sábado, 25 de fevereiro de 2012

Índio da Costa e o jovem gay no banheiro do cinema


*Por Bruno Bimbi

Índio da Costa
 homem que quis ser vice-presidente do Brasil nas últimas eleições chegou sozinho, vestindo paletó e camisa e, depois de beijar umas senhoras que se aproximaram para cumprimentá-lo, caminhou apressado até o banheiro do cinema, no shopping do Leblon, bairro chique da zona sul do Rio de Janeiro. Após urinar, foi lavar as mãos e, a seu lado, um jovem negro de camiseta branca ajustada ao corpo e boné cinza virado para trás olhou para ele e lhe perguntou:

— Você é o Índio da Costa, né?

— Sim — respondeu o ex-deputado e ex-companheiro de chapa de José Serra, político tucano que perdeu duas vezes o segundo turno presidencial: uma para Lula em 2002, e outra para Dilma, em 2010. Depois da última derrota eleitoral com Serra, Índio da Costa deixou o partido de direita no qual militava, de oposição, e ingressou numa nova força política que se diz “nem de direita nem de esquerda” e se aproxima cada vez mais do oficialismo. Nas eleições municipais deste ano, no Rio, apoiará o mesmo candidato de Dilma, o atual prefeito Eduardo Paes, que busca a reeleição.

— Prazer — disse o político, depois de secar as mãos com uma toalha de papel e estender a direita para cumprimentar seu interlocutor.

— O prazer é meu, meu nome é S. — respondeu o rapaz, acrescentando: — Gostaria de dizer uma coisa. Sou gay e estou muito enojado com os acordos que você fez durante a campanha com os pastores que pregam o ódio contra os homossexuais. Você sabia que, graças ao discurso desses caras com os quais vocês negociam votos e apoio político, há pessoas como eu que são assassinadas todos os dias neste país? — indagou, fitando-o nos olhos. Os seus brilhavam — Tem consciência dos danos que vocês provocam? Sabe por acaso quanta gente tem a vida arruinada por causa disso?

(Durante a campanha, da Costa se reuniu com líderes das igrejas neopentecostais fundamentalistas e lhes prometeu que, se Serra ganhasse as eleições, não permitiria a aprovação do projeto de lei de combate à homofobia que tramita no Congresso há anos, bloqueado pela bancada evangélica. Posteriormente, quando os jornais publicaram o conteúdo da reunião, ele desmentiu mas não integralmente, como se costuma fazer nestes casos, com declarações ambíguas. Vale recordar que Dilma fez algo bem parecido. Mas a campanha de Serra e seu companheiro usou os direitos dos homossexuais e o direito ao aborto como eixos de uma investida suja contra sua adversária, chegando a apelidá-la de “assassina de crianças”, com o respaldo de grupos religiosos fundamentalistas).

— Não sou homofóbico, pode ter certeza. Vocês deveriam preocupar-se com os evangélicos e não tanto com os políticos — respondeu o ex-candidato a vice-presidente.

— Claro que nos preocupamos. Mas vocês fazem acordos com eles, por exemplo com o pastor Malafaia. Vocês lhes dão espaço político e visibilidade e deixam que essa gente defina o discurso de seus partidos contra nossos direitos e nossa dignidade enquanto seres humanos. Vocês aceitam o apoio desses pastores na campanha e os fazem subir ao palco em seus atos públicos…


Silas Malafaia, pastor evangélico, referência do setor mais extremista da Assembleia de Deus, raivosamente obcecado com os gays, a ponto de pedir em seu programa de televisão que se bata neles — algo que aliás acontece com frequência — e compara as relações homossexuais à zoofilia e à necrofilia. Nas últimas eleições, apoiou Serra publicamente e participou de um de seus spots de campanha).

— Você sabe que esses pastores representam uma parte importante do eleitorado —justificou-se o político.

— Estima-se que 30% dos brasileiros sejam evangélicos, mas os outros 70% não são, e Malafaia não representa todos os evangélicos. Representa um pequeno grupo extremista, homofóbico e antidemocrático, que afirma que nós, gays, temos que morrer ou sermos agredidos na rua. E vocês lhe dão espaço. Superestimam sua força, acham que precisam dele, mas na realidade é ele que precisa de vocês para ter mais poder e influência. Graças a vocês, ele pode participar de uma campanha eleitoral e divulgar seu discurso, e pode até colocar pessoas de sua confiança nas listas de candidatos.

— Malafaia investe muito em marketing e na mídia. Isso lhe dá muito peso…

O ex-candidato começou a andar pelo banheiro e foi abrindo, uma por uma, as portas de todas as cabines para certificar-se de que não havia ninguém.

— O que você está fazendo? — perguntou-lhe o jovem.

— Esta cidade está cheia de jornalistas! Queria estar seguro de que estamos sós, para poder falar com tranquilidade — disse, mas, com certeza, suas precauções não foram suficientes.

