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segunda-feira, 29 de maio de 2017

Adão e Ivo, uma variante possível!




O desejo travesti de Adão

por: Renato Hoffmann

Certa vez, eu conversava com um professor de Letras, da UFMG, momento em que me surpreendi com o olhar sobre o personagem Frankenstein, da escritora romântica, inglesa, Mary Shelley. Na ocasião, o professor   relacionou-o como o primeiro travesti da história da literatura. A analogia usada, em tom de poesia, foi muito curiosa, significativa, além de bela e provocativa. De forma contemporânea, claro, sem se dar ao método de uma exposição acadêmica, contudo de uma riqueza inenarrável.

Vez ou outra, escutamos por aí que: “Deus criou Adão e Eva e não Adão e Ivo”, assim sendo, os favoráveis a esse argumento concluem:  “esse mesmo Deus não é a favor da homossexualidade, pois, se fosse, ele teria criado o homem para o homem, a mulher para a mulher e não a mulher para o homem”.
                     
Ora, sabemos que a Bíblia não fala literalmente em um Adão, não o estabelece como um único homem criado. A expressão hebraica para Adão, no sentido amplo, é Adamah: terra, solo, chão fértil e significa, na essência, HUMANIDADE, aquilo que pode ser cultivado, modelado. Há quem diga de solo vermelho. O termo é diferente de eres, que significa terra em oposição ao céu, ao mar, terra matéria, substância, há vários outros sentidos como o político: delimitação de domínio de um clã, de uma tribo, o geográfico: fronteiras, terras delimitadas, regiões.


A narrativa da revelação nos diz que Deus criou o ser humano (´adam) com o solo vermelho, fértil, cultivável (´adamah). Nesse momento não há distinção de gênero; Deus cria a humanidade, ou o ADAMAH.

Filosoficamente o Ser é só, é próprio que o homem viva a solidão, contudo,  ele só se dá conta de sua condição, quando ao seu semelhante percebe e não consegue transpor-se nele, no outro. Assim, o Ser é o que é, e o outro continuará sendo o que é, um sem se transpor no outro, cada um sendo indivíduo de si mesmo. Jean- Paul Sartre dirá nessa perspectiva que o outro é o inferno (o inferno é o outro).

A narrativa bíblica diz que Deus viu que o homem estava só e resolveu criar para ele uma companheira, assim Adão caiu em um profundo sono. Ora, se em um primeiro momento a narrativa fala de uma humanidade, bem certo que os gêneros nela já estejam definidos (mas não distintos), o escritor eloísta, em sua teodiceia, resolve explicar esse sentimento VAZIO do Ser, dando a ele uma companheira. Essa companheira nada mais seria do que o sonho de Adão. Adão sonha consigo mesmo (o sujeito sempre fala de si), Eva, nada mais é do que o desejo de Ser do próprio Adão. Eva é o Adão travestido nas escrituras, é tudo aquilo que o ADÃO não tem coragem de ser, assumindo-se em si mesmo... Eva é a mulher do fruto proibido, da desobediência: é o Adão se libertando do jugo de ser macho e se vendo feminino, percebendo-se delicado, passivo, histérico. Na narrativa ele dorme, enquanto é moldado em si mesmo, enquanto perde a vara, para receber o varão. E nisso Adão se compraz!

Adão e Eva, Ivo e Eva, Adão e Ivo nada mais é, nas escrituras, do que o desejo travesti de Adão.

domingo, 13 de julho de 2014

O QUE ACONTECEU COM OS PASSIVOS?



Esta é uma crônica. 
Por JOÃO MARINHO

Então, se soar injusta ou generalista, me perdoem, pois não tem o objetivo de ser um texto de verdade científica. São impressões pessoais, e elas, muitas vezes, são injustas... Mas preciso perguntar: o que aconteceu com os passivos? Ou, pelo menos, com boa parte deles que venho conhecendo?

Anos atrás, solteiro, lembro quando fui a um desses estabelecimentos de sexo fácil: paga-se a entrada e espera-se encontrar alguém lá dentro para as tais brincadeiras lúdicas, sem compromisso e com o conforto de todos os equipamentos em volta.

Achei interessante o comportamento de praticamente todos os passivos – ou versáteis que estavam abertos à passividade: de toalha, como todos estávamos, passavam, sem cerimônia, a mão sobre a “zona sul frontal” de qualquer incauto. Não notando sinal de excitação, imediatamente o descartavam.

Interessante... E deselegante.

Na época em que comecei, não me recordo de ser uma prática tão comum. Entendíamos – ou EU entendia? – que a excitação vinha da própria brincadeira, ao longo dela... E não antes, sem a qual ninguém brincava de nada.

Penso que eu talvez seja da época em que ser passivo tinha sua magia, mesmo que essa época seja mais mítica que real. Então, talvez eu só goste de pensar assim.

De qualquer forma, acredito que havia um quê de “cortesã”, no sentido do termo que se aplicava às acompanhantes e amantes de luxo nas antigas cortes.

Às vezes, tenho a impressão de que, conforme aumentou o interesse na passividade, perderam qualidade os adeptos.

Hoje, vejo muitos passivos, e muitos tão jovens, que ficaram muito chatos, muito carentes ou muito deselegantes.

Na época em que comecei, ou talvez seja por causa do lugar em que comecei, parecia haver até o senso de uma “irmandade passiva”. Éramos, sim, caçadoras e concorrentes entre nós – mas com regras na disputa.

Por exemplo: nunca, nunca, nunca tirávamos a carne da boca de outra, entendam isso no sentido denotativo ou figurado.

Se alguém de nós via “a caça” primeiro e a pegava, nada fazíamos com esta sem autorização daquele. Às vezes, até perdíamos o “bofe” para manter “a amiga” – ou, ao menos, tínhamos a finesse de aproveitá-lo fora da vista dela e manter a discrição para não machucá-la gratuitamente.

Hoje, não.

As “bees” que veem você com um, mesmo que seja o menos bonito do pedaço, não só querem gongar você e roubar o outro pra si – como ainda empatam seu sexo. De propósito. E com cara de desafiante: “que que você vai fazer, mona?!”

Outro exemplo, só para ter mais um, mas há outros... Muitas vezes, também não sabem manter a discrição sobre seus amantes, e sabemos que há tantos homens que, por qualquer que seja o motivo, se veem obrigados a viver as relações entre iguais na clandestinidade.

Não sei se cabe a nós julgar, mas, para o sexo, isso não deveria importar, porém. Não estou falando de namoros ou relacionamentos estáveis, de casamento – mas das toalhas.

Então, muitos passivos viraram carentes, invasivos, ameaçadores – e esses homens clandestinos ficam atemorizados.

Aí, o que fazem?

Viram "g0ys".

Preferem confiar no "parça de futebol", que, enfim, também tem algo a esconder – que no passivo mais assumido que, um belo dia, pode ficar histérico e mandar um e-mail para a mulher ou namorada dele contando tudo. Com fotos e mensagens gravadas, é claro. Ou um Whatsapp, que é mais moderno.

... E depois muitos reclamam que faltam ativos "no mercado". Não sei se faltam... Ou se eles estão se escondendo  .

sábado, 12 de julho de 2014

HIV PARA TODOS OS HSHs?



