Mostrando postagens com marcador mulheres. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador mulheres. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 17 de junho de 2020

TENHA O CORPO-HABEAS CORPUS: J. K. Rowling seria transfóbica?




TENHA O CORPO-HABEAS CORPUS
J. K. Rowling seria transfóbica?



Em épocas não tão distantes, mas que incompreensíveis ao homem contemporâneo, o corpo, esse pedaço de carne que individualiza os seres, não pertencia ao súdito, mas ao soberano, ao rei, que nesse mesmo corpo, alheio, individual e individualizado, poderia infringir como pena suplícios inúmeros sem quaisquer parâmetros, tão somente, a satisfação da vontade soberana que se igualava à satisfação da vontade divina, a demonstração do poder.

Ora, o suplício servia ao espetáculo, se não houvesse a espetacularização da dor, em vão era o castigo, em vão seria dizer ao súdito que o seu corpo pertencia ao soberano rei e o seu crime atentava contra o próprio monarca. Era preciso tornar visível tal conceito, aos olhos de todos na corte, no reino.

A expressão, comumente usada, hoje, habeas corpus vem dessa época, em que extraída de uma antiga fórmula processual inglesa, utilizada pelo magistrado, ordenava ao carcereiro que se lhe apresentasse o preso. É uma expressão que serve para devolver ao indivíduo o seu corpo, no caso sua liberdade. Não nos damos conta do corpo, porque é uma coisa tão nossa!

O corpo é a nossa expressão máxima de individualização e de limitação, bem ou mal, não sobrevivemos sem ele, bem ou mal, pertencemos a um corpo. No corpo temos nossa história, no corpo temos nossas mazelas, no corpo temos nossas cicatrizes e tudo isso se limita a um corpo!

J. K. Rowling seria transfóbica? Ou apenas se referia a sua experiência de corpo? Há muito, a comunidade LGBT, em prol das letrinhas do alfabeto sem fim, aboliu, ou pelo menos tenta, o termo homofobia para um neologismo de maior visibilidade: gayfobia, bifobia, transfobia, etc. J. K. Rowling milita para que o termo mulher não seja abolido e nisso não há problema algum. Isso não faz ser a escritora homofóbica ou contra a comunidade transsexual.

Todos nós temos a experiência de corpo, porque temos um corpo que nos individualiza, o homem transsexual nasceu mulher, teve parte de sua história como mulher e mesmo que não tenha se ajustado em sua história com seu corpo, vindo a transicionar, o passado não pode ser eliminado de sua história, enquanto indivíduo que chega até essa fase. Isso pertence a ele, é a história dele, faz parte dele, enquanto indivíduo transsexual. Rowling chega a ensaiar tal pensamento quando diz: "Se sexo não é real, não existe atração entre pessoas do mesmo sexo. Se sexo não é real, a realidade vivida por mulheres ao redor do mundo é apagada. Conheço e amo pessoas trans, mas apagar o conceito de sexo remove a habilidade de muitos discutirem suas vidas de forma significativa. Não é ódio dizer a verdade".

O autor do artigo: PESSOAS QUE MENSTRUAM foi preconceituoso ao contrário de inclusivo, ao excluir os termos de visibilidade “mulheres e homens trans” do ensaio. A comunidade LGBT não pode se assentar em torpeza alheia para justificar a sua própria, é da comunidade LGBT a militância para que essas letrinhas não tenham limites na história do alfabeto em prol da “inclusão e visibilidade”, assim o termo LGBT perde-se em letras várias: LGBTQ+Y- XZWK… agora essa mesma comunidade vem atacar uma pessoa que pede que o termo mulher não seja suprimido de um artigo, em que parte está a coerência dos LGBTs na crítica a essa mulher?

Ouçam o que a pessoa diz: "Respeito o direito de todas as pessoas trans de viverem da maneira que lhes pareça autêntica e mais confortável. Protestaria com vocês se vocês fossem discriminados por serem trans. Ao mesmo tempo, minha vida foi moldada pelo fato de eu ser mulher. Não acredito que seja odioso dizer isso".

