quinta-feira, 26 de março de 2009

É possível falar em distorção no cristianismo?


Uma das práticas mais comuns entre evangélicos, e cristãos de modo geral, é que eles fazem uma afirmação e esperam que os outros provem que aquela afirmação está errada.
É uma inversão completa da lógica. Não se pode criar um argumento do tipo 'Deus existe. Prove-me o contrário'. Não. Quem diz isso é que, antes de mais nada, precisa mostrar as provas que o levaram àquela afirmação da existência de Deus. De onde ele/a tirou essa afirmação, como chegou lá, quais elementos permitiram aquela conclusão.

Se não for assim, qualquer um pode dizer o que quiser e esperar o outro 'provar o contrário'. Posso dizer que gnomos existem e esperar que o outro 'prove o contrário'. Que vim de outro planeta e sou imune a doenças e esperar que o outro 'prove o contrário'. Que a Chapeuzinho Vermelho me visitou ontem com o Coelhinho da Páscoa, que foram embora no trenó do Papai Noel e esperar que o outro 'prove o contrário'.

É importante que essas provas também sejam objetivas no sentido de serem passíveis de fazer sentido a uma pessoa fora do contexto de quem profere a sentença. Em outras palavras, a objetividade precisa(ria) ser garantida no sentido de ser autoevidente, passível de ser acessada por diferentes meios, posto que é (supostamente) real e impossível de ser negada.
Se defendemos que algo é real e verdadeiro, está implícito que qualquer um pode, ou mesmo deve, perceber esse algo – e não somente aquele que está dentro de um sistema religioso em particular. Caso contrário, que verdade seria essa, que não pode ser descortinada e se apresentar de imediato à visão, ao raciocínio, à lógica de qualquer ser humano? Uma verdade cheia de "mistérios" não é uma verdade. É um mistério.

Portanto, clamar pela "fé" não vale. Afinal, como você pode exigir de alguém que tenha fé em alguma coisa antes de convencer essa pessoa da mesma fé e da verdade, da veracidade, daquela alguma coisa? Como posso usar o argumento da fé (religiosa) frente a um ateísta, por exemplo, se ele não a tem, e seria precisamente por isso que estou debatendo com ele?
Dentro dessas considerações, a realidade é que o cristianismo, como qualquer outra religião, não consegue cumprir tais exigências.

"Provar" a veracidade dos supostos fatos originadores da fé cristã é geralmente impossível. Ao contrário do que impõe a lógica, é preciso crer ANTES das provas – e, depois, de posse dessa crença, tentar achar provas onde antes elas não estavam, não eram autoevidentes, não eram acessíveis.

Um ou outro pode sustentar que essa é de fato a operação divina – abrir os olhos das pessoas para além da racionalidade humana, sem a necessidade de qualquer explicação plausível.
Eu discordaria, pois entendo que Deus nos deu um cérebro, e é mister usá-lo. Ademais, não faria sentido se revelar à humanidade se não dotasse essa mesma humanidade de um raciocínio mínimo capaz de testar tais coisas, de testar sua veracidade.

Caso contrário, que autoridade teria o próprio Deus para punir, julgar ou esperar algo em troca por parte dos homens, se ele mesmo simplesmente tornou ininteligível o que ele quer, se ele mesmo não se deu a conhecer, se não se fez entender?

No entanto, essa não é a questão básica. A questão básica é que a fé cristã, o cristianismo, falha na apresentação das provas da veracidade dos supostos fatos que a originou. Como se pode sustentar, portanto, a ideia de "distorção" desses mesmos fatos?

Para o bem e para o mal, a admissão de uma determinada doutrina cristã é tão-somente a escolha entre diferentes interpretações, teológico-ideológicas, de uma construção histórico-social impossível de ser provada objetivamente dentro das exigências acima esclarecidas.
Nesse sentido, a interpretação tradicionalista ou conservadora da fé é tão passível de ser acusada de "distorção" quanto uma interpretação inclusiva no que diz respeito aos LGBTs, por exemplo. Na ausência da capacidade de provar, ou comprovar, a veracidade dos "fatos da fé", ou tudo é fato (objetivo), ou tudo é fé.

Portanto, objetivamente, ou tudo é certo ou tudo é distorcido, cabendo ao sujeito, em última instância, escolher entre a versão que mais lhe faz sentido e lhe dotando de uma verdade, essencialmente individual, pessoal e subjetiva, da qual a mesma antes não gozava.

Um comentário:

  1. muito bom o conteudo do blog voces tem banner queria colocar um em meu bog se nao aguardo a resposta ou coloco o link mesmo

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