terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Lula e os homossexuais: o ressentimento dos gays de direita

Há grupos de pessoas que enxergam o passado como uma era melhor: “na minha época as coisas eram diferentes, não havia tanta violência como hoje, o mundo era um lugar pacífico”. Saudosa, dizia minha avó que viveu sua mocidade em plena 2ª Guerra Mundial...
É com o mesmo saudosismo que o autoproclamado decano do movimento homossexual brasileiro, Luiz Mott, refere-se ao governo Lula em comparação ao governo de seu antecessor.
Curiosa é a frase de abertura do texto que ataca todas as conquistas e ações afirmativas, uma década de projetos e iniciativas, que trouxeram para a comunidade LGBT visibilidade e políticas públicas para seu reconhecimento. No texto, Mott começa assim: “Lula foi o presidente da República que mais falou sobre homossexualidade no Brasil”. Depois, em um contrassenso sem precedentes, conclui que as ações diminuíram, pioraram, a esperança de vida dos mesmos.
Ao pensar sobre Luiz Mott, lembro-me de minha avó, em plena Segunda Guerra Mundial, ela conseguia enxergar o mundo um lugar seguro, sem violência, pacífico...
Ao citar Fernando Henrique Cardoso, Mott diz que em 1980 (ou seja, FHC não era presidente) ele assinou,  juntamente com outros senadores,  documento que retirava a homossexualidade da lista dos desvios sexuais, 1996, agora como presidente, incluiu os homossexuais em documento oficial do governo, em 2002, falou em público a palavra homossexual e defendeu o casamento civil à comunidade LGBT. E nada mais.
Mott não cita que durante o governo FHC a comunidade gay não tinha nada, não tinha sequer visibilidade e que o governo do PSDB não fez absolutamente nada para inverter essa situação. 


Gays não podiam participar da herança do companheiro; gays não podiam declarar imposto de renda conjuntamente; gays não tinham os mesmos direitos civis que os heterossexuais; não podiam ser dependentes em planos de saúde de seus parceiros nem podiam ser dependentes dos seus parceiros em clubes, seguro de vida, etc. E quais as políticas que o antecessor de Lula promoveu?

Como não há nada para se falar de bom sobre a era FHC, Mott parte para duas vertentes em seu argumento: violência e HVI, como uma tentativa desesperada de achar alguma razão ao sentimento político que conduza o pensamento do antropólogo decano.
Vamos voltar a pensar em minha avó: vovó achava que o mundo em sua mocidade era mais seguro, pacífico, mesmo que 47 milhões de pessoas tenham morrido. Vovó não afirmava as coisas por má fé, apenas as informações não chegavam a ela com a mesma velocidade que se chega hoje. Não tinha chamada ao vivo diretamente do fronte de batalha nem vídeos dos confrontos divulgados pelo WhatsApp ou Facebook; não havia mensagem de texto de uma mãe aflita a escrever suas últimas palavras ao filho herói, que jamais voltaria da Alemanha, enquanto recomendava cuidado e declarava seu amor incondicional.
Com a visibilidade que o governo Lula trouxe aos LGBT(s), houve maior exposição do modus vivendi e, consequentemente, os reacionários da família de bem e dos bons costumes começaram a intensificar também seus métodos de purificação. Esses sempre foram voltados à violência e à intolerância. Quem não se lembra do pastor Silas Malafaia conclamando os cristãos a descerem o porrete nos gays contra a safadeza?
O governo Lula não ficou indiferente a isso, como sugere o “desinformado” Mott. Assim criou uma série de ações propositivas que contemplaram diretamente os gays: 


ü  2003- eleva a secretaria de Direitos Humanos à categoria de ministério, aumentando os recursos, autonomia e intervenção social;
ü  2004- cria o programa Brasil sem Homofobia, promovendo a cidadania e os Direitos Humanos à população LGBT a partir de equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação.
ü  2005- fortaleceu o Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT, modificada sua estrutura  passou a contar, obrigatoriamente, com a participação de membros da população LGBT.