Antes de chegar a conclusão de que Rowling está advogando que a identidade de gênero de uma pessoa é exclusivamente definida pelo sexo biológico, tem que se ler, obrigatoriamente, o que ela está dizendo, e o que ela diz é: NÃO EXCLUAM O TERMO MULHER DA HISTÓRIA. Não é ódio dizer isso, mas apenas assumir que ao se ter um copro se tem uma história com esse corpo! Essa história não pode ser suprimida, apagada, esquecida, ou como se nunca tenha existido só por que A ou B transicionaram e ganharam uma nova carteira de identidade, um novo registro, a história pregressa não é sucumbida pela nova fase, mas faz parte dela, faz parte do indivíduo que a vivenciou e não há nada de mal nisso, não faz com que a pessoa seja mais verdadeira do que a outra em sua existência.

Tenha o corpo- habeas corpus- mas antes de tudo: TENHA A SUA HISTÓRIA!

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Homem feminista? Repensando



O Deus Forseti, movimento de homens e a imagem da igualdade como meta




por João Marinho



Por muitos anos, eu me considerei um homem feminista, como até já postei várias vezes aqui e em textos meus.

Afinal, sempre fui a favor da igualdade de condições entre homens e mulheres – desde criança, como minhas irmãs podem atestar.

No entanto, tenho repensado essa classificação.

Na semana passada, tivemos eu e meu amigo, Ricardo, uma experiência péssima com mulheres feministas na discussão sobre os vagões exclusivos para mulheres que querem os políticos implantar no metrô de São Paulo.

Tratava-se de um evento das feministas contra a implantação, e, embora eu concordasse com isso desde o começo, e o Ricardo, posteriormente, logo fomos acusados de coisas nada agradáveis.

Ricardo, verdade seja dita, é muito mais feminista que eu. Embora, a princípio, discordasse das mulheres do manifesto contra a implantação dos vagões, sempre escreveu a partir de uma visão feminista e do direito e bem-estar das mulheres.

Eu não.

Estava defendendo outros valores, entre eles a injustiça de considerar qualquer homem um abusador/estuprador em potencial apenas por ser homem e por prevenção (Minority Report?) e ainda reduzir, para nós, a oferta de um serviço público pela metade (mantendo o mesmo custo).

As acusações? De estarmos fazendo "mansplaining" até sermos parte dos opressores apenas porque somos homens.

Argumentei que era impossível que nos colocassem nessa posição, não apenas por nosso histórico, mas também por nossa própria condição de gays. Afinal, que "opressores" são esses que se assumem e são demitidos, levam lampadada na rua se demonstram seu amor, são expulsos de casa por suas famílias (mesmo suas mães) e são mortos ou presos apenas por serem quem são em mais de 80 países?

Algumas concordaram comigo, mas as mais radicais deletaram tudo, em represália. Outro amigo meu teve experiência similar.

Ocorreu-me, então, que eu talvez não seja, afinal, feminista. Isso porque o que defendo é uma igualdade de condições e, eventualmente, para atingi-la, a necessidade de leis diferenciadas para contrapor desvantagens prévias ou impostas.

Essa posição, muitas vezes, me fará estar ao lado das feministas... Mas, muitas vezes, me fará estar em oposição a elas – e não para "reafirmar o poder do macho", como faz um machista.

No entanto, como não posso sair e deixar meu gênero, minha identidade de gênero, minha cissexualidade e minha orientação sexual em casa, sempre vou me colocar contra qualquer pauta que represente para mim, enquanto homem gay, algo que considero injusto ou a inclusão em um grupo que perde direitos quando o meu grupo sequer os atingiu todos. Ser homem e ser gay significa defender meus interesses como tal, um direito que me assiste.

Por isso, por exemplo, sou contra aposentadoria diferenciada para mulheres e homens. Contra licença-maternidade e paternidade diferenciadas apenas pelo sexo do pai/mãe (proponho a licença-parentalidade flexível, uma estendida e outra reduzida) e contra a Lei Maria da Penha não estar escrita em termos jurídicos neutros.

