segunda-feira, 10 de junho de 2013

40 mil evangélicos em Brasília

"VIBRA, CAPETA", OU QUESTIONAMENTOS SOBRE A POLÍTICA FUNDAMENTALISTA EVANGÉLICA EM BRASÍLIA
 
por João Marinho
 
Demorei alguns dias para me posicionar a respeito da manifestação antigay e evangélica realizada em Brasília na semana passada, que, segundo a PM local, reuniu 40 mil pessoas.
 
As manifestações que tenho lido oscilaram entre um excesso de confiança por parte dos evangélicos malafaístas – muitos dos quais utilizaram, em fóruns dominados pelo fundamentalismo, o jargão de Silas: "Chora, capeta!" – e o excesso de desprezo por parte de muitos opositores (e, para deixar claro, eu sou um opositor), que deram à manifestação o status de "fracasso".
 
Optando pelo caminho do meio, como ensina Aristóteles, não deixa de ser assustador que 40 mil pessoas tenham se unido em torno de uma pauta política negativa, no sentido de rejeitar a uma parcela da população a consecução de direitos iguais, como determina a Constituição republicana.
 
Curioso é que esses mesmos direitos são desfrutados pelos manifestantes e o eram por todos os demais até agora, desde que entre homem e mulher, inclusive por representantes a quem os evangélicos também se opõem, como os ateus e os membros de qualquer outra religião.
 
Entre essas, a católica. Afinal, a despeito da singular participação de Jair Bolsonaro supostamente representando esse segmento - ele, que é recasado e, portanto, vai contra a doutrina católica antidivórcio! -, a verdade é que qualquer ex-evangélico, como este que vos escreve, ou evangélico sabe, no fundo, que tais igrejas dedicam à Igreja Católica adjetivos bem pouco abonadores, que variam de idólatra a apóstata.
 
É assustador e preocupante. Definitivamente, não foi um fracasso – mas não é de aterrorizar. Os evangélicos presentes ao evento superestimaram seu alcance. Embora 40 mil seja um público relevante, não deixa de ser uma excelente notícia que a manifestação tenha ocorrido com 60% menos público que o anunciado por Malafaia, que prometia 100 mil. Os mais empolgados falavam até em 300 mil.
 
Também interessante notar as ausências, politicamente bastante representativas (http://ciatriangulorosa.info/?p=426#comment-750), o que demonstra que a influência de Malafaia não é, a rigor, tão grande quanto ele alardeia, ainda que eu não compartilhe de todo o otimismo do link há pouco discriminado.
 
Malafaia também alardeou que a manifestação ocorreu sem uso de dinheiro público – "como a Parada Gay" –, mas, além de ser necessário informar de que o poder público também apoia manifestações como a Marcha para Jesus, é incontestável que o prestígio dos cantores gospel frente àquele público e o fato de ter sido parte dos fiéis levada com ônibus e lanches pagos por igrejas demonstra um "aliciamento" relevante: a mesma Associação da Parada de São Paulo, tão atacada pelo pastor assembleiano, não promoveu semelhantes "incentivos" para reunir 600 mil apoiadores na Avenida Paulista.
 
Uma demonstração do alcance se deu na eleição de Luís Roberto Barroso, ao STF, no mesmo dia. Foi um dia tumultuado, em que o infame Estatuto do Nascituro, apoiado pelos religiosos fundamentalistas, avançou, mas que Barroso, em quem Malafaia prometeu "descer a ripa", ganhou seu assento com esmagadora maioria no Senado, após ser sabatinado por cerca de 7 horas e defender publicamente suas posições nos julgamentos do Supremo sobre fetos anencéfalos e união homoafetiva.
 
Se por "capeta", os evangélicos malafaístas entendem a defesa dos direitos humanos e da diversidade brasileira – inclusive sexual e ideológica –, ele, o capeta, definitivamente não estava chorando, mas se mobilizando na garantia de um assento no STF a um ministro antenado com o mais moderno entendimento sobre garantia de direitos fundamentais.
 
Dito isso, o que depreender efetivamente da manifestação? Ora, excetuando-se as famílias homoafetivas, a união entre pessoas de mesmo sexo e o casamento gay não geram direitos ou deveres que interfiram nas famílias de quem não é homoafetivo e não tem parceiro do mesmo sexo, como é o caso dos próprios evangélicos.
 
