Por JOÃO MARINHO
Olha, eu ainda não tenho opinião formada, mas acho que, em muitos comentários, se sobressai mais uma preocupação gay em ser associado ao HIV... Do que uma preocupação objetiva com o crescimento da infecção entre nossos irmãos homossexuais.
Vejam, os gays estão entre os grupos mais vulneráveis ao HIV. Quando se fala em números absolutos, em muitos lugares, há mais casos na população heterossexual. Só que a população exclusivamente heterossexual representa 90% do conjunto-universo. A população que mantém relações com o mesmo sexo varia de 4 a 10%.
Ora, se vc tem uma sala em que, de 100 homens, 20 estão infectados... 15 deles são héteros, 5 são homens que fazem sexo com homens. Ok, então, do conjunto-universo global, héteros respondem por 15% das infecções; não héteros por 5%.
Só que tem um problema... É que, dos 100 homens da sala, 90% (n = 90) são héteros. E não héteros são 10%. Ora, quando se divide a população por grupo, temos, então, que os héteros registram uma prevalência de infecção de 16,67% (15 pessoas de 90). E os gays... Ora, de 10, 5 têm a infecção. Portanto, nesse grupo, a prevalência é de 50%.
Pergunta: qual é o grupo em que o HIV é mais preocupante? O que tem 16,67% ou o que registra 50%?
Por favor, isso é estatística básica...
Os números acima, hipotéticos, foram um exemplo grosso modo, mas a concentração epidêmica em grupos vulneráveis, dos quais os homens que fazem sexo com homens são parte, é fato em todo o mundo ocidental, e mesmo em países que registraram um descréscimo na taxa, essa tem voltado a recrudescer.
O que se faz nesse contexto? Deixar de abordar alguma forma de reforçar a prevenção nesse grupo por medo da associação "gays x aids"... Ou propor alguma forma de reforçar essa prevenção, a fim de salvar mais vidas e diminuir essas taxas tão preocupantes?
A OMS não disse que os heterossexuais "não devam se proteger". Disse que os homens que fazem sexo com homens devem considerar fortemente o uso dos ARVs como prevenção adicional, porque é um grupo mais afetado. Só.
E quem, como eu, é gay, tem até a obrigação de se preocupar mais com essa realidade do que com a mensagem que efetivamente os heterossexuais receberão - que, de qualquer forma, não foi a mensagem que a OMS passou.
Consideremos algum outro caso que não seja o de de HIV. Pensemos na obesidade. Os EUA vivem hoje uma epidemia de obesidade. O Brasil, embora tenha visto um recrudescimento desses números, ainda não. Quem deve considerar uma atitude mais drástica para combater os males de saúde atrelados à síndrome metabólica? Os americanos ou os brasileiros?
Isso, de forma alguma, significa que os brasileiros devam se abster dos cuidados. Significa apenas que, nos EUA, a situação chegou a um patamar que recomenda estratégias mais drásticas que ainda não são necessárias no Brasil.
E isso é verdadeiro para os GBTs (gays, bissexuais, travestis, transexuais - e incluo os homens que fazem sexo com homens) e héteros exclusivos em relação ao HIV.
O grupo dos homens que fazem sexo com homens é o que mais sofre com as taxas concentradas de HIV. A quem devem ser consideradas estratégias mais drásticas? A eles... Ou aos héteros exclusivos, que ainda não chegaram a esse patamar?
Me parece que a resposta é evidente, além de, em uma série de países, o próprio fato de ser homossexual ou transar com o mesmo sexo (identificando-se a pessoa como gay ou não) significar um acesso deficitário aos sistemas de saúde para tratamento e identificação do HIV, o que contribui para a concentração epidêmica em nível mundial. É curioso, pois não é a homossexualidade a principal causa da concentração. Em larga medida, é a homofobia.
A prova está aí, nas lésbicas, que são também HOMOSSEXUAIS e registram a menor taxa entre todos os grupos. Menor que a dos homens héteros e das mulheres héteros. E a OMS por isso recomendou algo para elas? Não.
