Quando
Umberto Eco disse que as rededes sociais deram voz aos imbecis, ele resumiu
como os 17 primeiros anos do século XXI estão nos desafiando a selecionar o que
permitimos chegar através delas a nós. É impressionante como devaneios
pessoais, que outrora não passariam de meras esquisitices, ganham ares de
intelectualidade e verdade.
Não
é sem razão que: os Bolsonaros transformaram-se em mitos, Olavo de Carvalho é
dito filósofo, Danilo Gentilli encarado como intelectual... Tempos estranhos,
em que o idiota da pequena aldeia consegue viralizar seu ódio pessoal e
contaminar milhões.
Na
tendência desse início de século, algumas coisas estranhas também acontecem
dentro da comunidade LGBT, entretanto, para a surpresa de muitos, a fórmula
viral é antiga e a Inglaterra, dela se utilizando, conseguiu jogar árabes
contra judeus, ocidente contra oriente.
Na
cupidez da inclusão e visibilidade, houve o intento de dar forma a todos os
representantes do acrônimo LGBT, sem embargo, penso que a iniciativa é
fantástica, afinal, somos uma diversidade conceitual, construindo uma
identidade social diferente da imposta pelo modelo heteronormativo. Assim, o
nosso modelo é conceituado a partir de nós mesmos, de nossos significados,
significantes e orgulho. Foucault já nos dizia isso: inventarmos o nosso jeito
de ser homossexuais.
O
tiro no pé de toda essa empreitada veio por aquilo que dentre séculos tem sido
a coisa mais sofrível para nós: a homofobia, ou melhor, a desconstrução dela. É
modismo no meio reclassificá-la, relativizá-la, dizer dela com outros parâmetros,
tudo em nome de uma tendência não refletida, o social, a visibilidade fluída.
Tendência perigosa, ardilosa, sorrateira, que faz o preconceito sofrido pela
lésbica, homofobia, ganhar
o nome de lesbofobia; que faz o preconceito sofrido pelo gay, homofobia,
ganhar o nome de gayfobia; que faz o preconceito sofrido pelo bissexual, homofobia,
ganhar o nome de bifobia; que faz o preconceito sofrido pela transexual, homofobia,
ganhar o nome de transfobia e por aí vai. Qualquer preconceito sofrido por um
homossexual, hoje, ele pega, insere dentro da letrinha do acrônimo que se
acha representado e diz: “é “X” fobia, ao invés de se enxergar no todo, naquilo
que de fato ele é, naquilo que de fato o preconceito lançado contra ele é.
Pode
não parecer, a comunidade LGBT talvez ainda não tenha percebido, mas essa
visibilidade particular de grupos destrói o consenso, a unidade, enfraquece o
movimento como todo. Eu sinto orgulho de ser homossexual, pois eu sou gay,
assim todos na comunidade LGBT devem sentir orgulho de ser homossexuais. O preconceito
que advém contra nós é pelo fato de sermos atraídos pelo mesmo sexo, não
importa qual seja a letra que nos abrace no acrônimo.
Ter
movimentos próprios dentro da comunidade é fantástico, mas esses movimentos não
podem se encher de “nacionalismos”, fechando-se em seus próprios círculos.
Afinal, uma lésbica não é mais homossexual do que um bi, do que uma trans e
vice e versa.
A
Inglaterra destruiu o império Otomano por acentuar as particularidades das
nacionalidades que compunham tal império em demérito do todo. As consequências de
tais ações foram: a queda do império, a guerra sem fim dos árabes contra os
judeus, a guerra do “Estado Islâmico” contra o ocidente. Ódios plantados pelos
ingleses nos séculos XIX e XX, que hoje em dia resvalam em nós.
Dessa
forma, quando Mara Maravilha fala de Adão e Ivo na TV, a fala dela não é
transfóbica. A fala dela é homofóbica, pois diz do desejo de pessoas que têm o
mesmo sexo se relacionarem, coabitarem, constituírem família e terem seus
direitos reconhecidos.
É
fantástico que todos tenham visibilidade dentro da comunidade LGBT, que todos
tenham representações e voz, mas em hipótese alguma essa visibilidade pode ser
feita na desconstrução da homofobia, pois ela é real, epistemológica e sua
relativização pode nos custar direitos e garantias, pode alimentar o ódio de
grupos, contra outros, dentro da própria comunidade.
Nossa
primeira identidade é sermos homossexuais, nosso primeiro orgulho é de sermos
homossexuais, nosso primeiro preconceito é por sermos homossexuais e aquilo que
sofremos na sociedade é HOMOFOBIA.
De
resto, são as redes sociais, dando vozes aos idiotas como se fossem idôneos, ou
tivessem conquistado algum premio Nobel.