Por quê? Porque os argumentos que usam para justificar esses desníveis não me concernem e não me incluem enquanto homem gay. Enquanto homem gay, jamais contribuirei para a "dupla jornada" feminina e não vejo razão para que eu seja responsabilizado se parte dos héteros não encontram arranjos mais igualitários em seus casamentos; sou a favor da igualdade de salários e vencimentos, mas discordo que deva ser resolvida na aposentadoria, especialmente colocando para trabalhar 5 anos a mais quem, estatisticamente, vive 5 anos a menos e, não raro, começa mais cedo; enquanto gay que deverá adotar com seu companheiro, considero injusto que não gozemos de uma licença similar e negociada para nossos rebentos; e, enquanto gay e sabendo de caso de violência doméstica em relação homoafetiva (e de violência em que a mulher é agressora), causa-me desconforto que esses casos tenham sido deixados fora da legislação positiva apenas por não serem majoritários.

Pelo que entendo, sobretudo para as feministas que consideram que "ter pênis = ser do mal", tais posições entram em conflito com as suas demandas.

Então, o que sou? As imagens de alguns Deuses me vieram à cabeça. Têmis, a titânide que segura a balança visando ao equilíbrio, mas sem a espada de sua filha Dice ou da romana Iustitia, foi uma: o equilíbrio sem violência, dosando as diferenças até a balança ficar horizontal – aliás, "equilíbrio" é uma palavra que inclui, em sua origem, a palavra latina para "balança": "libra".

No entanto, alguém poderia imaginar que automaticamente eu seria acusado de "roubar" uma imagem feminina, uma vez ser Têmis uma representação em forma de mulher.

Forseti, então, me pareceu mais adequado. Um Deus da mitologia nórdica, Forseti (c) também é identificado com a justiça naqueles povos antigos e da forma que me veio à cabeça.

Filho de Balder, um Deus de paz e muito amado, tanto a ponto de ser assassinado por Loki, e Nanna, Forseti é identificado com Fosite, dos frísios, e seu domínio era resolver querelas entre homens e deuses, promovendo a reconciliação. Ouvia ambos os lados com imparcialidade e seus julgamentos eram tão justos que jamais couberam correções. Mais aqui.

Uma imagem forte... E quem sabe não criamos nós outros uma palavra? Será que soa bem me definir como forsetista? Podia virar até um movimento de homens – e de homens gays...

sábado, 20 de julho de 2013

Machismo feminino

As mulheres, a religião, o machismo


por João Marinho

Sempre me perguntei por que as mulheres não são todas ateístas, ou não buscam sua religiosidade em credos que as valorizem, como os relacionados à bruxaria e ao Sagrado Feminino.

Nunca consegui compreender ao certo, por exemplo, mesmo quando eu era evangélico, por que existem mulheres evangélicas, que tão alegremente defendem a submissão feminina no casamento ou o uso do véu (como na Congregação Cristã no Brasil) e mesmo permitem que pastores preguem isso em suas cerimônias de união.

Nunca entendi por que há mulheres católicas, pois, mesmo sabendo que há Maria e as santas, não consigo compreender por que aceitam que a valorização seja dada pela virgindade (Maria era virgem) e participam de uma religião que lhes fecha as portas à liderança por causa de seu sexo.

Nunca compreendi por que há mulheres muçulmanas, que aceitam cobrir todo o corpo para manifestar sua "decência", mas não exigem dos homens a contrapartida dessa "decência": a de que o corpo da mulher não é "território livre" a ser explorado, mas que deve ser respeitado mesmo nu - e se contentam com uma religião que lhes "autoriza", na terra, a dividir seu marido com outras três, contra sua vontade; e, no Paraíso dos heróis, a admitir que o mesmo homem seja agraciado por 70 virgens - e ela?

