E de repente estava diante de um “pedaço de carta”, lia aquelas palavras como uma navalha penetrando em minha carne, rasgando... Atônito!
Tenho dois sobrinhos e não suportei o fato de imaginá-los numa situação desesperadora e, então, de súbito, voltei-me ao jovem; àquelas palavras, todo seu desespero, toda sua agressividade.
A sociedade se encontra passada, não há explicações... Talvez, antes, algo que acontecia nas terras de cima, lá no norte das Américas, agora, logo ali, no Rio de Janeiro! Aqui em baixo, próximo das nossas casas, perto dos nossos parentes; dos nossos filhos, sobrinhos, netos, amigos, amantes, sim, nas nossas escolas!
Ouvir dizer, na fila do banco, que aquele moço deveria ser enterrado com o capeta! Uma lagrima caiu de meus olhos, lembrei-me da carta. Poucas coisas nessa vida tem a capacidade de me impressionar, mas, essa carta... Puxa vida!
Sabe, já escrevi cartas e, em muitas delas, uma preocupação me movia: expressar o que se passava dentro do meu coração, na minha alma. Como ficar indiferente àquele pedaço de texto? Em uma tragédia, geralmente, as pessoas se indignam contra a aparente causa, o desafeto imediato: “aquele assassino, monstruoso!”, mas há uma carta!
Sim, um pedido de perdão, um grito de socorro, um desejo de alento: “Se possível, quero ser sepultado ao lado da sepultura onde minha mãe dorme. Minha mãe se chama Dicéa Menezes de Oliveira e está sepultada no cemitério Murundu”.
Cada palavra um punhal, mas não de um cruel assassino, o assassino não é ele! E não se estarreça com o que digo. Wellington não tinha antecedentes criminais, ele é tão vítima quanto às vítimas dessa tragédia. Vítima de algo que acontece no Brasil todos os dias, vítima de todos os domingos, vítima de programações de televisão, nas madrugadas, ou nos sábados pela manhã. Vítima da pureza, da santidade, da moral exacerbada, da hipocrisia dos falastrões: vítima da RELIGIÃO, do fundamentalismo, da esperança da ressurreição, de um Cristo justiceiro, de um Deus irado na justiça despótica, severo.
Alguém anunciou: “ele era muçulmano.”. Ei, pera lá! Muçulmano que acredita na ressurreição dos mortos, na segunda vinda do Cristo? Isso é coisa de cristão! Daqueles que passam o sábado ouvindo dizer da vitória de Cristo! Ou que passam as madrugadas buscando com quem falar; para alguém escutar!
Wellington foi vítima de um sistema religioso perverso, de preconceitos contra o próximo, de preconceitos contra si mesmo, preconceitos que ele adquiriu e, talvez, se pelo menos ele tivesse sua mãe por perto... Dela sentiu falta, pediu perdão, mas continuou, em nome de seu preconceito, vitimar os outros, como dele foi vítima. Não havia saídas... não havia escape! Ele já estava morto... Vitoriosos em Cristos mataram sua alma, o show da fé se transformou no circo de horrores, um pesadelo que se sonha acordado. Ele até quis falar, mas, como de praxe, fingiam que o escutavam, enquanto mais ódio e justiça de Deus eram colocados no seu coração. Mas, ele ainda pediu para que seu corpo fosse preservado puro, na esperança de, ainda, encontrar-se, na glória, diante do trono!
Há quem diga que isso foi alvo de possessão demoníaca! Ah Nicodemos! Bem que Jesus disse: "você tem que nascer de novo, rapaz!"
Essas são as marcas imediatas do que se conhece do fundamentalismo religioso, mas e as marcas que não são visíveis? Aquelas que ficam na alma? Deus tenha misericórdia de nós!
Por: Renato Hoffmann
Muito bom o artigo, valeu. E, realmente, que tristeza, que dor, que desespero expressos ali. E devidamente passados adiante, reproduzidos, multiplicados, como costuma acontecer. :-( http://bit.ly/hOWwV2
ResponderExcluirGrande abraço!