ü  2006- sanção da Lei Maria da Penha, que entre muitas medidas, a lei federal passou a prever expressamente a união homoafetiva feminina.

ü  2008-realização da 1ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT. Considerada um marco histórico, a conferência convocada por decreto presidencial foi a primeira a ouvir, em âmbito nacional, as demandas da população LGBT. O encontro mobilizou governos estaduais, Ministério Público, representantes dos poderes legislativo e judiciário e a sociedade civil organizada.

ü  2009-criou a Coordenação Geral de Promoção dos Direitos de LGBT. Subordinada à Secretaria de Direitos Humanos, é responsável por articular ações com os demais ministérios e órgãos do Governo Federal.

ü  2010-criou o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT. O Plano Nacional inseriu diversas ações de valorização LGBT, seja por renda, escolarização, educação, acesso à saúde, identidade de gênero e prevenção à violência homofóbica.

ü  Extensão de direito de declaração conjunta para casais homoafetivos pelo Ministério da Fazenda Medida é válida, inclusive, para fins de Imposto de Renda.

ü  2011 Criou o módulo LGBT no Disque 100. A intenção foi preparar o Disque Direitos Humanos ara receber denúncias de violações de direitos da população LGBT.

ü  Elaboração do 1º Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil. Após a publicação do relatório pela Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, as denúncias contra violência homofóbica aumentaram em 116% em um ano.

ü  Realização da 2ª Conferência Nacional de Políticas Públicas e Direitos Humanos LGBT. Nos moldes da conferência realizada em 2008, discutiu-se nacionalmente e com diversas entidades governamentais e da sociedade civil os avanços políticos e sociais sobre o tema.

Ainda, pós Lula, no governo PT:

ü  2013-Alterações no SUS. O Sistema Único de Saúde (SUS) passou a contemplar o atendimento completo para travestis, transexuais e transgêneros, como terapia hormonal e cirurgias. A identidade de gênero passou também a ser respeitada, com a inclusão do nome social no cartão do SUS.

ü  Reconhecimento dos direitos de casais de mesmo sexo no serviço público federal. Os casais homoafetivos passaram a ter, oficialmente, os mesmos direitos de qualquer casal, como plano de saúde, licença gala, entre outros.

ü  Assinatura do governo brasileiro à Convenção contra Todas as Formas de Discriminação e Intolerância da Organização dos Estados Americanos. O texto, assinado em Antígua (Guatemala), define as obrigações dos países sobre temas como orientação sexual e identidade de gênero.

ü  Criação do Sistema Nacional de Promoção de Direitos e Enfrentamento à Violência contra LGBT. O Sistema Nacional LGBT é uma estrutura articulada para incentivar a criação de programas de valorização dessa parte da população, comitês de enfrentamento à discriminação e combate a violência, além de oferecer apoio psicológico e jurídico para LGBTs nessa situação.

ü  2015-Posse de Symmy Larrat como coordenadora-geral de Promoção dos Direitos LGBT da SDH. A paraense é a primeira travesti a ocupar o cargo. Segundo ela, uma das missões mais importantes na função é é “tirar os travestis do submundo e da exclusão social”.

Também não é verdadeira a afirmação que no governo Lula as políticas do Ministério da Saúde contra o HVI sofreram apagão. Acontece que com a maior visibilidade, com pessoas se informando melhor e buscando seus direitos, com a quebra de tabus e com os homossexuais assumindo seu lugar na sociedade, inclusive com o casamento reconhecido, o medo de fazer o teste HIV foi ficando para trás, mais homossexuais procuraram atendimento, fizeram o teste e foram trados pelo SUS, acompanhados, graças as políticas de afirmação do governo Lula para a população homossexual.


Ao final, como minha avó, Luiz Mott é saudosista. Minha avó por não ter acesso à informação, Mott por ter ressentimento, parece que ele deseja que os gays, na atualidade,  vivam o que ele viveu em sua juventude. Por mais direitista que alguém possa ser, desqualificar as políticas e as conquistas que toda essa gente sofrida teve por não gostar do PT é algo além da política, é rancor, é ressentimento. 

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