Por JOÃO MARINHO

Olha, eu ainda não tenho opinião formada, mas acho que, em muitos comentários, se sobressai mais uma preocupação gay em ser associado ao HIV... Do que uma preocupação objetiva com o crescimento da infecção entre nossos irmãos homossexuais.
Vejam, os gays estão entre os grupos mais vulneráveis ao HIV. Quando se fala em números absolutos, em muitos lugares, há mais casos na população heterossexual. Só que a população exclusivamente heterossexual representa 90% do conjunto-universo. A população que mantém relações com o mesmo sexo varia de 4 a 10%.
Ora, se vc tem uma sala em que, de 100 homens, 20 estão infectados... 15 deles são héteros, 5 são homens que fazem sexo com homens. Ok, então, do conjunto-universo global, héteros respondem por 15% das infecções; não héteros por 5%.
Só que tem um problema... É que, dos 100 homens da sala, 90% (n = 90) são héteros. E não héteros são 10%. Ora, quando se divide a população por grupo, temos, então, que os héteros registram uma prevalência de infecção de 16,67% (15 pessoas de 90). E os gays... Ora, de 10, 5 têm a infecção. Portanto, nesse grupo, a prevalência é de 50%.
Pergunta: qual é o grupo em que o HIV é mais preocupante? O que tem 16,67% ou o que registra 50%?
Por favor, isso é estatística básica...
Os números acima, hipotéticos, foram um exemplo grosso modo, mas a concentração epidêmica em grupos vulneráveis, dos quais os homens que fazem sexo com homens são parte, é fato em todo o mundo ocidental, e mesmo em países que registraram um descréscimo na taxa, essa tem voltado a recrudescer.
O que se faz nesse contexto? Deixar de abordar alguma forma de reforçar a prevenção nesse grupo por medo da associação "gays x aids"... Ou propor alguma forma de reforçar essa prevenção, a fim de salvar mais vidas e diminuir essas taxas tão preocupantes?
A OMS não disse que os heterossexuais "não devam se proteger". Disse que os homens que fazem sexo com homens devem considerar fortemente o uso dos ARVs como prevenção adicional, porque é um grupo mais afetado. Só.
E quem, como eu, é gay, tem até a obrigação de se preocupar mais com essa realidade do que com a mensagem que efetivamente os heterossexuais receberão - que, de qualquer forma, não foi a mensagem que a OMS passou.
Consideremos algum outro caso que não seja o de de HIV. Pensemos na obesidade. Os EUA vivem hoje uma epidemia de obesidade. O Brasil, embora tenha visto um recrudescimento desses números, ainda não. Quem deve considerar uma atitude mais drástica para combater os males de saúde atrelados à síndrome metabólica? Os americanos ou os brasileiros?
Isso, de forma alguma, significa que os brasileiros devam se abster dos cuidados. Significa apenas que, nos EUA, a situação chegou a um patamar que recomenda estratégias mais drásticas que ainda não são necessárias no Brasil.
E isso é verdadeiro para os GBTs (gays, bissexuais, travestis, transexuais - e incluo os homens que fazem sexo com homens) e héteros exclusivos em relação ao HIV.
O grupo dos homens que fazem sexo com homens é o que mais sofre com as taxas concentradas de HIV. A quem devem ser consideradas estratégias mais drásticas? A eles... Ou aos héteros exclusivos, que ainda não chegaram a esse patamar?
Me parece que a resposta é evidente, além de, em uma série de países, o próprio fato de ser homossexual ou transar com o mesmo sexo (identificando-se a pessoa como gay ou não) significar um acesso deficitário aos sistemas de saúde para tratamento e identificação do HIV, o que contribui para a concentração epidêmica em nível mundial. É curioso, pois não é a homossexualidade a principal causa da concentração. Em larga medida, é a homofobia.
A prova está aí, nas lésbicas, que são também HOMOSSEXUAIS e registram a menor taxa entre todos os grupos. Menor que a dos homens héteros e das mulheres héteros. E a OMS por isso recomendou algo para elas? Não.
Então, não é melhor que essas pessoas, homens que fazem sexo com homens, adotem uma prevenção adicional e discreta do que se exporem e poderem ser mandadas à prisão, ou, ainda, evitarem de ir ao médico, jamais descobrirem a infecção e ajudarem a transmiti-la?
De resto, é sempre preciso considerar entre aspas o que a mídia brasileira divulga. Na área da saúde, o conceito dominante é de HSH - homens que fazem sexo com homens, ou, no inglês, MSM. Geralmente, a não ser em contextos bem específicos, a OMS não usa "gays", mas a mídia adora a palavra.
Homens que fazem Sexo com Homens é um conceito muito mais ampliado que o de homens homossexuais.
Inclui, evidentemente, os homossexuais - mas também as mulheres transexuais, as travestis (ambas, biologicamente homens), os bissexuais, os héteros que experimentam, as crossdressers, os recém-declarados "g0ys" e qualquer pessoa do sexo masculino, biologicamente falando, que, em algum momento, envolva-se em um intercurso sexual com outra pessoa biologicamente do sexo masculino, a despeito de sua orientação sexual, identidade de gênero ou qualquer outro tipo de identificação. Isso é particularmente agudo na juventude, hoje que registra o maior crescimento, em que a experimentação não é rara e, às vezes, a definição de uma identidade pessoal demora certo tempo.
A princípio, é justamente isso que me preocupa mais, porque o número de relações sexuais que acontece entre homens biológicos é infinitamente superior ao número de relações sexuais que acontecem "entre homossexuais", assumidos para o público ou que adotem essa identidade para si, ainda que na clandestinidade.
Assim, fica a pergunta se haverá medicação para todo mundo, ou se não faltará para quem realmente precisa: quem realmente é já soropositivo, em um contexto em que se busca a oferta universal de tratamento.
Outra questão é a qualidade da medicação que será oferecida. Os ARVs causam efeitos colaterais bastante conhecidos, da lipodistrofia a alterações metabólicas. Será que valeria a pena expor todo um grupo de soronegativos a esses efeitos em nome da diminuição das taxas de transmissão? E qual remédio seria oferecido, se existem diferentes gerações, alguns que causam mais efeitos colaterais que outros, por exemplo, a estavudina - até já banida do Brasil - versus o tenofovir?
Talvez não seja interessante, porque, se, de um lado, pode-se diminuir a infecção pelo HIV, por outro, pode-se aumentar o problema de síndrome metabólica - aí, medicamente induzida - e "cobrir um santo e descobrir o outro", piorando um outro caso epidemiológico. Não mencionei a síndrome metabólica à toa, afinal.
Finalmente, existe a possibilidade de aumento de resistência do HIV aos ARVs atrelada à oferta universal, um dado que saiu em um estudo americano com modelos matemáticos. E os próprios custos de disponibilizar remédios caríssimos para tanta gente... E ninguém é Pollyana. Os Estados têm de saber quanto vão gastar.
Então, existe toda uma série de questões a considerar – mas penso que o receio de vincular o HIV a gays por uma questão ideológica, de "grupo de risco", ou "o que as pessoas vão entender" devam ser as menores delas.
Mesmo porque HOJE ainda não existe essa recomendação da OMS aplicada no Brasil, por exemplo.
Ainda assim, os números recrudesceram. Então, as pessoas precisam MESMO de "estímulo" para o sexo inseguro? Ué, se esse estímulo não existe hoje, como se explica o crescimento, então? Soa estranho evitar o crescimento porque "as pessoas vão pensar que podem fazer sexo inseguro" por causa dessa mensagem, se, sem essa mensagem, já estão fazendo de qualquer forma – e nisso, LGBTs e héteros se irmanam, haja vista o crescimento de outras DSTs entre os héteros (como o HPV = vacina recomendada para as meninas) e o problema da gravidez na adolescência.
De resto, um tempo atrás, após a divulgação de um resultado africano, a OMS recomendou a circuncisão PARA HOMENS HETEROSSEXUAIS em países com alta prevalência de HIV na população adulta e feminização da epidemia em curso. Leia-se: África subssaariana.
Também uma estratégia específica para conter a disseminação específica em um grupo vulnerável, não causou qualquer comoção.
Não foi?

sexta-feira, 18 de abril de 2014

DAR A BUNDA...


