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domingo, 26 de janeiro de 2020

GOLEIRO BRUNO E CONDENAÇÃO PERPÉTUA: A FACETA PUNITIVISTA NA CONCEPÇÃO COMUM


 
Goleiro Bruno Fernandes, sua mulher, Ingrid Calheiros, e a filha do casal, de 2 anos, foram para praia de Cabo Frio (RJ) passar o Réveillon 2019/2020


Crime é todo o ato praticado que viola uma norma estabelecida em lei e a esse ato violado, pela lei, é imputado uma pena de reclusão ou detenção, podendo ainda haver multa.

Nas sociedades modernas, o Estado substitui a parte ofendida (vítima, família da vítima e sociedade), assumindo para si a ofensa e o direito-dever de punir o ofensor. Tal ação tem uma razão de ser, a punição não é encarada como vingança nua e crua, em que o transgressor tenha que receber em si o mesmo mal que praticou. Antes, a norma legal, legislada, abstrata, pune a conduta tida como lesiva: matar alguém; provocar lesão corporal em alguém; subtrair para si ou outrem coisa alheia, mediante violência ou grave ameaça...

Assim, a intenção é a desmotivação do ato criminoso por parte do agente e a inibição da reação dos particulares (vítima contra o agressor) de forma desproporcional, às vezes, superior à própria agressão cometida.

Isso acontece para se afastar do modelo de sociedade primitiva, em que uma determinada família, ou um clã de uma tribo, tinha o dever de matar o membro de uma unidade correspondente que havia praticado a ofensa. Era o caso da vingança particular. Entretanto, entre a lei de talião, os suplícios medievais e toda a história do Direito Penal, a humanização da pena é um freio à pretensão punitiva como forma de poder e tirania. Afinal, ainda que o crime seja de homicídio, há na pena imposta elementos que consideram a reprovabilidade do ato, a gravidade social, o sofrimento da vítima e todos os elementos suficientes para que se façam da pena cominada proporcional ao ato transgressor estabelecido pela lei, ao mesmo tempo que desmotiva o uso de suplícios, por exemplo, como forma de oprimir alguém indesejado.

Comumente, principalmente pelo desserviço de setores da mídia que lucram muito com as tragédias pessoais (afinal, as páginas policiais vendem), o Direito Penal vem sendo interpretado como esse meio de vingança particular e, quando não corresponde aos anseios punitivistas,  a sensação de impunidade difundida pelos veículos da imprensa sensacionalista toma sua forma no corpo social.

O caso do goleiro Bruno, em particular, torna-se emblemático. Há um sadismo por trás do grito de justiça, há uma sociopatia, uma perversão assombrosa, alçada em vozes feministas que tentam impedir o famigerado goleiro sua volta aos estádios.

É o caso da jornalista Jessica Senra, que viralizou nas redes, por protestar contra a contratação de Bruno pelo futebol do Fluminense de feira de Santana. Para a repórter o “FEMINICIDA” Bruno não deve voltar ao futebol, pois ele não pode se tornar ídolo.

Há um problema sério aqui, um não, vários: o primeiro vem pelo adjetivo feminicida, vejamos:

O Feminicídio passou a integrar o rol de crimes do código penal brasileiro em 09 de março de 2015, pela lei 13.104 que alterou o art. 121, § 2º, inciso IV; art. 121, § 2º-A, incisos I e II; art. 121, § 7º, incisos I, II e III. Entretanto, o crime atribuído ao goleiro Bruno contra Eliza Samudio teria ocorrido em 10 de junho de 2010.

O que isso significa?