— O que quero dizer é o seguinte — continuou S. — você não é ingênuo. Você é um quadro político. E conhece bem as consequências de suas decisões. Cara, você poderia ser vice-presidente, quase chegou lá! Não é possível você  me dizer o que está dizendo. Que tipo de responsabilidade você tem? Enquanto fala do marketing e dos votos de Malafaia, eles nos matam! A cada dois dias um gay é assassinado neste país. A cada dois dias! Esse é o efeito do discurso homofóbico que estes caras, aliados teus, que pedem o voto em você, ajudam a disseminar.

— Não sou homofóbico. No meu partido há muitos gays. Alguns não se assumem por uma questão política, mas dentro do partido, isso não é problema.

— Você entrou neste partido há bem pouco tempo. Você militou a vida toda em um partido que é super homofóbico, um dos mais homofóbicos…

(Da Costa milita no recém-criado PSD - Partido Social Democrático, liderado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Mas sua carreira política começou no PFL - Partido da Frente Liberal e continuou, até há pouco tempo, no DEM — herdeiro do PFL. Foi esse partido, curiosamente chamado de Democratas, que postulou a vice-presidência, provocando uma crise na coalizão que apoiava Serra, já que o candidato presidencial tinha preferência por outro vice).

— … Serra e você receberam apoio dos pastores mais fundamentalistas. Eles dizem barbaridades terríveis sobre os gays e buscam incidir politicamente contra nossos direitos — continuou reclamando o jovem —. Como candidato, você poderia ter se manifestado contra isso, se você não fosse realmente homofóbico. Poderia ter colocado um limite. Dizer a eles: se querem participar da minha campanha, nada de discursos racistas, homofóbicos ou que ofendam uma parte da população. Poderia ter impulsionado um pacto de não agressão entre os demais candidatos com relação à temática gay, para que esta não fosse usada como arma política. Se vocês correm pela direita para disputar o voto evangélico, competem entre si para ver quem é mais homofóbico, e quem sai perdendo somos nós. Você não tem ideia do quanto você ferra a vida de pessoas como eu, que nunca te fez nada de mal. Para ganhar uma eleição, você caga em mim!

— Mas o que você tá dizendo é impossível. Não se pode fazer pactos de não agressão com tipos como Garotinho. Isso não existe…

(Anthony Garotinho, pastor evangélico ultra homofóbico e ex-governador do Rio de Janeiro, condenado pela justiça federal por associação ilícita com um ex-delegado de polícia que foi indiciado como chefe de uma máfia formada por agentes de segurança, ficou livre ao trocar dois anos e meio de prisão por trabalho comunitário e foi, apesar de tudo, o segundo candidato a deputado mais votado nas últimas eleições em todo o país, atrás apenas do palhaço Tiririca, que concorreu em São Paulo pelo mesmo partido, o PR. Apoiou Dilma, que não quis aparecer ao lado dele, mas mesmo assim aceitou o seu apoio).



— Eu creio que, sim, é possível! Se um cara como você, candidato a vice-presidente pela oposição, se animasse a colocar este debate... Mas você não faz isso. Então, por especulação política, vão continuar nos ferrando. Será que não significa nada que nos matem nas ruas, que nos agridam, que os pastores apoiadores da sua campanha nos insultem pela televisão? Não é possível que você não perceba o estrago que vocês causam!

O político chegou à conclusão de que a conversa tinha chegado ao fim.

— Foi um prazer te conhecer—disse, tentando ser simpático. Estendeu a mão ao jovem e se retirou do cinema.

S. também saiu do banheiro. Seu namorado e um amigo o esperavam para ir ver o último filme de Clint Eastwood sobre a vida de J. Edgar Hoover, com Leonardo Di Caprio no papel principal (muito bom, diga-se de passagem).

— Por que demorou tanto? Tava transando com ele no banheiro? — perguntou-lhe o amigo, diante do namorado que ria.

— Não. Olhei bem nos olhos dele e disse tudo o que estava entalado na minha garganta e estava com vontade de lhe dizer.
______
(*) O jornalista argentino gay Bruno Bimbi é escritor e mestrando em Letras no Rio de Janeiro onde reside atualmente.

Traduzido do original em espanhol por Lula Ramires (lularamires@terra.com.br)


Originalmente publicado em Tod@s: http://blogs.tn.com.ar/todxs/2012/02/17/indio_da_costa/




2 comentários:

  1. Sou Pastor (doutor em teologia) e sou gay. Defendo a ideia de que Deus nunca definiu algum tipo de restrição à homossexualidade. Leituras homofóbicas trazem prejuízo à Palavra de Deus. Devemos pregar o amor incondicional à todas as pessoas e não nos deixar atingir pelos preconceitos. Devemos nos juntar às pessoas que nos amam.

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