Se você der a bunda... Já era!
Por JOÃO MARINHO

DAR A BUNDA

Uma coisa que nunca nenhum evangélico conseguiu me explicar é por que a bunda é tão importante para Deus, segundo eles.

Sim, porque me convenci, depois de todos esses anos, alguns dos quais eu fui evangélico, que o único motivo de uma pessoa entrar ou não no céu... É a bunda.

Você pode ter sido um criminoso. Pode ter matado, pode agredir, pode trair, pode ser até um ladrão (Jesus perdoou um na cruz, não foi?). Pode até estuprar. E, sim, você pode voltar a fazer isso de vez em quando, mas curiosamente nada disso garante seu lugar no inferno, porque para tudo há perdão. Exceto se você der a bunda. 

Se você der a bunda... Já era!

Do lado oposto, não adianta ser um bom filho. Um bom pai, um bom cidadão, uma pessoa que não fica enganando as outras, alguém que paga seus impostos, um bom amigo. Você pode ser a encarnação da face boa de Madre Teresa. Exceto se você der a bunda.

Se você der a bunda... Já era!

Dar a bunda é tão importante que mesmo quem não merecia entrar no céu vai entrar só porque não fez isso. Sabe aquele seu "amigo" machista, porco chauvinista, que acha que mulher é saco de esperma e deve ser submissa ao homem? Ele vai pro céu, porque ser misógino e machista não é problema algum pra Deus. Dar a bunda, é. E você deu, ele não. E...

Se você der a bunda... Já era!

E o que dirá do racista mais inveterado? Ou daquele que terminou um casamento que devia ser indissolúvel? A amiga fofoqueira? Aquela que pede que "Deus tenha misericórdia" quando quer que ele ele f*da a sua vida, do fundo do coração? Problema algum. Para tudo isso, há segunda chance... E nenhum deles deu a bunda. Porque...

Se você der a bunda... Já era!

Dar a bunda é tão definitivo que não adianta NEM se converter. Os evangélicos dizem que o que determina a ida de alguém para o céu é "aceitar Cristo como seu único e suficiente salvador". Bobagem. Porque, se você aceitar - e continuar dando a bunda -, você não vai pro céu, porque, segundo eles, a Bíblia diz que quem dá a bunda não entra. Você pode ser um cristão contumaz, um fã de Jesus, pode acreditar que ele salvou você do inferno. Mas...

Se você der a bunda... Já era!

... E vai pra lá do mesmo jeito.

Desconfio até que aquela parte que diz que a blasfêmia contra o Espírito Santo é o único pecado sem perdão não está correta. Sabe por quê? Leia as infindáveis "listinhas" de pessoas que vão ficar de fora do céu. O item "blasfemadores do Espírito Santo" nunca aparece... No entanto, ...

Se você der a bunda... Já era!

Eu particularmente não acredito que Deus esteja tão preocupado assim com minha bunda. Nem sei o que ela tem de tão especial, a ponto de, só por ser penetrada sem ser pelo dedo do urologista, me levar para a danação eterna. 

Eterna, entendeu? Não é que você vai ficar um tempinho no inferno até se curar das fissuras anais. É pra sempre. Uma condenação sem fim, por toda a eternidade... Porque você deu um buraquinho negro e apertado para alguém (alguns nem tão apertados).

Mas, se eles, os evangélicos, estiverem certos, então, já que estamos todos condenados, continuemos a dar nossas bundas. 

Se não adianta não matar, não roubar, ser verdadeiro, ser bom amigo, ser bom filho, ser bom cidadão, ser bom pai e nem se converter, já que a bunda determina TODO o universo, dê sua bunda em paz pelo tempo que ainda puder - e, quando estiver cara a cara com o Altíssimo no dia do julgamento, pergunte: por que a bunda é tão sagrada? Se, quando eu não fazia chuca, saía tanta sujeira?

:P


terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Gays de direita

Gays de direita


por João Marinho

Está aí um assunto polêmico que merece importantes considerações. Muitos LGBTs acreditam, erroneamente, que seja "impossível" ou "paradoxal" existirem LGBTs direitistas.

Não é.

Tal como acontece na esquerda, existem diferentes extratos da direita no espectro político. Alguns são realmente fundamentalistas, misturam religião com Estado laico e falso moralismo, em um conservadorismo chocante e hipócrita. Aí, sim, há um paradoxo – só que nem todos são assim. Até porque, também existem esses tipos de personagens, mudando uma coisa ou outra, que, no entanto, denominam-se "esquerdistas com orgulho".

Na verdade, é preciso entender que existem LGBTs em todos os segmentos e cores políticas. Embora eu seja utopicamente anarquista e, na prática política, esquerdista social-democrata – não compactuo com a esquerda mais comunista e aguerrida: nunca acreditei no "Estado operário" nem na "ditadura do proletariado" –, não me incomoda haver gays que são direitistas, no sentido político da palavra "direita", ou seja, que defendam o livre mercado, o Estado mínimo, a regulamentação individual e a lei de oferta e procura. 

Não acho que ser LGBT signifique necessariamente, ou tenha de significar, ser esquerdista. Até porque, sejamos sinceros, num passado não muito distante, a esquerda foi tão ou mais homofóbica quanto segmentos de direita, a ponto de chamar a homossexualidade de "vício burguês". Não podemos deixar de observar, também, que os ex-países socialistas estão hoje entre os mais legalmente homofóbicos do mundo. Foram os países capitalistas que começaram uma mudança, notadamente os nórdicos social-democratas.

Mesmo hoje, há esquerdistas que veem na luta contra a LGBTfobia uma "luta menor", sendo a maior a luta de classes. João Silvério Trevisan já escreveu exaustivamente sobre isso em seus artigos, contando como a esquerda cooptou o movimento LGBT. Portanto, ser dono do capital ou ser trabalhador não deve ser parâmetro para respeitar ou não uma pessoa.

Há donos de capital que são mais simpatizantes que trabalhadores assalariados homofóbicos. É natural que nos unamos na luta contra a homofobia e outras "fobias", mas, na hora de discutir sobre o papel do Estado e da economia, discordemos, se eu tomar como parte as minhas ideologias políticas.

O ponto principal é que o direitista (e/ou o esquerdista) não seja um retrógrado moral e homofóbico, por ser esta uma condição que nos retira a cidadania – e há os que não são – e que seja terminantemente democrático, porque não é possível hoje defender nenhum tipo de ditadura. Nem as de esquerda. Resolvido esse ponto, a direita, no espectro político, é um interlocutor tão ou mais respeitável que a esquerda.

