"...Deus é sacana! Afinal, se era proibido comer o fruto da árvore, por que ele o colocou lá?"
Estava lendo um blog e o autor da postagem fazia esta indagação, obviamente, que a crítica era para mostrar uma insensatez da produção bíblica com a lógica, uma desconstrução da teoria religiosa, um pensamento estrito, racional e pragmático.
Duas considerações, entretanto se fazem por premissa nesta discussão. A primeira está constituída numa ausência, do Antigo Testamento, de uma reflexão geral sobre o pecado, ou de uma teoria do pecado. Basta ler, às páginas das escrituras, para se perceber que, lá, no AT, os textos são alusões de pecados cometidos ocasionalmente, por alguém, em algum lugar, contra a ordem daquele lugar, sem uma reflexão teológica da ação em si mesma, ou do fenômeno enquanto relação de causalidade e complexidade. Assim, o pecado no AT será de ordem moral contra os preceitos da tribo do agente, sem detalhes profundos, ou um apontamento antropológico, cosmológico do tema em si mesmo.
A segunda está relacionada à Igreja, que desde seu nascedouro optou pelas listas proibitivas e punitivas- reflexo da teologia paulina- mas, que manteve a reflexão do pecado em termos lacônicos, distante da apropriação do individuo, numa ordem simbólica de culpa e expurgação da mesma, por atos de confissões e pedidos confessados- ditos de arrependimentos- profundamente questionáveis.
A conseqüência disso não poderia ser diferente da estranheza e confusão- no senso comum- à crítica laica. Ainda mais, vivendo nós, numa sociedade de regra utilitarista, a lógica procedente é: “ se não era para comer, nem deveria estar ali, pois não se ajunta num mesmo lugar coisas que são e que não são! Qual é o sentido disso? Apenas revelar a incongruência do pensamento bíblico. Destarte, num contexto de falta de uma apropriação mais explicativa – reflexiva e menos moral, vem o documento “J”, fugindo à regra e universalizando a forma tribal, de modo geral à reflexão ética- teológica do pecado. Em outras palavras, o documento “J” é o único no AT, que trabalha o pecado de forma universal, revelador, contudo, sem uma teoria. Mas, as conseqüências se encontram num conjunto de sucessões de fatos, a partir do evento fenomenológico- pecado- de forma irreversível.
Bem, não é complicado entender o texto do fruto proibido, assim vamos a ele:
E ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: “de toda a árvore do jardim
podeis comer livremente, mas da árvore da ciência do bem e do mal, desta não
comereis; porque do dia que dela comerdes, certamente morrereis (Gn 2,
16-17).
O primeiro passo é entender o fundamento da sentença. Ora, não se tem aqui um preceito moral- daquilo que se podia imaginar, não é uma censura à quebra de um tabu social. Também não se tem aqui um preceito legal, não constitui, em momento algum, à afronta a lei, ou o enquadramento do tipo legal. A questão é genérica, metafórica, simbólica: O FRUTO DE UMA ÁRVORE QUE NUM DADO MOMENTO SE PROIBIU.
O segundo passo, agora é resolver o primeiro problema; que fruto, de qual árvore, e por que da proibição?
Yâda‘ é o verbete para conhecimento do bem e mal em hebraico. Ele transcende a apropriação intelectiva como o simples conhecer, mas reporta-se à experiência total e o domínio completo de todas as coisas. Domínio que representa o senhorio na posse, retirando do que é possuído a capacidade volitiva em plenitude. Ora, não é uma proibição moral, o homem não é proibido de conhecer, nem censurado por isso. Mas, é uma proibição quanto à negligência, quanto aos limites do conhecer.
É um ilícito quanto às relações de poder; quem tem o conhecimento, não deve tê-lo como domínio total da experiência de todas as coisas, inclusive da vontade do outro, que nessa relação se objetifica. Ou ainda, não deve se furtar da inocência, da simplicidade, da obediência à responsabilidade da liberdade. Se você é livre, e pode conhecer, então, não se furte da responsabilidade última das escolhas livres, seja simples, não subjugue!
Assim, Deus não coloca uma árvore que não deve ser comida, a linguagem é metafórica, mas ele nos deu liberdade e potencial capacidade cognitiva, e recomendou que a usássemos com simplicidade, inocência e não arrogância e domínio. Contudo, as escolhas são feitas, e a humanidade negligenciou a inocência e alienou sua verdadeira razão de ser numa busca desenfreada pelo poder, pela experiência do domínio de todas as coisas, pelo conhecimento do fruto da árvore do bem e do mal- yâda‘.
Assim a humanidade foi expulsa do paraíso, ou perdeu o verdadeiro sentido do prazer, o verdadeiro sentido da apropriação de si mesma, a essência do que somos está eclipsada pela queda no desejo de dominar. O homem não tem paz, e sua ausência, solidão e individualismo é a perda da inocência, é a inaptidão adquirida para a simplicidade.
Obviamente, que aqui já descrevo uma teoria do pecado, um conceito antropológico-teológico, mas que é a reflexão dessa metáfora da escola JAVISTA. Se não era para comer por que lá estava? Não é a pergunta chave. A questão é: foi nos dada uma capacidade, mas por que a usamos para o mal?
Não quisemos, ou negligenciamos que nas simples coisas estão a verdadeira felicidade e prazer, e que nas pequenas coisas há a verdadeira sabedoria. E isso não é apenas algo utilitarista, mas é uma atitude pessoal do homem para com o mundo que o cerca.
*texto de Renato Hoffmann- luterano, formado em teologia e psicologia.
Amigo Gospel,
ResponderExcluirVenho agradecer-lhe a sua visita e o seu magnífico comentário de elogio e apreço!
Agradeço tbem por seguir os meus blogues: "POEMAS INÉDITOS" e "AQUI AH GATO!!",
Gostei do seu blogue e das importantes matérias postadas, parabéns!!
Estou seguindo o seu blogue com os meus principais blogues.
Volte sempre, será um prazer a sua visita!
Abraço,
FrancK