Então, não é melhor que essas pessoas, homens que fazem sexo com homens, adotem uma prevenção adicional e discreta do que se exporem e poderem ser mandadas à prisão, ou, ainda, evitarem de ir ao médico, jamais descobrirem a infecção e ajudarem a transmiti-la?
De resto, é sempre preciso considerar entre aspas o que a mídia brasileira divulga. Na área da saúde, o conceito dominante é de HSH - homens que fazem sexo com homens, ou, no inglês, MSM. Geralmente, a não ser em contextos bem específicos, a OMS não usa "gays", mas a mídia adora a palavra.
Homens que fazem Sexo com Homens é um conceito muito mais ampliado que o de homens homossexuais.
Inclui, evidentemente, os homossexuais - mas também as mulheres transexuais, as travestis (ambas, biologicamente homens), os bissexuais, os héteros que experimentam, as crossdressers, os recém-declarados "g0ys" e qualquer pessoa do sexo masculino, biologicamente falando, que, em algum momento, envolva-se em um intercurso sexual com outra pessoa biologicamente do sexo masculino, a despeito de sua orientação sexual, identidade de gênero ou qualquer outro tipo de identificação. Isso é particularmente agudo na juventude, hoje que registra o maior crescimento, em que a experimentação não é rara e, às vezes, a definição de uma identidade pessoal demora certo tempo.
A princípio, é justamente isso que me preocupa mais, porque o número de relações sexuais que acontece entre homens biológicos é infinitamente superior ao número de relações sexuais que acontecem "entre homossexuais", assumidos para o público ou que adotem essa identidade para si, ainda que na clandestinidade.
Assim, fica a pergunta se haverá medicação para todo mundo, ou se não faltará para quem realmente precisa: quem realmente é já soropositivo, em um contexto em que se busca a oferta universal de tratamento.
Outra questão é a qualidade da medicação que será oferecida. Os ARVs causam efeitos colaterais bastante conhecidos, da lipodistrofia a alterações metabólicas. Será que valeria a pena expor todo um grupo de soronegativos a esses efeitos em nome da diminuição das taxas de transmissão? E qual remédio seria oferecido, se existem diferentes gerações, alguns que causam mais efeitos colaterais que outros, por exemplo, a estavudina - até já banida do Brasil - versus o tenofovir?
Talvez não seja interessante, porque, se, de um lado, pode-se diminuir a infecção pelo HIV, por outro, pode-se aumentar o problema de síndrome metabólica - aí, medicamente induzida - e "cobrir um santo e descobrir o outro", piorando um outro caso epidemiológico. Não mencionei a síndrome metabólica à toa, afinal.
Finalmente, existe a possibilidade de aumento de resistência do HIV aos ARVs atrelada à oferta universal, um dado que saiu em um estudo americano com modelos matemáticos. E os próprios custos de disponibilizar remédios caríssimos para tanta gente... E ninguém é Pollyana. Os Estados têm de saber quanto vão gastar.
Então, existe toda uma série de questões a considerar – mas penso que o receio de vincular o HIV a gays por uma questão ideológica, de "grupo de risco", ou "o que as pessoas vão entender" devam ser as menores delas.
Mesmo porque HOJE ainda não existe essa recomendação da OMS aplicada no Brasil, por exemplo.
Ainda assim, os números recrudesceram. Então, as pessoas precisam MESMO de "estímulo" para o sexo inseguro? Ué, se esse estímulo não existe hoje, como se explica o crescimento, então? Soa estranho evitar o crescimento porque "as pessoas vão pensar que podem fazer sexo inseguro" por causa dessa mensagem, se, sem essa mensagem, já estão fazendo de qualquer forma – e nisso, LGBTs e héteros se irmanam, haja vista o crescimento de outras DSTs entre os héteros (como o HPV = vacina recomendada para as meninas) e o problema da gravidez na adolescência.
De resto, um tempo atrás, após a divulgação de um resultado africano, a OMS recomendou a circuncisão PARA HOMENS HETEROSSEXUAIS em países com alta prevalência de HIV na população adulta e feminização da epidemia em curso. Leia-se: África subssaariana.
Também uma estratégia específica para conter a disseminação específica em um grupo vulnerável, não causou qualquer comoção.
Não foi?
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