Ademais, é bastante positivo que existam, inclusive, LGBTs direitistas. É natural da democracia a alternância de poderes. Havendo LGBTs com tendência à direita e seus simpatizantes, não corremos ou corremos menos o risco de ter nossos direitos cassados pelas alas fundamentalistas, quando a esquerda sair do poder... E ela irá sair, como é próprio da democracia.



quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Ainda falando sobre promiscuidade


Ainda pensando sobre o comportamento sexual, algumas pessoas tendem a confundir a promiscuidade com a prostituição, obviamente, tendo, a partir de uma leitura cristã, os valores elencados.

Essa seria uma discussão exaustiva, caso se fosse aprofundar no mérito, entretanto, pode-se compreender o conceito prostituição dentro da cultura cristã e, para a surpresa de muitos, é mutável , tal conceito, dentro da própria Bíblia. Assim, muitas vezes a prostituição é somente feminina, no caso da mulher pega em flagrante adultério, somente a mulher é levada em julgamento; outras vezes, ela é somente uma questão ritualística, alguém está adorando outros deuses e não Yahweh; outras vezes, adquire um sinônimo abrangente, sendo todo aquele que vive uma vida sem regras, desregrada, entretanto, no caso do Filho Pródigo, que vivia essa vida dissoluta, ele não é acusado de prostituição; ainda há a prostituição cultual, envolvendo homens e mulheres, o sexo ganha a esfera sagrada e, por ser prática dos cananeus que rivalizavam com Israel,  assume o peso da abominação.  

Há ainda o comportamento bíblico, perfeitamente aceitável na cultura hebraica, mas que hoje seria,  para os ocidentais cristãos, atos de prostituição, por exemplo:  Abraão teve mais de uma mulher;  Salomão um harém;  no Novo Testamento há a recomendação apostólica que o bispo seja esposo de apenas uma mulher, tal recomendação revela a prática da poligamia entre os próprios cristãos como algo natural.

Como a questão é cultural, a promiscuidade, muitas vezes levantada contra os homossexuais, é um entendimento que não foge à esfera. Nossa sociedade foi educada, por anos, por séculos, a primar por um comportamento “ideal”: o homem monogâmico e macho, que se casa com uma mulher monogâmica submissa e tem filhos. Os gays não têm espaço nessa construção de mundo, a eles resta apenas à sentença de viverem marcados com a desonra da promiscuidade, dos encontros furtivos, à noite, nos becos, vielas, nos guetos, contraindo todas as espécies de doenças, correndo todos os riscos de mortes imagináveis, vivendo solitários, sem família, destruídos pelo próprio comportamento sexual, marginal.

Obviamente, que o ser humano é capaz de ressignificar o seu espaço, inclusive os espaços de opressão, não sendo diferente com a comunidade homossexual que, através de alguns pensadores ilustres e gays, assumiram o modus vivendi , trouxeram expectativas e chocaram a sociedade conservadora, quando declararam o orgulho de serem gays, e de viverem à moda gay.

A intensificação do discurso da promiscuidade como pecado e a tentativa de se negar os direitos civis aos mesmos, por exemplo, o casamento gay,  são as apelações dos reforços de se deixar na marginalidade aqueles que não se enquadram nos parâmetros heterossexuais cristãos dessa sociedade.  Ou seja, não dar espaços iguais para que o preconceito e a segregação continuem regendo um valor injusto. Aqui, nesse aspecto, tem-se uma questão crucial, como a promiscuidade gay é renegada ao subcomportamento desde o século XIX, e o orgulho gay ser uma novidade do final do século XX, a compreensão de que a promiscuidade seja algo imundo, seja pecado, seja nefasta, é compreensão tácita, o que faz de muitos gays, muitos deles jovens, que vivem às voltas com o mundo, entrarem em verdadeiras crises existenciais por não compreenderem adequadamente o papel social que desempenham e a conformidade de seus desejos e satisfações, enquanto seres humanos.


Nestes aspectos a promiscuidade é tão somente uma questão de leitura a quem serve o discurso e para onde se caminha na construção da identidade gay no século XXI. Tentadora a reflexão, que continuaremos em uma próxima oportunidade.  

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

A culpa é da promiscuidade: um erro conceitual


Alguns argumentos trazidos em termos de apologética, em questão da promiscuidade ser um mal em si mesmo, tentam sair do viés moral-religioso para o viés cientifico,  sem, contudo, serem bem sucedidos no feito.  Afinal, dizem os profetas da desgraça alheia: “transar com camisinha não é 100% de garantia de que não se contrairá uma DST, como, por exemplo, o HPV e isso cientificamente comprovado”.

Para tais pessoas do argumento retromencionado, o jeito eficaz para  não se contrair doenças sexualmente transmissíveis é não ser promíscuo nunca, afinal, a doença reside na promiscuidade de per si. Ou seja, se seguíssemos essa lógica nem respirarmos mais poderíamos. Imaginem que a “Gripe Suína- H1N1”- matou em 2009, segundo dados da OMS (organização Mundial da Saúde), uma média estimada em 570 mil pessoas (NewScientist). A saber, uma das formas de transmissão da doença é se respirar o ar  do mesmo ambiente infectado pelo vírus.

Se em contra partida, tomando por base os dados da Gripe Suína, que em sua forma epidêmica foi fatal, compararmos o número de óbitos causados por câncer de colo de útero, HPV transmitido por relações sexuais, em Brasília, no ano de 2012, concluiremos que o monstro não é tão feio como se querem pintar, uma vez que 84 mulheres faleceram vítimas do mal, em uma população de 2.648.532 habitantes.

Poderíamos pensar na Dengue, doença comum no Brasil, por exemplo, mata mais que o HPV e não deixa muito tempo para o paciente ser tratado. E agora, diante do exposto, a quem deveríamos culpar por essas moléstias? A questão é muito óbvia, trabalha-se um conceito a partir de uma premissa falsa: A promiscuidade é a fonte da doença. Enquanto, na verdade, o mau uso do corpo é a causa.

Ir ao médico regularmente, fazer os exames de rotina, cuidar do corpo, da saúde, é um dever de quem quer viver bem. Fatalmente, vamos contrair doenças, não estamos livres delas, mas se tivermos o diagnostico precoce das mesmas, em muitos casos. elas são inofensivas como, por exemplo, o diagnostico eficaz do câncer de colo de útero em seu estágio inicial.

Ninguém morre por fazer sexo; as pessoas morrem por não se tratarem, por não procurarem o médico, por acharem que tudo está bem. Jogar a culpa do descuido pessoal no comportamento sexual, chamando-o  de promiscuidade e elaborar conceitos morais religiosos, querendo dá-los  o ar de cientificidade, é uma estupidez que camufla o preconceito e  a ignorância e nada contribui para uma melhor qualidade de vida.

Gays são promíscuos? E quem não é?


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Dilma: desgraça para gays


 Dilma: a pior desgraça para os LGBTs


por João Marinho

Quando estive na audiência pública do Senado, em 2007 (uma das vááárias que o projeto já teve: me pergunto por que ainda precisa de MAIS!), que discutia o PLC, vi Ideli Salvatti fazendo um apelo emocionado a favor do PLC 122, quase que com lágrimas nos olhos. Dizia ela que, se o projeto merecesse reparos, que fossem feitos, mas que não se deixasse de aprová-lo, dada a sua importância contra a violência, que vitima tantas famílias.