Significa que a repórter, in comento, não pode, não tem esse direito de chamá-lo de feminicida, pois a sentença condenatória transitada em julgado o condenou pelo homicídio e não pelo feminicídio, figura penal que nem existia à época. Para alguém ser considerado feminicida há que se estabelecer se o crime praticado é por conta da condição de mulher, isso deve ficar reduzido a termo na sentença, não é o caso do Bruno, podendo ter havido, inclusive, calúnia contra o goleiro.  Afinal, não basta uma mulher ser assassinada para que o assassino seja caracterizado por feminicida, a vítima, no caso, tem que ter a vida subtraída pelo simples fato de ser mulher, tem que existir o preconceito dessa condição particular. Foi o caso do goleiro Bruno? Não! O tipo penal nem existia à época, não podendo, portanto, retroagir para atingi-lo. O que dirá da discussão em si, em que os elementos para o condená-lo, a tal espécie de crime, sequer foram debatidos.

Outros elementos mostram a perversidade social colocada como uma voz feminista, mas que descaracteriza totalmente o valor do feminismo e suas lutas por condições sociais de igualdade e lugar da mulher, na fala da jornalista Jessica Senra. É o caso, por exemplo, da distorção e contradição de seu discurso ao dizer: “Desejamos e precisamos que pessoas que cometem crimes tenham a possibilidade de refazer suas vidas. Mas diante de um crime tão bárbaro, tão cruel, poderíamos tolerar que o feminicida Bruno voltasse à posição de ídolo?”.

Em que pese o caráter hediondo, onde está na lei que aqueles que cometam tal espécie de crime não possam voltar ao convívio social? Mesmo que, no início da fala da repórter, ela “desejar” que pessoas que cometam crimes refaçam suas vidas, esse desejo é seletivo, à medida que: para alguns crimes essa possibilidade é plausível, para outros não. Uma contradição medonha que aponta para uma crueldade simpatizante: “olha, eu até acho que essas pessoas criminosas possam ser gente um dia, mas o Bruno não!”. É a fala do bandido bom é bandido morto mitigada aos valores da luta pelo empoderamento da mulher, descaracterizando essa luta em um ódio particular (afinal, Bruno não cometeu feminicídio) e preconceituoso.

Preconceito sim, Bruno é negro, nasceu em uma comunidade carente no município pobre de Ribeirão das Neves, é um alvo fácil desse extremismo social de eugenia cultural, explodido no Brasil, e camuflado no cotidiano, mas que ganha força no absconditus revelatus das redes sociais. É a mentalidade bolsonarista, distorcida, que faz mulheres votarem no Messias, mesmo que esse seja manifestadamente contra os direitos das mulheres. Ou a jornalista não sabe o que é, de fato, feminicídio?

O desejo da condenação perpétua àqueles que não estão no mesmo estrato social e cultural de determinada classe reina na concepção mediana, não importa se a voz venha de uma repórter ou apresentadora da Rede Globo de Televisão. É sensacionalismo punitivista, desde o início, em que Bruno ao defender um time sem expressividade alguma, possa vir se tornar novamente um ídolo nacional.

Entretanto, o mais duro: execrado por um feminicídio que não cometeu, talvez um homicídio, mas que não seria suficiente e legalmente capaz de impor a ele uma condenação perpétua. Mas que para a apresentadora da Globo é controle, é política de prevenção à criminalidade, camuflando seu preconceito intrínseco e transformando em uma voz aceitável aos holofotes populares, enquanto bate em “cachorro morto”, propaga seu fascismo sem dar direito ao outro de se explicar.

Essa é a faceta punitivista comum de uma sociedade que carece de representantes capazes de dizer o contrário. Estamos fadados aos imbecis que ganharam relevante voz.

domingo, 17 de dezembro de 2017

Guilherme de Pádua é pastor evangélico, prosseguir é preciso... é humano!



Guilherme de Pádua foi ordenado pastor evangélico em Belo Horizonte e esse fato revoltou muita gente. Geralmente, isso acontece quando algo inusitado golpeia os valores da moral social e Guilherme assim procedeu ao se envolver no assassinato de Daniella Perez, em 1992. Ele foi condenado por homicídio qualificado a cumprir uma pena de 19 anos e 06 meses de prisão.