Nunca entendi por que há mulheres machistas, que ensinam a seus filhos que chorar "não é para homem", que arrancam os cabelos ao vê-los brincando de boneca, mas festejam quando se tornam "pegadores" enquanto analisam milimetricamente o comprimento da saia de suas filhas.

Também sempre me perguntei por que há mulheres lesbofóbicas, bifóbicas e transfóbicas, quando lésbicas, mulheres bissexuais, travestis e mulheres trans tão-somente mostram que o feminino pode ser autossuficiente: seja na busca pelo prazer, sem a necessidade da contrapartida peniana; seja no fato de que o pênis, por si só, presente biologicamente em um corpo, não é suficiente para negar à pessoa esse mesmo feminino.

Nunca entendi por que há mulheres homofóbicas (ou, melhor dizendo, gayfóbicas), que se incomodam com "homens que se comportam como mulheres", sobretudo os efeminados - por que, afinal, o que há de tão errado com o feminino para que homens não possam assimilá-lo para si?

A história da norueguesa que denunciou um estupro em Dubai e acabou presa por indecência (http://tinyurl.com/le9c2bb) mostra bem o lugar reservado a elas em leis e costumes baseados em religiões tão machistas, tão masculinas e tão fechadas ao feminino, religiões que também condenam todas as sexualidades "desviantes" e "desviadas" - e não me venham dizer que "não tem nada a ver com religião", pois em um país majoritariamente islâmico e onde a ideia de laicidade é mais fraca, tem tudo a ver com isso, sim.

No entanto, não é só no Islã que vemos essas barbaridades. Hoje, o Ocidente ainda desrespeita muito suas mulheres, mas inegavelmente sua vida é mais fácil, ou menos difícil, e sofre menos interditos. No entanto, que esteja clara uma coisa: se isso aconteceu, a religião - cristã ou judaica - é a última a quem deve ser dado qualquer reconhecimento, posto que, enquanto pôde, resistiu às mudanças. Ainda resiste, e, via de regra, tenta revertê-las.

O feminismo muito ajudou em denunciar essa sociedade machista. Em lutar por direitos iguais - luta que está longe do fim. No entanto, nunca vamos chegar lá se as mulheres não perceberem que elas também contribuem para o estado machista das coisas. Há feministas que tratam todos os homens como inimigos e todas as mulheres como vítimas, quando há homens que apoiam os direitos femininos e mulheres que se esmeram em reproduzir o discurso antifeminino e misógino e ainda lutam pelo "direito a tê-lo" por "razões morais e religiosas".

Alguém há de argumentar que a dominação do patriarcado tomou conta do corpo e das mentes femininas de tal forma que elas assimilaram essas ideologias. Isso tem fundamento: percebemos isso até em gays homofóbicos. Os outsiders assimilam a ideologia dos estabelecidos e passam a concordar e estimular a própria segregação.

Isso, porém, não retira a parcela de responsabilidade que cabe a essas mulheres, assim como não retira a responsabilidade da homofobia nutrida por gays. Porque, se há uma coisa que aprendemos sobre liberdade é que ela não pode ser imposta. Não se pode obrigar alguém a ser livre. A liberdade tem de ser querida, desejada, almejada e, não raro, conquistada.

Eu me pergunto, inclusive, até que ponto o horror ao estupro não está ligado ao machismo de alguma forma, à ideologia do corpo dominado da mulher e sua valorização a partir da "pureza" e da "virgindade". O estupro seria, portanto, horrendo não apenas por atentar contra o corpo da mulher, mas por atentar contra sua "pureza", pré-exigida pelos machos em busca de parceira.

Não, não nego que o estupro seja um crime hediondo, à medida que atenta contra o corpo e a liberdade violentamente, mas sempre me chamou a atenção que fosse considerado menos grave ou inexistente quando a vítima fosse homem (supostamente "forte" e "dominante"), especialmente tendo a mulher como agressora, ou ainda fosse considerado menos grave ou inexistente quando supostamente oriundo de comportamentos permissivos por parte da mulher-vítima: se ela vai a um baile funk com roupas mais curtas e requebra-se no colo de um rapaz, é como se este "ganhasse" o direito de penetrá-la sem autorização.