Seis anos depois, agora assisto à mesma Ideli atendendo ao pedido do Planalto para que adiem o PLC até as eleições de 2014, mostrando novamente como o governo petista e de Dilma Rousseff está de joelhos, desde já, frente ao fundamentalismo – e que papelão da Ideli! Eu pediria para sair, se agir significasse ir contra valores morais que eu mesmo preguei e condenar toda uma população a permanecer à margem do direito positivo, deixando de gozar um direito que seus algozes, os evangélicos, já possuem (a lei já protege contra a discriminação por motivo religioso).

Quero ver agora algum amigo petista ainda defender a "senhora presidenta". Não há dúvida alguma: Dilma Rousseff e seu governo foram a pior desgraça que já aconteceu no Brasil para lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais desde a redemocratização.

Jamais terá meu voto novamente. Sim, voto nulo em 2014 se for necessário, mas nessa pessoa inescrupulosa que colocamos como presidente, jamais. Nem para síndica de prédio. Espero com ardor o dia em que será engolida pela história e envenenada pelas alianças espúrias que se propôs a fazer. Eu, que simpatizava com o PT.

"Vamos votar em uma mulher, um marco histórico para o Brasil", diziam os petistas que me convenceram em 2010. Que piada! Talvez Margaret Thatcher fosse menos pior para o Brasil. Ela, pelo menos, era franca: não se fazia de "defensora" dos direitos de minorias, enquanto dava a rasteira nessas mesmas minorias nos bastidores.

E anotem esses nomes, LGBTs: Wellington Dias (PT-PI) e Walter Pinheiro (PT-BA) não são merecedores de seus votos em 2014 .

Mais e por quê:
http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2013-12-13/por-2014-planalto-freia-projeto-que-criminaliza-homofobia.html

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Mamãe já sabe...



Encontrei o texto abaixo no meu antigo blog, o Herege

Tem a data exata em que contei para minha mãe que era gay: 9 de janeiro de 2003. Nossa, já faz mais de 10 anos?

Percebam as reações dela. Preciso mencionar que, às vezes, subestimamos nossos pais.

Ao longo do tempo, mesmo evangélica, minha mãe evoluiu, chegando a me consolar quando fiquei solteiro em 2010.

No meu último aniversário, de 22/08/2013, me deu um de meus melhores presentes, ao dizer que não queria que eu fosse em nada diferente do que sou.

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Mamãe já sabe

por João Marinho



A mensagem abaixo foi escrita para a lista GospelGLTTB, mas, mesmo para quem não tem a mesma tradição religiosa (e os textos e referências serão inócuos), vale a pena ler, para saber quais "revoluções" andam acontecendo na minha vida...

"Então disse Sarai a Abrão: Meu agravo seja sobre ti; minha serva pus eu em teu regaço; vendo ela agora que concebeu, sou menosprezada aos seus olhos; o Senhor julgue entre mim e ti. E disse Abrão a Sarai: Eis que tua serva está na tua mão; faze-lhe o que bom é aos teus olhos. E afligiu-a Sarai, e ela fugiu de sua face.

E o anjo do Senhor a achou junto a uma fonte de água no deserto, junto à fonte no caminho de Sur. E disse: Agar, serva de Sarai, donde vens, e para onde vais? E ela disse: Venho fugida da face de Sarai, minha senhora. Então lhe disse o anjo do Senhor: Torna-te para tua senhora, e humilha-te debaixo de suas mãos"
.

Gênesis 16:5-9

Não é do meu costume iniciar um texto para esta lista (GospelGLTTB) por uma passagem bíblica. Sabemos que nós temos interpretações diferentes da Palavra e, eventualmente, uma mesma passagem terá significados diversos que serão arduamente debatidos por aqui.

Entretanto, eu não podia deixar de colocar este texto, porque foi o que me veio à cabeça logo depois do que ocorreu hoje. Hoje, por volta das 9h da manhã, contei para minha mãe a verdade sobre minha sexualidade. Com isso, agora apenas o meu pai resta saber, pois, no final do ano que passou, descobri que minhas duas irmãs já tinham conhecimento de tudo.

O que ocorreu a respeito das minhas irmãs foi algo um tanto complexo, e a história, que se iniciou com um e-mail que recebi por esta mesma lista (aquele que o Paulão enviou à sua mãe e redirecionou para nós), é muito grande e não convém relatá-la detalhadamente aqui. Eu gostaria, porém, de pedir que vocês acessassem meu blog nos endereços abaixo e lessem os posts, pois eles contam tudo a respeito (NR: desnecessário fornecer os links aqui, no Herege, pois seus leitores, é claro, já sabem de tudo).

Com relação à minha mãe, eu não tinha em mente contar para ela hoje. Acordei atrasado para o trabalho, me arrumei e acabamos conversando sobre diversos assuntos, e Deus foi envolvido na conversa. Foi, então, que, tencionando lhe fornecer mais algumas pistas sobre mim, falei que havia certas coisas a meu respeito que ela não sabia, e que eu ainda não tinha achado o momento para contar – que seria definido por Deus.

No final de tudo, resumindo, ela me perguntou se eu era gay. Respondi na lata: "sou". Também lhe contei que o Wagner é meu namorado, que todos os meus amigos, companheiros de trabalho, colegas da faculdade e etc. sabiam a meu respeito e que o único local que ainda restava na condição de "não saber" era, oficialmente, minha casa.

A conversa transcorreu de forma mais tranqüila do que eu pensava. Evidentemente, ela disse que não aceitava, mas a reação foi similar à de minha irmã mais velha: ao que parece, não mudará, ao menos por enquanto, a relação carinhosa de mãe e filho.

Minha mãe chegou a arriscar certas frases típicas, do tipo: "era tudo o que eu não queria", "a gente cria um filho na igreja, dá tudo por ele, e resulta nisso", "você sabe o que a Bíblia diz sobre isso", "homem com homem é muito feio" e "deveria buscar a Deus e pedir para te livrar".

Eu lhe respondi. Disse que não havia motivos para se considerar a homossexualidade tão horrível, que não ia entrar em questões religiosas, mas que tinha razões bem concretas para saber que Deus nada tem contra mim, que já o busquei e essa foi a resposta que Ele me deu. Falei da passagem em que a Bíblia fala que os efeminados não entram no reino do céu, dizendo que, há algum tempo, a palavra original era traduzida por masturbadores.

Disse-lhe que orasse, para que Deus a ajudasse. Que se fosse da vontade Dele, por sua vez, que me casasse com uma mulher e tivesse filhos, que assim fosse, pois eu não resistiria: ao contrário, já até tinha procurado por isso, durante anos. Só que, para mim, a resposta de Deus já estava dada – e não envolvia nada daquilo.

Disse mais: que ela poderia me magoar com aquela história de ter me criado na igreja e ter dado tudo por mim, pois parecia que eles tinham falhado em minha criação e que eu era o pior dos seres simplesmente por amar outro homem, quando, na verdade, sempre me constou que eu era um bom filho: ajudava e ajudo em casa, nunca lhes levei problemas, nunca me viram envolvido em bebedeiras, usando drogas ou coisa do tipo.

Isso, disse eu, é que é importante e deveria ser levado em conta nessa hora, pois é a comprovação de que eles não falharam e de que o que aprendi, carrego comigo. Ela se desculpou, disse que não queria dizer que eu era um mau filho, que estava com a cabeça quente.