Não é que o homicídio seja incomum em nossa sociedade; de onde ele vem, entretanto, o estrato social em que ele está ligado fere a expectativa ideológica de muitos, pois de determinado grupo de pessoas isso não é esperado, sendo algo inimaginável. De várias formas causa uma sensação de indignação profunda, um mal-estar insuperável, chocante!

Nesse momento, no Direito Penal, o papel idiossincrásico a esses sentimentos populares passa figurar contrário ao movimento de que é no outro, por haver escangalhado a ordem do bem, que a sede de sangue deva se concretizar. Há um limite contra a barbárie, afinal, caso não houvesse, os mesmos que se indignam seriam capazes de atos mais assombrosos e mesquinhos em nome da justiça. Franz Von Liszt[1] disse a célebre assertiva: “o Código Penal é a Carta Magna do delinquente”.  O espanto reside ao se deparar que o Direito Penal vem assegurar, àquele que se comportou contrário ao ordenamento jurídico, a sanção limitada pelas leis.

Assim, não é estranho que alguém tendo cumprido sua dívida com a sociedade venha prosseguir nela. Infelizmente, o ódio é eterno e aqueles que estiveram respondendo por condenações, no sistema prisional, carregam o estigma, a indiferença, a exclusão perene, desse sistema de valores de bem que advoga o poder de punir estatal como a máxima cega, preconceituosa e estúpida. Querem eles que esse poder punitivo venha ser um direito de punir sem justificativas, sem oposições, sem contraditório, para além do limite da pena.

Lamentavelmente, os exemplos que vêm da justiça federal de Curitiba e do Rio de Janeiro, com juízes midiáticos implorando por fotografias em tabloides, heróis nacionais com mão de ferro a cumprir o legado do bem e da moral,  acirram essa visão justiceira e empedernida do clamor da sociedade de bem, não permitindo que os seus pares prossigam. Querem, nos conceitos de austeridade desmedida, o controle social eficaz. Um puritanismo fundamentalista que faz do código normativo um livro religioso, em que juízes são deuses capazes de julgar, entre o céu e o inferno, o comportamento dos cidadãos. Extrapolam suas próprias funções por convicções motivadas em uma verdade relativa.

O erro reside no pensamento de que sempre é o outro passível das falhas, sempre é o outro o criminoso, o culpado,  enquanto nós não somos capazes dos mesmos atos. Criminologicamente, todos nós somos delinquentes em potencial.  E, na verdade, a reprovação dos atos delitivos configura, junto com a tipicidade e a ilicitude, o conceito de crime, contudo a pena cumprida esgota seu papel, mas o mesmo não ocorre com os rótulos impostos para aqueles que figuraram na condição de apenados.  A culpabilidade segue seu legado ceifador, pois sempre é o outro o passível do meu desprezo, ainda que eu seja igual a ele.

Obviamente que toda essa celeuma revela um pouco mais do sentimento repressivo que as políticas criminais vêm ganhando nos últimos anos. Entretanto, não é só isso. A total indiferença da sociedade com aqueles que são encarcerados, o preconceito e condição marginalizada, a falta de informação, fazem deles os eternos vilões do imaginário popular, a válvula de escape das mazelas, das frustrações da vida comunitária.

Guilherme de Pádua virou pastor evangélico, cumpriu sua dívida para com o Estado, isso não é motivo de indignação. Prosseguir é preciso, é humano! Que a igreja para ele continue a exercer esse papel de coerção social informal e que a repressão social, para nós, não seja a resposta imediata, estúpida, incoerente, irracional, dada como forma de combate à delinquência.



[1] Franz Von Liszt nascido em 2 de Março de 1851, em Viena, na Áustria e falecido a 21 de Junho de 1919, em Seeheim, Áustria. Advogado austríaco, especialista em Direito Internacional e Direito Penal.