. Evidentemente, buscar o poder público é importante e necessário, mas, quando a vítima se encontra em situação de vulnerabilidade, dependente e morando na mesma casa que o agressor, a situação se complica. Entendo eu, particularmente, que, antes de tudo, é preciso tirá-la daquela situação para que possa, então, exercer seus direitos e buscar a Justiça, se o desejar.

Foi o que fiz. Entrei em contato particular com J., que me passou todas as informações, e ajudei com uma determinada quantia em dinheiro, via transferência bancária, para pagar as passagens de C. do interior paulista para o litoral. Na ocasião, C. estava passando os dias na biblioteca e voltava para casa apenas à noite, a fim de evitar situações em que pudesse ser agredida.

Deu tudo certo. Hoje, recebi uma foto de J. mostrando ela, C. e um amigo bem, no litoral. Ela conseguiu acessar a transferência, pagar as duas passagens de que precisava – uma para Sorocaba e, de lá, outra para o litoral – e sair de sua cidade. Agora, Jully a está ajudando em sua nova casa, que já tinha conseguido para ela, e também deverá dar apoio na (re-)inserção profissional.

Não sei dizer se outras pessoas ajudaram, além de J. e de mim. Penso que sim e quero acreditar que sim (quem sabe mesmo a pessoa que forneceu o local onde C. agora mora?) – mas, de minha parte, fico feliz por ter contribuído e, quem sabe, mesmo ter ajudado a salvar a vida de uma trans.


Claro que foi uma coisa de alto risco. Deu certo porque J. é uma pessoa de bem, idônea... Mas uma situação muito similar poderia ser um golpe. No entanto, valeu a pena – uma demonstração de que juntos, nós, LGBTs, somos mais fortes.

Publico a história porque agora finalmente se inaugura um novo capítulo na vida de C. e também para estimular todos nós a que pensemos que somos uma tribo e devemos nos ajudar contra a homofobia. 


Mais importante: para deixar uma sugestão. Não seria demais se houvesse como instituir um fundo de caridade para ajudar lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade físico-psicológica, vítimas de violência? Poderia ser uma tremenda ferramenta para o movimento LGBT fazer – ainda mais – a diferença.

PS: preservo os nomes e as localidades por questões óbvias de segurança.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Feliciano, Ronaldo, Mara e as críticas sem cérebro



HOMOFOBIA, TRANSFOBIA, MACHISMO E MISOGINIA: POR QUE INTERNALIZAMOS (E EXTERNALIZAMOS) TUDO ISSO?

por João Marinho

Tenho me mantido quieto até agora sobre certos protestos que acompanhei no Facebook envolvendo Marco Feliciano, Ronaldo “Fenômeno” e Mara “Maravilha”, mas penso que certas reflexões são, no momento, pertinentes.

Em primeiro lugar, devo dizer que sou plenamente a favor de manifestações críticas a esses personagens.

Marco Feliciano é um pulha, incapaz de tecer qualquer comentário relevante sobre o momento histórico que vive o Brasil, incapaz de apresentar qualquer projeto relevante – mas é o primeiro da fila quando se trata de “fiscalizar” os ânus alheios.

Ronaldo “Fenômeno” foi muito infeliz ao dizer, no momento em que a população – correta ou inadequadamente – pedia por melhoria nos serviços públicos, que Copa não se faz com hospital. Irmanou-se a Pelé, que quis tornar a seleção mais importante que a coisa pública. Seleção é legal de assistir, mas não resolve saúde, educação, transporte. Nem vida.

Mara “Maravilha”, tanto pior. Ao defender Feliciano e chamar gays de “aberração”, une-se ao que de mais retrógrado, fundamentalista e moralmente condenável existe na política, na sociedade e na religião brasileiras.

Merecem todos serem criticados... Mas o problema está NA FORMA como parte dessas críticas têm surgido.

Para Feliciano, tem sido comum dizer que ele é “gay enrustido”, “bicha crente”, “passiva não assumida”, que “precisa de um pau” e outras coisas desse naipe.

Para Ronaldo “Fenômeno”, vi fotos “respondendo” a ele que, se Copa não se faz com hospital, orgia não se faz com travestis.

Mara “Maravilha” tem sido crucificada por ter posado nua e acusada de “hipócrita”, “sirigaita”, “velha” e “decadente”. Aqui, subentende-se que gays não são “aberração”, mas ela, que teve a pachorra de posar nua!

Ora, o que essas críticas dizem a respeito de nós mesmos, externadas, inclusive, por LGBTs e por mulheres?

A meu ver, nada de bom.

Não sei de onde vem a ideia de que homofóbicos são “gays enrustidos”.

Antes que me digam que existem estudos apontando para isso, devo dizer que eu conheço esses estudos e sei, também, ao contrário da maioria, que eles se remetem a certos tipos de homofobia e a certas categorias populacionais. Seus próprios autores alertam que não podem ser generalizados para outros grupos ou populações em termos amplos.

É de se pensar que, de fato, muitos homofóbicos, especialmente os mais agressivos, são, na verdade, pessoas com profundos problemas sexuais e que, tal como a pessoa maníaca por limpeza, tentam “reprimir” desejos do que consideram “sujeira” apelando para o extremo oposto.