A conversa, assim, foi sem sobressaltos, e eu me mantive tranqüilo em todo o tempo. Apenas minha mãe disse que eu nunca falasse nada para meu pai (que é do tipo "machão do Nordeste"), pois ele me admira muito e tem orgulho de mim, e, se eu falar, ele é capaz de morrer. Além disso, ele está numa péssima fase estressada.

Eu lhe disse que morrer, ele não morre (pode até me pôr pra fora de casa, mas não morrer...) e que não falarei "amanhã". Mas, em algum dia, ele deverá saber porque não posso seguir enganando as pessoas, e a descoberta pode vir por outros meios, inclusive pela boca de terceiros.

O que posso dizer é que tudo ocorreu como ocorreu porque Deus, creio eu, estava comigo. Ainda nesta semana, orei a Ele depois de um acontecimento chato com um wallpaper do meu computador (NR: vocês leram sobre isso aqui, no Herege) e pedi que Ele assumisse a direção, que mostrasse a hora certa e a forma certa de contar para meus pais, que eu não iria mais me preocupar com o assunto. A hora, ao menos da minha mãe, veio. Deus deve ter me ouvido, assim como ouviu com relação às minhas irmãs.

No momento, estou um tanto confuso, como quando soube que minhas irmãs já sabiam a verdade. Não sei o que sentir. A situação e a angústia de não saber o porvir já me fizeram chorar por mais de uma vez, junto ao meu fofucho, desde o início do processo. Mas a época da depressão e do desespero já passou, ficou alguns anos para trás, quando eu esquecia de contar as bênçãos (como já pus aqui*) e pensava que Deus não me ouvia e me rejeitava por um "pecado tão vil", quando pensei que morrer seria o melhor para todos.

Deus me tem mostrado que não é assim, que nunca foi assim, a despeito do que outros tantos tenham a dizer em contrário. Talvez o choro seja fruto da perda do controle da minha vida e da queda de todo um castelo de mentiras que criei ao longo de minha adolescência. É difícil ver uma construção sua caindo, mesmo que mentirosa.

O texto de Gênesis me veio à cabeça (Deus?) porque a primeira idéia que tive foi não ir para casa hoje. Liguei para ela posteriormente, aqui do trabalho, para ver como estava, se chorava, etc. Não estava chorando e conversamos normalmente. Talvez o início seja mesmo difícil, mas eu não devo tentar fugir: é hora de enfrentar a minha senhora. Ainda bem.

(*NR: i. e., na lista GospelGLTTB)

sábado, 3 de agosto de 2013

Felix, um personagem da ficção das 21h00

A militância sempre exagera com as questões LGBTs e a exposição nas teledramaturgias. Eu fico a pensar
que muitos gays acham que a vida deles, em família, tomará uma guinada de 180 graus uma vez que seus pais virem um beijo gay em uma novela da Globo, ou como aquele moço (bom moço) sofreu com a morte de seu namorado, tentando levar uma vida totalmente digna, dentro da “normalidade”, da moral cristã e seus costumes “nobres”, ainda que seja gay. Seria isso um lobby gay ou um lobby heteronormativo? Deixo essa para  outra oportunidade.

É, sem embargo, a coisa mais estúpida e contraproducente que eu já vivenciei por aqui e, pelo jeito, não está longe de ter um fim... Essa ingenuidade  intelectual só se explica pela sofreguidão da vontade em fazer as coisas acontecer, mas que na verdade enterra uma gama de assuntos mais imperiosos e pontuais que deveríamos lutar e defender.  Por exemplo, é muito mais fácil, e muito mais eficaz, que sua família veja você protagonizando um beijo gay do que o casal homossexual da novela;  é muito mais profícuo que você saia do armário em sua casa, que o Felix, na novela, seja exposto em sua homossexualidade a Suzana Vieira e ao Antonio Fagundes...  

O que eu quero dizer com isso? Será que eu desejo destruir as estruturas familiares? Será que eu desejo que os gays sejam deserdados e postos para fora de suas casas, tocados como cachorros sarnentos, jogados ao vento? Absolutamente, não! Mas, se há a vontade sequiosa de que se tenha mudanças, não espere que elas venham por conta dessa ou daquela novela da Globo. Para sua família ser gay é algo extremamente aceitável, desde que gay seja o filho do vizinho, nunca o meu filho... “o meu melhor amigo tem um filho gay, o rapaz é até gente boa, desejo o melhor para ele, ainda bem que você tem uma noiva linda Godofredo!”. Assim, o deputado federal Jean  Wyllys comenta em seu artigo para o sitio IG: “...A família sempre é a primeira saber e a última a acreditar...”. Diria eu, a última a aceitar e, talvez, não aceite nunca!

Os gays apostam todas as suas fichas nas mudanças que a teledramaturgia pode promover, o ledo engano que a exposição muda o Ethos... Não muda, traz o fato como algo próximo, expõe, mas não transforma, pois essa transformação só acontecerá quando dentro do nicho familiar o ethos cultural for possível para minha família, for verificado nela, dentro dela, arraigado, amalgamado, intrínseco em sua condição final.

Não estou dizendo com isso que a teledramaturgia seja descartável, ou que ela não deveria abordar tais assuntos, não é isso, mas apenas digo que as fichas da mudança do preconceito não acontecem por conta de uma novela, ou da exposição que essa possa promover, mas as fichas da mudança devem ser alçadas no comportamento do homossexual e a sua submissão cega à vontade de seus familiares, no desejo desses de ter uma família normal, e nisso o homossexual é descartado sumariamente.

Quer mudanças? Mude você! Não espere que a novela faça isso por sua felicidade, por sua condição existencial, pois ela não fará e nem poder para isso ela tem. Quer respeito? Tenha orgulho de si mesmo e se enxergue como algo digno, como uma pessoa que tem identidade própria, direitos e deveres, afinal, o Felix continuará sendo um personagem da ficção das 21h00 e você continuará sentindo as consequências disso.



terça-feira, 30 de julho de 2013

Estratégia católica?

Francisco e os gays

por João Marinho

De verdade, penso que nós, LGBTs, devemos ter cuidado com Jorge Mario Bergoglio, atualmente conhecido como papa Francisco. Tenho visto muitos empolgados com suas declarações recentes, de que gays não devem ser marginalizados, e até dizendo que ele “defendeu nossos direitos”.

Na verdade, não defendeu, não.

Na continuação da entrevista, ao falar sobre o “lobby gay” no Vaticano, ele declarou que o problema não era a orientação sexual, mas o “lobby” envolvendo a orientação – e que o problema estava em qualquer “lobby”.

É uma declaração dúbia, que tanto pode ser entendida como uma crítica direta aos bastidores nem sempre limpos da política e do alto escalão vaticano – quanto, mais perigosamente, pode ser entendida como uma “condenação generalista”, de que qualquer “lobby gay” é algo a ser visto com desconfiança.

O problema é que, no Ocidente, a maioria dos países vive em regimes democráticos. A união de grupos em torno de interesses comuns faz parte da democracia e é saudável, como já observava Alexis de Tocqueville em sua obra A Democracia na América, análise do regime norte-americano.

Só que, para os adversários de uma demanda, qualquer união nesse sentido pode ser entendida e referida, negativamente, como “lobby”. Do ponto de vista geral, lobby é a pressão que grupos organizados fazem em cima do poder público para aprovar suas propostas, mas, do ponto de vista restrito e negativo, é a mesma pressão visando a atender a interesses privados, em vez de uma genuína preocupação com a coisa pública.

