domingo, 17 de dezembro de 2017

Guilherme de Pádua é pastor evangélico, prosseguir é preciso... é humano!



Guilherme de Pádua foi ordenado pastor evangélico em Belo Horizonte e esse fato revoltou muita gente. Geralmente, isso acontece quando algo inusitado golpeia os valores da moral social e Guilherme assim procedeu ao se envolver no assassinato de Daniella Perez, em 1992. Ele foi condenado por homicídio qualificado a cumprir uma pena de 19 anos e 06 meses de prisão.

Não é que o homicídio seja incomum em nossa sociedade; de onde ele vem, entretanto, o estrato social em que ele está ligado fere a expectativa ideológica de muitos, pois de determinado grupo de pessoas isso não é esperado, sendo algo inimaginável. De várias formas causa uma sensação de indignação profunda, um mal-estar insuperável, chocante!

Nesse momento, no Direito Penal, o papel idiossincrásico a esses sentimentos populares passa figurar contrário ao movimento de que é no outro, por haver escangalhado a ordem do bem, que a sede de sangue deva se concretizar. Há um limite contra a barbárie, afinal, caso não houvesse, os mesmos que se indignam seriam capazes de atos mais assombrosos e mesquinhos em nome da justiça. Franz Von Liszt[1] disse a célebre assertiva: “o Código Penal é a Carta Magna do delinquente”.  O espanto reside ao se deparar que o Direito Penal vem assegurar, àquele que se comportou contrário ao ordenamento jurídico, a sanção limitada pelas leis.

Assim, não é estranho que alguém tendo cumprido sua dívida com a sociedade venha prosseguir nela. Infelizmente, o ódio é eterno e aqueles que estiveram respondendo por condenações, no sistema prisional, carregam o estigma, a indiferença, a exclusão perene, desse sistema de valores de bem que advoga o poder de punir estatal como a máxima cega, preconceituosa e estúpida. Querem eles que esse poder punitivo venha ser um direito de punir sem justificativas, sem oposições, sem contraditório, para além do limite da pena.

Lamentavelmente, os exemplos que vêm da justiça federal de Curitiba e do Rio de Janeiro, com juízes midiáticos implorando por fotografias em tabloides, heróis nacionais com mão de ferro a cumprir o legado do bem e da moral,  acirram essa visão justiceira e empedernida do clamor da sociedade de bem, não permitindo que os seus pares prossigam. Querem, nos conceitos de austeridade desmedida, o controle social eficaz. Um puritanismo fundamentalista que faz do código normativo um livro religioso, em que juízes são deuses capazes de julgar, entre o céu e o inferno, o comportamento dos cidadãos. Extrapolam suas próprias funções por convicções motivadas em uma verdade relativa.

O erro reside no pensamento de que sempre é o outro passível das falhas, sempre é o outro o criminoso, o culpado,  enquanto nós não somos capazes dos mesmos atos. Criminologicamente, todos nós somos delinquentes em potencial.  E, na verdade, a reprovação dos atos delitivos configura, junto com a tipicidade e a ilicitude, o conceito de crime, contudo a pena cumprida esgota seu papel, mas o mesmo não ocorre com os rótulos impostos para aqueles que figuraram na condição de apenados.  A culpabilidade segue seu legado ceifador, pois sempre é o outro o passível do meu desprezo, ainda que eu seja igual a ele.

Obviamente que toda essa celeuma revela um pouco mais do sentimento repressivo que as políticas criminais vêm ganhando nos últimos anos. Entretanto, não é só isso. A total indiferença da sociedade com aqueles que são encarcerados, o preconceito e condição marginalizada, a falta de informação, fazem deles os eternos vilões do imaginário popular, a válvula de escape das mazelas, das frustrações da vida comunitária.

Guilherme de Pádua virou pastor evangélico, cumpriu sua dívida para com o Estado, isso não é motivo de indignação. Prosseguir é preciso, é humano! Que a igreja para ele continue a exercer esse papel de coerção social informal e que a repressão social, para nós, não seja a resposta imediata, estúpida, incoerente, irracional, dada como forma de combate à delinquência.



[1] Franz Von Liszt nascido em 2 de Março de 1851, em Viena, na Áustria e falecido a 21 de Junho de 1919, em Seeheim, Áustria. Advogado austríaco, especialista em Direito Internacional e Direito Penal.