sábado, 26 de agosto de 2017

A desconstrução da homofobia



Quando Umberto Eco disse que as rededes sociais deram voz aos imbecis, ele resumiu como os 17 primeiros anos do século XXI estão nos desafiando a selecionar o que permitimos chegar através delas a nós. É impressionante como devaneios pessoais, que outrora não passariam de meras esquisitices, ganham ares de intelectualidade e verdade.

Não é sem razão que: os Bolsonaros transformaram-se em mitos, Olavo de Carvalho é dito filósofo, Danilo Gentilli encarado como intelectual... Tempos estranhos, em que o idiota da pequena aldeia consegue viralizar seu ódio pessoal e contaminar milhões.

Na tendência desse início de século, algumas coisas estranhas também acontecem dentro da comunidade LGBT, entretanto, para a surpresa de muitos, a fórmula viral é antiga e a Inglaterra, dela se utilizando, conseguiu jogar árabes contra judeus, ocidente contra oriente.

Na cupidez da inclusão e visibilidade, houve o intento de dar forma a todos os representantes do acrônimo LGBT, sem embargo, penso que a iniciativa é fantástica, afinal, somos uma diversidade conceitual, construindo uma identidade social diferente da imposta pelo modelo heteronormativo. Assim, o nosso modelo é conceituado a partir de nós mesmos, de nossos significados, significantes e orgulho. Foucault já nos dizia isso: inventarmos o nosso jeito de ser homossexuais.  

O tiro no pé de toda essa empreitada veio por aquilo que dentre séculos tem sido a coisa mais sofrível para nós: a homofobia, ou melhor, a desconstrução dela. É modismo no meio reclassificá-la, relativizá-la, dizer dela com outros parâmetros, tudo em nome de uma tendência não refletida, o social, a visibilidade fluída. Tendência perigosa, ardilosa, sorrateira, que faz o preconceito sofrido pela lésbica, homofobia, ganhar o nome de lesbofobia; que faz o preconceito sofrido pelo gay, homofobia, ganhar o nome de gayfobia; que faz o preconceito sofrido pelo bissexual, homofobia, ganhar o nome de bifobia; que faz o preconceito sofrido pela transexual, homofobia, ganhar o nome de transfobia e por aí vai. Qualquer preconceito sofrido por um homossexual, hoje, ele pega, insere dentro da letrinha do acrônimo que se acha representado e diz: “é “X” fobia, ao invés de se enxergar no todo, naquilo que de fato ele é, naquilo que de fato o preconceito lançado contra ele é.

Pode não parecer, a comunidade LGBT talvez ainda não tenha percebido, mas essa visibilidade particular de grupos destrói o consenso, a unidade, enfraquece o movimento como todo. Eu sinto orgulho de ser homossexual, pois eu sou gay, assim todos na comunidade LGBT devem sentir orgulho de ser homossexuais. O preconceito que advém contra nós é pelo fato de sermos atraídos pelo mesmo sexo, não importa qual seja a letra que nos abrace no acrônimo.

Ter movimentos próprios dentro da comunidade é fantástico, mas esses movimentos não podem se encher de “nacionalismos”, fechando-se em seus próprios círculos. Afinal, uma lésbica não é mais homossexual do que um bi, do que uma trans e vice e versa.

A Inglaterra destruiu o império Otomano por acentuar as particularidades das nacionalidades que compunham tal império em demérito do todo. As consequências de tais ações foram: a queda do império, a guerra sem fim dos árabes contra os judeus, a guerra do “Estado Islâmico” contra o ocidente. Ódios plantados pelos ingleses nos séculos XIX e XX, que hoje em dia resvalam em nós.

Dessa forma, quando Mara Maravilha fala de Adão e Ivo na TV, a fala dela não é transfóbica. A fala dela é homofóbica, pois diz do desejo de pessoas que têm o mesmo sexo se relacionarem, coabitarem, constituírem família e terem seus direitos reconhecidos.

É fantástico que todos tenham visibilidade dentro da comunidade LGBT, que todos tenham representações e voz, mas em hipótese alguma essa visibilidade pode ser feita na desconstrução da homofobia, pois ela é real, epistemológica e sua relativização pode nos custar direitos e garantias, pode alimentar o ódio de grupos, contra outros, dentro da própria comunidade.

Nossa primeira identidade é sermos homossexuais, nosso primeiro orgulho é de sermos homossexuais, nosso primeiro preconceito é por sermos homossexuais e aquilo que sofremos na sociedade é HOMOFOBIA.


De resto, são as redes sociais, dando vozes aos idiotas como se fossem idôneos, ou tivessem conquistado algum premio Nobel.