Seria “lobby” a tentativa LGBT de instituir o casamento homoafetivo, o reconhecimento da identidade de gênero dos/as transexuais e o acesso à cirurgia, a proteção contra a homofobia? Para os adversários, sim, e de forma negativa – afinal, não argumentam eles que são demandas que “atendem somente a uma minoria” e não representam “avanço” para a coisa pública? Ora, se lobby é ruim, como disse Francisco, como é que fica, então, a pressão política LGBT para aprovação de suas demandas?

Pensando assim, a frase de Francisco sobre integrar os gays à sociedade ganha outros ares. Uma vez que ele não vai – e nem pode ir – contra o catecismo oficial da igreja católica, essa integração pode ser entendida, também, do ponto de vista heteronormativo. Vale informar que o catecismo faz diferenciação entre orientação sexual e ato sexual. Uma vez que uma pessoa é homossexual, é sua “cruz” praticar a castidade, segundo o catecismo, pois os atos homossexuais são intrinsecamente desordenados.

A que integração Francisco se referiu, então? Ok, não se pode julgar os gays que buscam a Deus e estes devem ser integrados à sociedade – desde que mantenham a prevalência da heterossexualidade como único caminho digno e desistam de fazer “lobbies” em torno de seus direitos mais fundamentais, contra os quais a igreja católica formalmente se opôs em todos os países em que foram levados à discussão? Garanto que muitos não viram as declarações por esse ângulo – mas vejam o perigo...

É claro que é difícil dizer a real intenção de Francisco sem cair em injustiça ou especulações vazias. No entanto, dado o histórico da igreja católica e a atitude dos últimos dois papas que pude conhecer em vida (Jesus, como tô velha!), os patentemente homofóbicos João Paulo 2º (que vai ser canonizado pelo mesmo Francisco!) e Bento 16, que vociferavam – ainda que disfarçadamente, com voz doce – contra nós outros e nossos direitos até em pronunciamentos de Natal, eu diria que “pôr as barbas de molho” é a coisa mais certa a fazer. Prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém, não é assim?

Também não podemos deixar de ter em mente que, enquanto cardeal, Bergoglio se opôs veementemente à aprovação do casamento gay sob o governo de Cristina Kirchner, na Argentina – e não apenas como religioso, mas incutindo-se na esfera pública para influenciar a política de um Estado laico, o que é sempre perigoso... Um... Lobby? Curioso, né? E não, Bergoglio e Francisco não são duas pessoas diferentes só porque trocou o homem de nome. A encíclica escrita a quatro mãos com Bento 16 reforçou seu histórico de oposição a tais direitos de homossexuais, inclusive – e, mesmo não sendo eu católico, sei perfeitamente que uma encíclica tem mais importância que uma declaração a jornalistas.

Há, porém, ao menos um fato que merece ser analisado positivamente nas declarações de Francisco. O tom com que falou dos homossexuais representou, de fato, uma mudança na abordagem feita por seus antecessores. Enquanto cardeal, diz-se, se opôs ao casamento gay, mas admitiu a união civil. Eu diria que a dubiedade a que me aludi mais atrás, inclusive, não foi fora de propósito.

Francisco está francamente atrás de conter o escape de fiéis, e assim, você pode não ter notado, mas, sob o “manto do amor”, tem reforçado os dogmas católicos. Reza com pastores na assembleia de deus, mas a posição de que a igreja católica é a única onde encontrar a salvação está “positiva e operante” como nunca. O papa, no fim, é pop e bastante inteligente – um excelente garoto-propaganda, que se mostra humilde e conquista simpatia, ao mesmo tempo em que solidifica a ideia de correção e hegemonia de tudo que é dito por sua igreja. Para o bem e para o mal. Isso pode ser percebido na questão dos gays, se minha chave interpretativa estiver correta.

Embora suas declarações possam ser um “morde e assopra”, têm a vantagem, que também não me é casual (ele é inteligente, lembre-se!), de marcar uma diferença entre a forma católica e a forma não católica (em outras palavras, evangélica) de tratar a questão. As reações de Silas Malafaia e Marco Feliciano, respectivamente, à popularidade e ao discurso de humildade do papa e à declaração sobre gays mostram que eles também sentiram isso – e se incomodaram, mesmo negando.

Se o papa estiver mesmo engajado numa “guerra fria” contra as religiões evangélicas – mordendo-as e assoprando-as também –, religiões essas que, via políticos fundamentalistas, têm se tornado uma verdadeira pedra no sapato do Brasil laico, tanto melhor. O inimigo do meu inimigo é meu “amigo”. Entretanto, enquanto LGBTs, precisamos ser maquiavélicos (no sentido de Maquiavel), saber aproveitar esse momento, mas estar cientes de que essa “amizade” vai até à página dois, antes de ir beijar os pés de Sua Santidade. Todo cuidado é pouco: e essencial para que não compremos um cordeiro e terminemos com um lobo nos devorando em casa.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Porque investem as prefeituras em eventos gays?


Pink money com autoestima

Sim, gays têm dinheiro, mas pode não ser tanto assim –
e, principalmente, não deve ser para todo mundo!

por João Marinho

Dois milhões e duzentos mil reais. Informados por seu diretor executivo, Nelson Matias, em uma reportagem publicada no portal iG e assinada por Pedro Carvalho, os custos da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, cuja 17ª edição foi realizada em 2 de junho de 2013, impressionam – e se tornaram fonte de crítica por parte de setores conservadores e religiosos tradicionalmente avessos a eventos com foco no público de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Isso porque, do total de R$ 2,2 milhões, a Prefeitura de São Paulo bancou, ainda segundo a reportagem, R$ 1,6 milhão. Foi o que bastou para que religiosos e conservadores reclamassem, em sites da imprensa, evangélicos e afins, da “conta absurda” a ser paga por dinheiro público, que deveria ser usado para o bem de todos – e não de uma “minoria”.