Também sempre me chamou a atenção que o comportamento supostamente permissivo por parte da mulher, no usufruto de seu corpo, fosse considerado um diferencial para atestar sua imoralidade e sua impossibilidade de ser considerada vítima ou cidadã. A prostituta que não é explorada por cafetões e cafetinas e escolheu sua profissão não pode ser feliz na campanha do Ministério da Saúde, mesmo sendo tal campanha oriunda de oficinas com apoio de organizações de prostitutas e buscando o resgate de sua autoestima.

Voltando ao caso de Marte Deborah Dalelv, a norueguesa de 24 anos condenada em Dubai, que saiu de uma festa depois de ter bebido e, sob o efeito de álcool, foi estuprada e penetrada contra a vontade - e, após denunciar o crime, foi condenada por atentado à decência, ingestão de álcool e sexo antes do casamento -, me pergunto quantos homens... E mulheres... Ficariam ao lado dela se o sexo tivesse sido consentido.

Quantos e quantas defenderiam que é imoral condenar uma mulher que quis f*der antes do casamento (e uso essa expressão para não amenizar o aspecto tão carnal e visceral de um bom sexo), porque o corpo é dela? Ou será que notaríamos uma mudança no discurso, que passaria a condenar a mulher de olhos claros porque "evidentemente" teria desrespeitado os costumes de Dubai e deveria "ter se comportado"?

Eu aposto minhas fichas na segunda hipótese - e você? Se concordar comigo, havemos de chegar a um ponto comum: o fato de que tantas mulheres reproduzam esse discurso significa que precisamos, urgentemente, de uma Revolução Feminina.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Mulher é condenada a chibatadas por dirigir na Arábia Saudita, diz Anistia


Duas outras mulheres estariam enfrentando processos semelhantes.
Na prática, mulheres são proibidas de dirigir veículos no reino.



Um tribunal da Arábia Saudita sentenciou uma mulher local a dez chibatadas por desafiar a proibição de mulheres ao volante no reino, informou nesta terça-feira (27) a Anistia Internacional.
A sentença foi divulgada dois dias depois de o Rei Abdullah ter garantido às mulheres o direito de votar e concorrer nas eleições municipais.
Philip Luther, diretor regional da Anistia, criticou a punição "cruel" e disse que o reino muçulmano ainda precisa avançar nas "reformas" prometidas;
Duas outras mulheres estariam enfrentando processos relacionados à direção, segundo a Anistia.
Não há lei formal na Arábia Saudita proibindo as mulheres de dirigir, mas existe uma lei que exige que os cidadão tenham carteiras emitidas regionalmente. Como elas não são emitidas para mulhere, isso, na prática, as impede de dirigir.
Em maio, protestos tomaram o país, e algumas mulheres exigiram o direito de dirigir. A campanha ganhou as redes sociais.

Fonte: Globo.com

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Mulher, avó e HIV positivo

Aids: cresce participação de pacientes femininas com mais de 50 anos
Fernanda Aranda, iG São Paulo 18/01/2010 07:07


Ela seria avó em nove meses. O tricô e a cadeira de balanço pareciam destino certo. Mas a contagem regressiva nem havia começado e a mulher foi “catapultada” – termo adotado quando conta sua vida – para pensar em sexualidade, camisinha e aids.

Beatriz Pacheco, perto dos 50 anos, recebeu o diagnóstico da doença transmitida pelo sexo sem proteção. Casada, mãe, fiel. Em nada essas características pareciam combinar com o vírus HIV. Em vez da cadeira de balanço, ela foi para o fundo do poço.

A sensação de estar à margem do contágio faz com que mais mulheres como Beatriz dêem rosto para a epidemia de aids brasileira. Em 2000, a faixa etária “de 50 anos ou mais” correspondia a 8% dos novos casos femininos registrados no Brasil. Ano passado, dados parciais divulgados em novembro pelo Programa Nacional de DST/Aids mostraram que a parcela cresceu para 15%. O aumento porcentual foi ano a ano, incentivado por preconceito, falta de informação, a chegada de medicamentos para disfunção erétil – que reacenderam a vida sexual dos homens com mais de 50 – e até negligência médica.