No entanto, a homofobia não possui apenas essa face, mais agressiva.

No Ocidente e no Oriente Médio, ela é fortemente calcada em uma cultura judaico-cristã e islâmica, que, inclusive, espalhou-se para outros povos.

A extrema dicotomia artificialmente construída para homens e mulheres – muito superior a qualquer fundamentação biológica possível de analisar – resvala na tese de que o gay, a lésbica, o/a bi é um/a “desviado/a”, que não contempla seu papel dado pela “natureza”. Pior ainda para travestis e transexuais. Argumentos errôneos, sabendo-se hoje que, mesmo em outras espécies, existe comportamento homoerótico e transexual.

Culturalmente, porém, isso ainda contém um forte apelo popular – e resultam daí as milhares de faces da homofobia e de suas derivadas. Da mãe e do pai que se perguntam “onde foi que erraram” ao fato de “viado” (ou “veado”) ser um xingamento comum, no que é possível perceber a herança, difusa e obscena, de considerar o “homem que dá a bunda” como inferior ao “macho”.

O que me constrange nas tirinhas contra Feliciano, publicadas INCLUSIVE POR GAYS, é as pessoas não perceberem toda essa herança verdadeiramente maldita e reforçarem-na.

Sim, porque, não importa quanta raiva justificada você tenha de Feliciano, ao dizer que ele é “gay enrustido”, “bicha crente”, “passiva não assumida”, que “precisa de um pau”, você está, sim, fazendo o mesmíssimo uso homofóbico de considerar a homossexualidade de alguém, real ou suposta, como índice de inferioridade. Como vai exigir respeito depois quando, frente a um preconceituoso, for você o alvo de idêntica estratégia?

É homofobia internalizada, pura e simplesmente.

O que você pensaria, por exemplo, se visse um negro criticando outro partindo justamente da cor da pele daquele outro, porque “se não fez na entrada, faz na saída”? Ou um judeu criticando outro partindo justamente do fato de o segundo ter, vejam só, mãe judia, porque judeus, “óbvio”, são “mãos de vaca e interesseiros”?!

Ridículo, não é?

Então, por que raios criticar Feliciano partindo de uma homossexualidade “suspeita” porque, “claro”, só “bichas malresolvidas” perseguem “as demais”?

Não sei vocês, mas eu não nasci “fora do armário” – e não me recordo, da época em que me escondia entre mofos e gavetas, de, por isso, ter me tornado um Feliciano da vida...

Ora, se Feliciano é homofóbico – e ele o é –, é isso que deve ser criticado, e não sua suposta sexualidade. Mesmo porque, na sociedade homofóbica e heteronormativa em que vivemos, não é preciso ser “enrustido” para ter preconceito. Basta seguir a maré.

O caso de Ronaldo “Fenômeno” já flerta com a transfobia. Não dá para acreditar na história de que ele “se confundiu” com travestis e mulheres. Quem vive em grandes cidades, como São Paulo e Rio, metrópoles que conheço bem – e foi no Rio onde se desenvolveu o imbróglio –, sabe perfeitamente que garotas, garotos e travestis de programa, até por necessidade de público-alvo, não dividem o mesmo espaço urbano. Existe uma divisão geográfica, ainda que informal.

No entanto, se Ronaldo se deixa levar por uma transfobia cultural e prefere passar pelo “carão” de “confuso” em vez de assumir que realmente tinha interesse nas travestis, é esse aspecto transfóbico que deve ser criticado.

O que não pode é explorar uma mensagem que coloca as travestis, já tão marginalizadas, como um anátema, portadoras de algum aspecto “nojento”, que as impediria de serem candidatas a momentos de prazer com outrem, ainda que num bacanal.

As críticas direcionadas a Mara “Maravilha” já flertam com o machismo e a misoginia. Sim, Mara foi infeliz até a medula em sua declaração e merece toda a nossa revolta por isso.

No entanto, que fique claro. O que deve ser criticado em Mara é sua homofobia e seu fundamentalismo religioso da pior espécie. Não é o fato de ter posado nua, de ser “sirigaita”, de ter “dado mais que chuchu na serra”, de estar “velha”.

Mara ou não, o corpo da mulher é da mulher – e o uso que ela faz dele é de foro personalíssimo. Até quando flertaremos com a ideia de que o número de parceiros sexuais ou a exposição do corpo e da nudez determinam o grau de empatia, moralidade, respeitabilidade de alguém?

Há mulheres prostitutas, e muito felizes, como na censurada campanha do Ministério da Saúde, que dão um banho em termos de respeito ao próximo frente à beata virgem mais intransigente. Ademais, idade, que eu saiba, não é defeito.

Ao criticar Mara por ter posado nua, flerta-se com a pior espécie de machismo. Aquele que quer ter controle sobre o corpo da mulher – e que, na impossibilidade de tê-lo, faz do corpo da mulher e do uso soberano que a mesma lhe dá razão para agredi-la socialmente.

Então, você gay, você lésbica, você mulher, você travesti, trans, bissexual... E você hétero consciente... PAREM! Parem de fazer uso dessa cultura triste e brasileira e saibam criticar sem utilizar os mesmos argumentos do que aqueles imbecis que, vira e mexe, atacam você.