Lucro alto
A Parada de São Paulo, como outras pelo Brasil e pelo mundo, surgiu espontânea, fruto da mobilização de ativistas LGBTs. Apenas posteriormente, passou a fazer parte de calendários oficiais do poder público. A verdade nua e crua, porém, é que não existe almoço grátis – e isso se aplica ao apoio dos governos.
Dito isso, é necessário considerar que os custos da Parada de São Paulo, tradicionalmente a maior do País, representam apenas a ponta do iceberg – e o que está debaixo dela se reverte, sim, em benefícios extremos para a população e para o poder público.
Sem levar em conta que os gastos da Prefeitura são com infraestrutura, o que já os justificaria, a mesma reportagem do iG informa que, segundo dados da São Paulo Turismo (SPTuris), 39,5% do público da Parada é de turistas, que gastam, em média, R$ 1.272 no fim de semana do evento.
Bem, 39,5% de 600 mil pessoas (estimativa do público segundo a Polícia Militar no ano de 2013) ou 39,5% de 220 mil pessoas (estimativa do Datafolha) resultam, respectivamente, em 237 mil pessoas e 86,9 mil pessoas. Cada uma gastando, em média, R$ 1.272, isso significa que os turistas deixaram aproximadamente, na cidade de São Paulo, quase R$ 301,5 milhões, ou, se apelarmos para os números de público do Datafolha, mais de R$ 110,5 milhões.
Com esse retorno – dinheiro que os turistas gastam em hotéis, alimentação, transporte, lojas, etc. –, quem, em sã consciência, não gastaria R$ 1,6 milhão no evento? Em termos comparativos, isso significa que, para cada R$ 1 gasto pela Prefeitura de São Paulo no evento, são retornados cerca de outros R$ 187 que ficam na cidade, ou mais de R$ 68, seguindo as estatísticas do Datafolha.
Se a Parada fosse uma poupança e o dinheiro público fosse ali aplicado, ela renderia, em um fim de semana, 18.741,50% de juros, considerando o público estimado pela PM, ou 6.808,55%, considerando o público estimado pelo Datafolha. Isso falando apenas dos turistas, sem levar em conta o dinheiro que os próprios habitantes da cidade e municípios próximos gastam, em transporte, comida, compras.
Posso estar errado, mas acredito que nenhum banco, no Brasil ou em outros países, forneça taxas de juros tão formidáveis em sua carteira de investimentos. Portanto, em vez de reclamar porque o poder público gastou R$ 1,6 milhão, por que não agradecer pelo verdadeiro investimento que ele fez?
Parte dos outros R$ 600 mil não bancados pela Prefeitura veio de empresas públicas, como Caixa e Petrobras. Não foi possível definir, para este artigo, quanto do dinheiro deixado em São Paulo é recolhido em impostos federais, mas a julgar por números tão expressivos e impostos tão universais quanto os brasileiros, não soa imprudente dizer que o governo federal recebe, também, um gordo quinhão.

Marginalidade e baixa autoestima
Os números impressionantes se repetem em outra cidade com uma tradição de eventos LGBTs: Juiz de Fora, em Minas Gerais, que realiza sua 36ª edição do Miss Brasil Gay em agosto/2013 e seu igualmente tradicional Rainbow Fest, no mesmo mês. As últimas estatísticas sobre o Rainbow, datadas de 2006, mostram que, naquele ano, 10 mil turistas injetaram nada mais, nada menos que R$ 4 milhões na cidade. Estratosféricas, novamente.
Os dados de São Paulo e Juiz de Fora parecem fazer jus à fama do pink money. A expressão é oriunda do final da década de 1970, nos Estados Unidos. Na época, grupos de direitos de homossexuais não dispunham de patrocinadores para suas ações e tiveram uma ideia brilhante: em um dia de protesto nacional, toda nota de dólar que passasse na mão de um gay deveria ser riscada com uma caneta rosa, no canto. Isso mostraria o potencial que os patrocinadores estavam perdendo.
De lá para cá, cresceu o interesse no “dinheiro cor-de-rosa”, que movimentaria mercados bilionários envolvendo a população LGBT: respectivamente, cerca de US$ 100 bilhões anuais no Brasil e US$ 800 bilhões nos Estados Unidos, segundo reportagem publicada há dois anos na revista IstoÉ Dinheiro. O texto ainda se refere a uma estatística do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo a qual essa população gasta, em média, 30% mais que seus pares heterossexuais em consumo e lazer.
No entanto, toda essa “orgia financeira” tem três lados que são bem negativos.
O primeiro e mais premente é que, no Brasil, não se vê as empresas – sobretudo as grandes marcas – envolvidas fortemente na conquista desse público. Com uma visão embotada de negócios e com receios extremados de “desagradar” a população conservadora, LGBTs permanecem, para essas marcas, relegados a uma posição marginal e oculta.
Se, nos Estados Unidos, companhias como Apple e Google se envolvem em campanhas pró-diversidade sexual, no Brasil, são comuns comerciais polêmicos, como o da marca de cuecas Lupo – que, se não pode ser considerado homofóbico per se, ao menos é de gosto duvidoso e flertou com uma ideologia, no mínimo, questionável. Na Parada de São Paulo, para manter o exemplo, a única empresa privada a adquirir uma cota de patrocínio foi a marca de camisinhas Olla.
Os empresários com negócios voltados diretamente aos LGBTs não fazem mais bonito. Tirando honrosas exceções, investem pouco pelo dinheiro que recebem e falham no treinamento de funcionários, sobretudo seguranças. Casos de espancamentos homofóbicos em boates GLS – absurdo! – têm tomado os jornais ultimamente. Finalmente, o poder público tampouco faz jus ao que recebe. Como se explica o desbotado combate à homofobia em cidades que recebem tantos milhões de reais do bolso do público LGBT?
O segundo lado diz respeito ao fato de que a tese do pink money esconde uma questão social importante: não; o público LGBT não é necessariamente endinheirado, branco, de classe média e disposto a gastar centenas ou milhares de reais por noite. Em termos estatísticos, se, no Brasil, a maioria da população é de classe média-baixa (a atual classe C) a classes menos abastadas, isso se reflete entre os LGBTs. Especialmente no caso do/as transexuais e travestis, tão maltratados/as que, não raro, são vítimas da evasão escolar, com oportunidades profissionais mais restritas.
Essas pessoas têm de ser tratadas com respeito – não por causa do dinheiro que podem gastar, mas por seu lugar como cidadãos e cidadãs. O pink money pode nublar a existência de demandas sociais, reais, objetivas e prementes para a população LGBT. Ora, se está endinheirada, o que falta a essa população? Na verdade, falta tudo, a começar pelo combate à homofobia/transfobia, passando por políticas públicas de prevenção à violência e promoção da saúde e de promoção da autoestima. Gay morto não gasta. Gay agredido não consome: deixa o salário no hospital – e tanto pior quando se está frente à realidade de que não há tanto dinheiro assim no bolso.
Finalmente, um terceiro lado ecoa uma questão que acabamos de mencionar: a autoestima ela-mesma. Cercados por uma cultura homofóbica e sofrendo de preconceito internalizado, LGBTs estão ainda longe de serem “craques” nessa faceta tão importante para o ser humano. É comum que “encontrem” desculpas para a homofobia de terceiros, especialmente quando compram e consomem.
Se, nos Estados Unidos, boicotes promovidos pela GLAAD (antes, Gay & Lesbian Alliance Against Defamation) são efetivos e temidos pelas marcas, no Brasil, consumidores LGBTs se esmeram em “justificar” comportamentos discriminatórios de empresas e comerciais, mesmo quando patentes. Pior: às vezes, sequer se preocupam em investir em lugares que os respeitam.
Quem nunca teve um amigo ou amiga que se recusa a ir a um lugar porque “é gay demais” ou “tem muito ‘viado’”? Ou que, ao presenciar um flagrante desrespeito em um ambiente comercial, como em um restaurante que tenta impedir uma simples troca de beijos homoafetiva (“selinho”), concorda com o estabelecimento, em vez de se colocar ao lado do consumidor injustiçado que, no limite, é gay como ele?
É preciso, portanto, ter em mente que o pink money tem, sim, sua relevância, mas que ele, por si só, é insuficiente para conquistar cidadania. Esta se conquista por meio de luta política, de mobilização social – e, sobretudo, por meio de um intenso e interno trabalho de autoestima. Inclusive na hora de se recusar a deixar parte do salário, normalmente ganho a duras penas e em ambientes nem sempre liberais e libertários, nas mãos de quem não merece.

Pense nisso. 
 

 
Texto originalmente publicado no Rainbow Guia do 16º Juiz de Fora Rainbow Fest.
 

Referências: