domingo, 22 de março de 2009

Do Romantismo ao Decadentismo: Uma nova estética espiritual

Tomado pelo espírito literário, hoje, eu passei o dia inquieto- buscando na internet cenas de um filme que gostaria de exibir, aqui, junto com este post, mas, que infelizmente não será possível- pelo fato de não possuí-lo traduzido, e o que consegui em espanhol, não tem a incorporação autorizada. Bem, isso retirará o glamour da coisa, mas não inviabilizará a coisa em si.

O período romântico que data do século XIX foi muito importante tanto para filosofia, quanto para teologia- é marcado pelo seu caráter de ruptura com o classicismo. Entretanto, fortemente inspirado na burguesia em ascensão. O romantismo é um movimento artístico e filosófico da Alemanha e Inglaterra, que tem uma crítica a estética do padrão social clássico, à aristocracia. Dizem alguns autores (de tendência romântica), que antes de ser um movimento estético, o romantismo é uma atitude de vida, perante a vida, um modo de ser, uma atitude espiritual.

Fala-se de um movimento estético, pois, o ideal romântico de belo, quebra com a organização hierarquizada da sociedade clássica, um novo belo é trazido à baila com axiologia anticlássica e antiabsolutista. Novas aspirações de nacionalidade e de liberdade de criação são cultuadas nessa forma filosófica de participação no mundo. O Sturm und Drang- tempestade de ímpetos- ao qual pertencem os alemães Goethe e Schiller dão as bases da emotividade, do pessimismo, da melancolia, da valorização da morte como formas de evasão do indivíduo da sociedade.

Contudo, seria ingênuo, da parte deste que propõe tal leitura, pensar que tal ruptura fosse de forma radical, e/ou definitiva- de fato- não é assim que se procede, reencontros são bem-vindos e releituras são aceitas de formas possíveis e bem quistas. Assim, a sociedade civil se encontra com os mosteiros, e sua disciplina, numa forma de manter a ordem social, ou seja, é da disciplina monástica que vem o paradigma social que vigia e pune a desordem, forma-se o modelo prisional, educacional, hospitalar, militar, etc. Na literatura a redescoberta de Shakespeare, e da literatura medieval germânica. Em termos sociais a nobreza perde o poder político e econômico, e a burguesia, importando, e relendo os valores da nobreza (com o aspecto de antinobreza) dita os “novos” valores associada à liberdade de ascensão econômica e individual, e o suporte de uma literatura de emoções individuais.

De fato, há um desgosto com um destino pré-determinado e absoluto dado aos homens. O mundo romântico não vislumbra o absoluto de per si; a disciplina pessoal (subjetivismo, onde a consciência de si mesmo é o princípio de qualquer conhecimento), o trabalho, as sensações individuais, o apego às tradições nacionais, o valor da autonomia da vontade vem contrapondo o universal, o impessoal. Assim, o indivíduo é o dono de seu próprio destino, aquele que determina sua própria trajetória. É, contudo, paradoxal, pois, ao mesmo tempo, cria o escapismo, a fuga do real, a diversão. Enfim, uma moeda, mas duas faces: uma positiva em relação à idealização da realidade, a outra, marca-se pelo pessimismo, pela melancolia. Assim, o romantismo é erigido pelo subjetivismo, liberdade de criação, triunfo do sentimento, historicismo e evasão.

Enfim, caracterizar um movimento não é muito fácil, inclusive pelo conteúdo histórico-filosófico que se faz mister à compreensão última dos acontecimentos que perpetuaram, o mesmo, e seus conceitos posteriores.

No final do século XIX, na França, uma nova leitura do romantismo se faz sentir. Como oposição ao movimento Romântico surge o realismo, que propõe uma atitude sóbria diante da realidade, sem fugas, sem idealismos diante da vida, sem emoção exacerbada. Entretanto, os jovens franceses, embalados pela escola romântica, aprofundarão seus ideais, rejeitarão o realismo e mergulharão nos sentimentos, que agora, não serão mais apenas um escapismo, ou um sentimento dito superficial, mas um intenso aprofundamento no inconsciente próprio, experimentando tudo em si mesmo. Surge o Simbolismo, ou na sua expressão mais forte, o Decadentismo. Desta forma, Paul Verlaine (1844 - 1896) descreve essa atitude: "Je suis l'empire à la fin de la décadence" (Sou um império ao fim da decadência). Ou Arthur Rimbaud, que nas cenas do filme Eclipse de uma paixão, descreve esse movimento de experimentar tudo em si mesmo para fazer a poesia (refletindo o poema como uma extensão de si, do inconsciente da própria estética e interpretação).