“Nem mesmo os especialistas em saúde cogitam que suas pacientes podem ser infectadas pelo HIV, caso não saibam sobre prevenção”, afirma Maria Filomena Cernicchiaro, especialista do Centro de Referência e Treinamento em Aids (CRT) de São Paulo. Ela trabalha com a terceira idade e elenca tabu e medo de falar sobre um assunto praticamente inexistente durante a adolescência das senhoras como falhas repetidas até mesmo nos consultórios clínicos. “Poucos ginecologistas suspeitam de HIV após certa idade. Quase nenhum conversa com suas pacientes sobre isso”.

O câncer era HIV

Foi o que aconteceu com Beatriz Pacheco. Nenhuma resposta médica explicava seu quadro clínico. Até que o último exame desvendou o então quadro incompreensível. Não era câncer de pele, suspeita principal dos especialistas que visitou. Agora, era preciso dar a informação do resultado encontrado ao marido, amor de sua vida, que estava à espera do seu retorno. O diálogo começou com um telefonema. “Alô Carlos, eu tenho aids”, chorava Bia sem acreditar no que dizia ao marido e sem ter encontrado outra forma melhor de dizer.

Era o terceiro casamento de Bia e a tristeza da viuvez precoce, experimentada duas vezes, já nem era sentida tamanha felicidade no novo matrimônio, completo e sincero. Eram tão felizes, repetiam os que cercavam. Carlos após a ligação inesperada de Bia, no entanto, se transformou. Enfurecido, brigou, berrou e até desmaiou. Durante 30 dias, o casal que era exemplo de felicidade ficou sem trocar olhares, nem mesmo de rabo de olho. Ela se sentia culpada. Ele desconfiado.

Carlos fez todos os exames e o resultado dele para o HIV deu negativo. Bia, tudo indica, foi contaminada pelo vírus no segundo casamento. Aos poucos, o marido foi voltando ao normal. Agora, Bia estava mais tranqüila, mas sabia que era preciso enfrentar outros obstáculos. A sociedade, a moça do supermercado, a caixa do banco, os amigos dos filhos, os parentes distantes.

A reação temida por Bia já foi mapeada por pesquisas e, segundo o último estudo divulgado, se mostra como principal desafio do tratamento do vírus HIV hoje. Com o avanço da medicina, foi possível encontrar medicamentos poderosos para o tratamento da doença. A mortalidade caiu mais de 80% e as mortes colecionadas no início da epidemia, nos anos 80, saíram do cenário atual da aids. O preconceito, no entanto, resiste na cena.

Pesquisa Mundial de Informação à Saúde, encomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) teve o propósito de avaliar como estavam os portadores do vírus HIV 25 anos depois do início da epidemia. No recorte brasileiro do estudo foram entrevistados 1.206 pacientes. Quando as informações eram sobre a qualidade da saúde, 65% dos participantes classificaram como “ótima”, dez pontos a mais do que a média da população do País. Já quando o questionário focou nos impactos sociais trazidos pela infecção, 33% das soropositivas afirmam ter um grau muito intenso de tristeza por causa de preconceito, abandono, solidão e demissão do emprego. E mais: 47% somam a parcela dos que sofrem de depressão. Tudo isso fez o Ministério da Saúde lançar, em dezembro, o slogan “Com aids é possível viver. Com o preconceito, não”. A já então vovó Bia Pacheco, dez anos antes, havia encontrado o antídoto para a discriminação.

Sem vestir a carapuça

Bia e Carlos aos poucos foram voltando às boas. Um beijo aqui, outro ali, um abraço apertado. E a vontade de fazer às pazes “de forma plena” precisava passar pelo desafio de usar a camisinha. Ela não queria infectá-lo e ele queria amá-la. Os dois partiram para supermercados e farmácias. Aos 50 e poucos anos de idade, o “casalzinho 20” tinha a missão de encontrar o preservativo ideal. E como eles se divertiram experimentando!

