segunda-feira, 29 de maio de 2017

Adão e Ivo, uma variante possível!




O desejo travesti de Adão

por: Renato Hoffmann

Certa vez, eu conversava com um professor de Letras, da UFMG, momento em que me surpreendi com o olhar sobre o personagem Frankenstein, da escritora romântica, inglesa, Mary Shelley. Na ocasião, o professor   relacionou-o como o primeiro travesti da história da literatura. A analogia usada, em tom de poesia, foi muito curiosa, significativa, além de bela e provocativa. De forma contemporânea, claro, sem se dar ao método de uma exposição acadêmica, contudo de uma riqueza inenarrável.

Vez ou outra, escutamos por aí que: “Deus criou Adão e Eva e não Adão e Ivo”, assim sendo, os favoráveis a esse argumento concluem:  “esse mesmo Deus não é a favor da homossexualidade, pois, se fosse, ele teria criado o homem para o homem, a mulher para a mulher e não a mulher para o homem”.
                     
Ora, sabemos que a Bíblia não fala literalmente em um Adão, não o estabelece como um único homem criado. A expressão hebraica para Adão, no sentido amplo, é Adamah: terra, solo, chão fértil e significa, na essência, HUMANIDADE, aquilo que pode ser cultivado, modelado. Há quem diga de solo vermelho. O termo é diferente de eres, que significa terra em oposição ao céu, ao mar, terra matéria, substância, há vários outros sentidos como o político: delimitação de domínio de um clã, de uma tribo, o geográfico: fronteiras, terras delimitadas, regiões.


A narrativa da revelação nos diz que Deus criou o ser humano (´adam) com o solo vermelho, fértil, cultivável (´adamah). Nesse momento não há distinção de gênero; Deus cria a humanidade, ou o ADAMAH.

Filosoficamente o Ser é só, é próprio que o homem viva a solidão, contudo,  ele só se dá conta de sua condição, quando ao seu semelhante percebe e não consegue transpor-se nele, no outro. Assim, o Ser é o que é, e o outro continuará sendo o que é, um sem se transpor no outro, cada um sendo indivíduo de si mesmo. Jean- Paul Sartre dirá nessa perspectiva que o outro é o inferno (o inferno é o outro).

A narrativa bíblica diz que Deus viu que o homem estava só e resolveu criar para ele uma companheira, assim Adão caiu em um profundo sono. Ora, se em um primeiro momento a narrativa fala de uma humanidade, bem certo que os gêneros nela já estejam definidos (mas não distintos), o escritor eloísta, em sua teodiceia, resolve explicar esse sentimento VAZIO do Ser, dando a ele uma companheira. Essa companheira nada mais seria do que o sonho de Adão. Adão sonha consigo mesmo (o sujeito sempre fala de si), Eva, nada mais é do que o desejo de Ser do próprio Adão. Eva é o Adão travestido nas escrituras, é tudo aquilo que o ADÃO não tem coragem de ser, assumindo-se em si mesmo... Eva é a mulher do fruto proibido, da desobediência: é o Adão se libertando do jugo de ser macho e se vendo feminino, percebendo-se delicado, passivo, histérico. Na narrativa ele dorme, enquanto é moldado em si mesmo, enquanto perde a vara, para receber o varão. E nisso Adão se compraz!

Adão e Eva, Ivo e Eva, Adão e Ivo nada mais é, nas escrituras, do que o desejo travesti de Adão.