quarta-feira, 11 de agosto de 2004

OS BISPOS BRASILEIROS E A QUESTÃO HOMOSSEXUAL
Luiz Mott, ex-Dominicano e fundador do Grupo Gay da Bahia


Durante quase três séculos, os Bispos do Brasil deixaram os homossexuais em paz. Quem perseguia os "sodomitas" era a Inquisição, que enviou para os cárceres do Santo Ofício de Lisboa duas dezenas de "fanchonos". Embora as Constituições do Arcebispado da Bahia, de 1707, considerassem a sodomia "o mais sujo, torpe e desonesto pecado, e por sua causa Deus envia à terra inundações, terremotos e pestes", só há notícia de um homossexual degredado para a África por ordem do Bispo de Salvador. Numa época em que a Igreja tinha poder de queimar na fogueira, nenhum gay brasileiro foi condenado à morte.

Mesmo durante o pontificado de Pio XII (1939-1958), época de grande moralismo e sexofobia, quando a Igreja chegou a estabelecer a altura máxima da bainha das saias das mulheres católicas, nenhum de nossos grandes príncipes da Igreja, D.Sebastião Leme, o Cardeal da Silva, D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, fez qualquer declaração contra os "filhos da dissidência". Houve mesmo uma época, quando do Pontificado de João XXIII, de saudosa memória, que teólogos do Brasil, como o dominicano Frei Carlos Josaphat e o redentorista Padre Jaime Snoek, seguindo o mesmo espírito do Catecismo Holandês, chegaram a defender a virtude e altruismo do amor entre pessoas do mesmo sexo. Oh tempora!

Foi com Paulo VI, cuja homossexualidade fora internacionalmente denunciada pelo escritor francês Roger Peyrefitte, que a hierarquia católica iniciou a cruzada moderna contra os homossexuais. Em 1975, o cardeal François Seper redigiu a "Declaração sobre certas questões de ética sexual", onde embora reconhecendo que a homossexualidade possa levar a "sincera comunhão de vida e de amor", estabeleceu um sofisma que será repetido ad nauseam pelo Vaticano: "os atos homossexuais são intrinsecamente desordenados e não podem em caso algum receber qualquer aprovação".

Em 1978 João Paulo II é eleito Papa, e sob influência da ultra conservadora Opus Dei, franquista e declaradamente homofóbica, nomeia em 1981 o teólogo Joseph Ratzinger como Prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, que divulga em 1986 a "Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre a pastoral para pessoas homossexuais", onde confirma: "o homossexualismo é intrinsecamente mau". Em 1992, o Cardeal Ratzinger radicaliza sua homofobia ao promulgar: "em certas circunstâncias, não é discriminação injusta impedir a adoção de crianças por homossexuais, afastá-los da função de educadores, treinadores esportivos e no recrutamento militar". George W. Bush, homófobo confesso, disputava pela primeira vez a presidência dos Estados Unidos e os grupos católicos gays, Dignity e David & Jonathan são proibidos pela Cúria Romana. Neste mesmo ano, no "Catecismo da Igreja Católica", João Paulo II ratifica: "os atos homossexuais não podem receber aprovação em nenhuma circunstância". Roma locuta, causa finita!

Insuflados por mensagens tão homofóbicas, alguns bispos brasileiros foram ainda mais longe, não poupando graves ofensas aos homossexuais, fornecendo assim munição para a homofobia dos políticos, pastores e da população em geral. Eis as palavras de nossos pastores divulgadas na imprensa nacional:

D. Aloisio Lorscheider, Arcebispo de Fortaleza, 1994: "Homossexualismo é uma aberração".

D.Girônimo Anandréa, Bispo de Erechim, 1995: "O homossexualismo é um desafio contrário às leis da natureza e às leis do Criador. As uniões homossexuais jamais podem equiparar-se com as uniões familiares. O bem comum da sociedade requer a desaprovação do seu modo de agir e não lhes sejam atribuídos direitos absolutos".

D. Edvaldo Amaral, Arcebispo de Maceió, 1997: "A união de homossexuais é uma aberração. Um cachorro pode até cheirar o outro do mesmo sexo, mas eles não tem relação. Sem querer ofender os cachorros, acho que isso é uma cachorrada! Esta é a opinião de Deus e da Igreja".

D. Lucas Moreira Neves, Cardeal da Bahia e Primaz do Brasil, 1997: "O Projeto de Parceria Civil Registrada é deseducativo e lesivo aos valores humanos e cristãos".

D. Eugênio Salles, Cardeal do Rio de Janeiro, 1997-2003: "Os homossexuais têm anomalia e a Igreja é contra e será sempre contra o homossexualismo. Se todos os fiéis são obrigados a se posicionarem contra o reconhecimento legal das uniões homossexuais, os políticos católicos têm o dever moral de manifestar clara e publicamente seu desacordo e votar contra".

D. Silvestre, Arcebispo de Vitória, 1998: "Homossexualismo é doença".

Dom Eusébio Oscar Sheid, Arcebispo de Florianópolis, 1998: "O homossexualismo é uma tragédia. Gays são gente pela metade. Se é que são".

Dom Amaury Castagno, Bispo de Jundiaí, 1998-2002: "O homossexualismo é, simplesmente, uma aberração ética. A conduta homossexual é em si mesma execrável, como também o são o incesto, a pedofilia, o estupro e qualquer tipo de violência... O homossexualismo é antinatural, está mais que evidente que é algo contra a dignidade humana e o plano de Deus".

D. José Antônio Aparecido Tosi, Arcebispo de Fortaleza, 2000: "O homossexualismo é um defeito da natureza humana comparável à cleptomania, ao homicídio e à irascibilidade".
D. Raymundo Damasceno Assis, Secretário da CNBB, 2001: "É um perigo aprovar as uniões antinaturais dos homossexuais".

D. Aloysio Penna, Arcebispo de Botucatu, 2001: "Por maior que seja a misericórdia com que a Igreja trata os homossexuais, ela não pode deixar de pregar que os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados".
Com munição tão pesada, pais e mães continuam a repetir pelo Brasil afora: "prefiro um filho ladrão do que homossexual!" Não é à toa que nosso país é o campeão mundial de assassinato de gays, transgêneros e lésbicas. A cada dois dias um homossexual é barbaramente assassinado, vítima da homofobia. Nossos bispos devem pedir perdão à humanidade pois têm a mão suja de sangue! Esqueceram-se do ensinamento do "discípulo que Jesus amava": "onde há amor, Deus aí está!"

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LUIZ MOTT
Cx.Postal 2552 - 40022.260, Salvador, Bahia
Fone/Fax: (71) 328.3782 - 328.2262 - 9989.4748
www.luizmott.cjb.net
www.ggb.org.br

Professor Titular de Antropologia, UFBa
Comendador da Ordem do Rio Branco
Ex-Membro do Conselho Nacional de Combate a Discriminação da Presidência da República e da Comissão Nacional de Aids do Ministério da Saúde

Per scientiam ad veritatem, justitiam et felicitatem.

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