Foi então que caiu a ficha. Bia Pacheco ativa, feliz, avó tinha o vírus HIV. Se em nada ela tinha de promíscua, drogada, safada porque é que tinha de vestir a carapuça e os estereótipos da aids? Começou a freqüentar grupos e palestras. Em todos, pedia para as mulheres e avós soropositivas levantarem os braços. Encontra muitas parecidas com ela.

As mulheres, casadas, com mais de 60 anos estavam nas estatísticas, conforme atestou pesquisa da Universidade Federal do Ceará, publicada na Revista Brasileira de Epidemiologia. Em análise feita em 107 casos entre 60 e 64 anos, os autores identificaram que o perfil majoritário de infectados era feminino e heterossexual. A mesma constatação foi feita em análise do Instituto de Infectologia Emílio Ribas. A ideia de que acima dos 60 anos a maioria seria de homossexuais e usuários de drogas injetáveis caiu por terra. Bia sabia de tudo isso. E para vencer o preconceito, decidiu “sair do armário”. A cara da aids não precisava mais ser de astros de rock, extremamente magros. Ela foi para o mundo.

Mulheres PositHIVas

Se uns tinham gripe, caxumba, catapora, sarampo, hepatite B, Bia Pacheco convivia com a aids. E começou a assumir a doença, sem culpa e sem fazer dela um propósito de vida. Organizou a ONG Mulheres PositHIVas para reunir pessoas parecidas com ela em uma só causa. Juntas, queriam levar conhecimento do vírus para outras mulheres e famílias que insistiam em não se considerar vulneráveis a um problema de saúde que pode estar em qualquer casa, basta não usar camisinha nas relações sexuais.

A linha tênue que vive Bia é para que a luta contra o preconceito não traga o efeito colateral da banalização da doença. No público mais jovem, já constatou o Ministério da Saúde, este problema ganhou destaque. Assim como os mais velhos, os mais novos têm resistência em encarar que podem ser contaminados pelo vírus e negligenciam o uso do preservativo. Entre 13 e 19 anos, os casos também estão em ascensão e nas palavras de Albertina Duarte Takeuti, coordenadora do Programa de Saúde do Adolescente de São Paulo, as meninas e meninos têm muito mais medo de uma gravidez indesejada do que do vírus HIV. Nesta faixa-etária, as garotas superam os garotos em números de novos casos e, por isso, foram escolhidas pelo Programa Nacional de DST/Aids para serem alvo da campanha contra doença no carnaval.

Coquetel na menopausa

Bia Pacheco, independentemente da idade, não quer novos casos da doença aconteçam. Hoje, aos 63 anos, ela lembra que passou a tomar o coquetel antirretroviral na mesma época em que os efeitos da menopausa chegaram. Equalizar as seqüelas dos fortes medicamentos com as outras drogas já ingeridas normalmente pelos idosos com os remédios necessários para tratar a aids é um dos principais desafios dos infectologistas que atendem pacientes dessa faixa etária.

Mas em caso de contaminação, Bia teme que a informação seja encarada como uma sentença de morte. “Não é”, repete com freqüência. Em 2010, ela – mãe de três filhos, avó de quatro netos – completa 13 anos de convivência com o vírus. Muito mais do que os seis meses de vida que deram para ela na época do diagnóstico. “Muitos dos que temeram que eu não sobreviveria, eu enterrei. Um deles, infelizmente, foi o Carlos que tanto amei e tanto me ajudou na luta contra a aids”.

Beatriz Pacheco esbanja vida, saúde e disponibilidade para viver mais anos. Apesar dos outros netos que vieram depois da primeira, bem na época do diagnóstico da doença, ela não reservou espaço para fazer tricô na cadeira de balanço. Gosta de ser uma avó moderna. E é. Ela nunca aceitou bem os estereótipos mesmo.