As cenas estão em inglês (infelizmente), mas na conversa com Verlaine (logo após a cena que este bate na esposa aos 4’ 28”), Rimbaud diz que em um dos verões, durante a guerra, em que havia fugido de casa, às margens do rio onde havia ido, para encher sua vasilha, encontrou um soldado prussiano, jovem como ele, não muito maior que ele, aliás, parecido com ele fisicamente, e que estava dormindo. Rimbaud afirma que estava observando um rato, um rato morto, e que aquilo havia mexido, prontamente, com ele. Trouxe uma luz, à compreensão de que ele necessitava para se tornar em um grande poeta, ou seja, experimentar tudo em seu corpo. Ser só uma pessoa (a despeito do soldado morto), não era suficiente, os mortos não têm emoções, não são mergulhados em suas próprias vidas, não sentem, não fazem nada. Assim, ele decide ser todos, inclinando-se a ser um gênio, construir seu próprio futuro. Eis as marcas do Simbolismo.

Esta nova geração que faz uma releitura do romantismo, não tem como princípio apenas a superficialidade dos primeiros (românticos), não é apenas a introversão, ou uma atitude pessimista que desencadeia o escapismo utópico. Pelo contrário à volta do egocentrismo- o ser objeto de total atenção- mergulhará na profundidade da alma, romperá com aquilo que é convencional- diferentemente dos românticos, que não têm este caráter de cisão, e trará o inconsciente, nessa viagem, de resultados imprevisíveis.

Na verdade, o decadentismo faz a crítica do estilo de vida burguês, sendo oponível ao mesmo. Fato percebido na atitude do poeta Rimbaud, nas cenas do filme retro exposto, onde nu, joga suas roupas para Verlaine, subindo na marquise de sua janela, expondo sua nudez para todos, chocando pela “decadência” do ato a todos. Ou em outras cenas em que claramente afronta a burguesia impiedosamente- a atitude de vida, e suas manifestações fazem o poeta.

Neste formato também se pode ver a leitura da espiritualidade, pois a sensibilidade estética, a visão pessimista da sociedade, o subjetivismo, a descoberta do universo inconsciente e o gosto pela dimensão misteriosa da existência, traduzem o novo caráter do espiritual, do encontro com o outro, nesse mergulho solitário abrindo-se para a “não solidão”. Destarte, Rimbaud, que experimenta tudo em si, tem na atitude do encontro com Verlaine a busca da intimidade, do desejo, da própria mística divina- do olhar que inspira e devolve o eu para si mesmo- enquanto se é perdido na aventura da descoberta do universo do outro, tal atitude retrata a esperança e a fé. Desta forma, o jovem poeta nas cenas a seguir propõe ao seu conselheiro uma ajuda mútua, um acordo... Ou seja, de prosseguirem juntos no caminho, um sendo inspiração para o outro, até que se proponham caminharem novamente sós, para a descoberta de novos caminhos, de novas possibilidades, de novas formas de espiritualidade, de SENTIMENTOS. Tal proposta é selada pelo beijo dos amantes (aliás, a conversa precede a cena do beijo: 1’ 17”):


Pode-se, portanto, falar da religião como SENTIMENTO, como assim o fez Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher, teólogo alemão da escola romântica. Esse sentimento universal, não é imposto, não é dogmático, não é ritualístico. O fato de desejar, de existir, e de poder mergulhar na própria existência traz a estética espiritual do homem frente sua própria razão ou qualquer outra coisa. O homem sente, e religião é sentimento!


Nesse contexto, Deus é percebido na atitude que liga o homem a si mesmo e ao próximo, quanto ao próprio universo. Tudo é sentido, tudo é experimentado, tudo fala de Deus, tudo mostra essa religião, esse movimento. Sem dúvida, quando um casal se ama, e faz sexo, ali está o sentimento à própria expressão divina e do próprio Deus. Quando alguém sorri, ou descobre a beleza das coisas, ou os dramas existenciais, ali está à presença de Deus, a própria religião- aquilo que nos liga novamente ao todo (religare- ligar de novo).





Então, o ciúme e sua expressão, a força da paixão, a força do amor, tudo fala desse sentimento, dessa religião. Quando Rimbaud, enciumado, espeta um punhal na mão de Verlaine temos aí caracterizado aquilo que ele sentia na alma, a própria expressão divina. Essa descoberta guiará a nova fase estética da religião, que romperá com o modelo clássico de se perceber Deus, os próprios tormentos, e a própria liberdade dos sentimentos, ou prisão deles pela alienação dos mesmos.


Assim do Romantismo ao decadentismo uma nova estética é trabalhada em todas as esferas possíveis, a saber que a compreensão do eu é a marca limite da não perda de si, da descoberta divina e do autocentramento. Temos dos pensadores dessas escolas a dívida da ruptura do dogma pensado e imposto, para o símbolo a ser descoberto e ressignificado.

Por: Renato Hoffmann

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