Portanto, rigorosamente falando, considero totalmente injusta e carente de fundamento a mobilização evangélica – mas, se formos falar de pesquisas, a população brasileira encontra-se dividida sobre a questão, mas com vantagem para o reconhecimento da união homoafetiva e/ou casamento gay (http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2013/05/37-dos-brasileiros-nao-aceitariam-ter-um-filho-homossexual-diz-pesquisa.html e http://www.meionorte.com/noticias/geral/pesquisa-maioria-dos-brasileiros-ja-e-a-favor-do-casamento-gay-176606.html). Em suma, certamente, é arriscado falar que esses 40 mil respondam pelos 200 milhões de brasileiros – e certeiro observar que tentam impor regras a quem não compartilha de seus valores.
 
Pior ainda é observar em como tantos milhares de pessoas se colocam voluntariamente como massa de manobra. Lembremos do Kit Escola Sem Homofobia, que tinha como objetivo combater o bullying homofóbico.
 
Desde a instauração do programa Brasil Sem Homofobia, o governo já dispõe de estatísticas que denotam ser esse um problema enfrentado nas escolas, que prejudica o desempenho de uma gama de alunos (sejam LGBTs ou não: basta apenas ser "apontado" como um), aumenta a evasão escolar, as taxas de suicídio entre jovens e adolescentes LGBTs e a vulnerabilidade a DSTs e morbidade (há estatísticas nacionais e internacionais sobre isso) em relação aos alunos autodeclarados héteros.
 
Nesse sentido, como bem pontuou o agora ministro Barroso, é preciso considerar que as maiorias podem muito, mas não podem tudo. A resistência de uma parte da população, mesmo que majoritária, ao tema da homossexualidade como tabu não necessariamente deve se sobrepor ao interesse dos jovens LGBTs, uma vez que é questionável que a manutenção de uma ideologia conservadora cristã se sobreponha à questão do suicídio, aumento da morbidade, mortalidade e evasão escolar: todas essas outras esferas, constitucionalmente, inclusive, mais importantes e direitos fundamentais das pessoas.
 
O Kit, que, por sinal, não era direcionado a crianças e adolescentes - mas aos professores - e teve o aval da Unesco, infelizmente sofreu uma campanha de desinformação por parte da bancada evangélica. Foi cancelado. No entanto, pior ainda, não por causa do "interesse da maioria da população" ou "por causa dos valores cristãos" evangélicos, mas numa manobra governista para atender à bancada religiosa com vistas a manter um ministro, Antonio Palocci, no cargo diante da ameaça dessa mesma bancada de investigar seus supostos ilícitos.
 
A realidade, portanto, é bem mais suja - participando dessa sujeira a bancada religiosa evangélica e fundamentalista. É muito entristecedor que, ainda que não representativas da maioria (como se vê em estatísticas acima), 40 mil pessoas se disponham a ir a Brasília contra direitos que não lhes dizem respeito – e aos que supostamente diriam, como o PLC 122, sejam também alvos de desinformação, especialmente com a redação atual do projeto.
 
Graças à agenda eleitoreira, também o governo de Dilma tem se tornado refém desse tipo de interesse escuso. E, enquanto isso, o Brasil retrocede no combate ao HIV/Aids, na redução dos crimes homofóbicos, nos direitos fundamentais da cidadania, na evasão escolar e no suicídio de jovens e adolescentes LGBTs. Enquanto os evangélicos não perdem e nunca perderam um direito, comprando tevês e rádios e cinemas e, ainda assim, sob hipnose pastoral, se sentindo "perseguidos".
 
Em suma, muita pouca realidade, muita massificação, muita enganação e muita manipulação envolvendo um jogo político sujo, erguido sobre corpos de homens, mulheres, jovens, crianças e adolescentes inocentes.
 
Tais manifestações malafaístas só terão efetivo sentido cristão e religioso quando e se os mesmos evangélicos fundamentalistas se levantarem contra os casamentos de membros de outras religiões (que criam seus filhos na idolatria e na apostasia, segundo eles, o que é antibíblico), contra famílias monoparentais (o que também é desaconselhado pela doutrina), contra a Fertilização In Vitro (que é antinatural) e a favor da proibição do divórcio tal como na lei civil (que também é antibíblico). O fato de não o fazerem diz muito a respeito do que realmente está por trás: o que tem muito menos a ver com a "defesa da família tradicional" do que eles dizem ter.

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