Rigidez afasta a instituição da vivência de um lar espiritual
LEONARDO BOFF
Teólogo - lboff@leonardoboff.com
Vou abordar um tema incômodo, mas incontornável: como pode a instituição-Igreja, como a descrevi num artigo anterior, com características autoritárias, absolutistas e excludentes, se perpetuar na história? A ideologia dominante responde: "Só porque é divina". Na verdade, este exercício de poder não tem nada de divino. Era o que Jesus exatamente não queria. Ele queria hierodulia (sagrado serviço) e não hierarquia (sagrado poder). Mas esta se impôs através dos tempos.
Instituições autoritárias têm uma mesma lógica de autorreprodução. Não é diferente com a Igreja-instituição. Em primeiro lugar, ela se julga a única verdadeira e tira o título de "igreja" de todas as demais. Em seguida, cria-se um rigoroso enquadramento: um pensamento único, uma dogmática, um catecismo, um direito canônico, uma forma de liturgia. Não se tolera crítica nem criatividade, vistas como negação.
Em segundo lugar, se usa a violência simbólica do controle, da repressão e da punição, não raro à custa dos direitos humanos. O questionador é marginalizado, nega-se-lhe o direito de pregar, escrever e atuar na comunidade. O então card. Joseph Ratzinger, presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, puniu mais de cem teólogos. Na mesma lógica, pecados e crimes dos sacerdotes pedófilos ou delitos como os financeiros são ocultos para não prejudicar o nome da Igreja, sem o menor sentido de justiça para com vítimas inocentes.
Em terceiro lugar, mitificam-se e quase idolatram-se as autoridades eclesiásticas, principalmente o papa, que é o "doce Cristo na Terra". Penso lá com meus botões: que doce Cristo representava o papa Sérgio (904), assassino de dois predecessores, ou João XII (955), eleito aos 20 anos, adúltero e morto pelo marido traído ou, pior, Bento IX (1033), eleito aos 15, um dos mais criminosos e indignos da história, chegando a vender a dignidade papal?
Em quarto lugar, canonizam-se figuras cujas virtudes se enquadram no sistema, como a obediência cega e o "sentir com a Igreja (hierarquia)", bem no estilo fascista segundo o qual "o chefe (o ducce, o Führer) sempre tem razão".
Em quinto lugar, há pessoas e cristãos com natureza autoritária, que, acima de tudo, apreciam a ordem, a lei e o princípio de autoridade em detrimento da lógica complexa da vida, que tem surpresas e exige tolerância e adaptações. Estes secundam esse tipo de Igreja bem como regimes autoritários e ditatoriais. Aliás, há uma estreita afinidade entre ditaduras e a Igreja-poder, como se viu com Franco, Salazar, Mussolini, Pinochet e outros. Padres conservadores são feitos bispos, e bispos fidelíssimos a Roma são promovidos. Esse bloco histórico-social-religioso se cristalizou e garantiu a continuidade a este tipo de Igreja.
Em sexto lugar, a Igreja-poder sabe do valor dos ritos e símbolos, pois reforçam identidades conservadoras.
Em razão desta rigidez dogmática e canônica, a Igreja-instituição não é vivida como lar espiritual. Muitos emigram. Dizem sim ao cristianismo e não à Igreja-poder. Dão-se conta das distorções da herança de Jesus.
Não obstante estas patologias, possuimos figuras como o papa João XXIII, dom Helder Câmara, dom Pedro Casaldáliga, dom Luiz Flávio Cappio e outros que não reproduzem o estilo autoritário nem apresentam-se como autoridades eclesiásticas, mas como pastores no meio do Povo de Deus. Há um mérito que importa reconhecer: esse tipo autoritário de Igreja nunca deixou de nos legar os evangelhos, mesmo negando-os na prática, e assim permitindo-nos o acesso à mensagem revolucionária do Nazareno. Ela prega a libertação mas geralmente são outros que libertam.
Fonte: Jornal O Tempo
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