quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Cuba e a medicina da discórdia

Cubanos


por João Marinho

A notícia da semana é a chegada dos médicos estrangeiros ao Brasil, atendendo ao programa Mais Médicos, do governo federal, e a um convênio com Cuba – e as vaias com que foram recepcionados em Fortaleza/CE. Como não podia deixar de ser, resolvi também dar meu pitaco.

De cara, eu digo que o maior problema nessa discussão toda é que todos têm razão em um ponto – e o problema é que, por causa disso, advogam em causa própria, com fortes cores ideológicas, sem admitir os erros de sua posição ou as deficiências do quadro completo.

Para isso, é preciso considerar alguns “falsos argumentos” que tenho visto por aí.

1. O problema do SUS não será resolvido com mais médicos, se faltam condições de trabalho mínimas.


Este é o argumento preferido da oposição ao programa e ao convênio, e há razão. Não é preciso ir longe para perceber a carência de que sofre o Sistema Único de Saúde: nas periferias das grandes cidades, como São Paulo, faltam equipamentos, faltam remédios, falta gaze, falta tudo. Pessoas, inclusive, morrem em filas de hospitais.

No entanto, essa não é toda a verdade. Existem, sim, casos em que há condições de trabalho, postos novinhos, equipamentos de última geração: o que não há são médicos.

Resumo da ópera: o SUS tem muito de ser melhorado e a carência de profissionais de medicina é crônica no Brasil, além da distribuição desigual desses profissionais. Dito isso, é verdade que a contratação de mais médicos, por si só, não resolve o problema da saúde – mas também é verdade que a contratação de mais médicos para regiões onde há carência de profissionais é, sim, parte da solução!

2. Se o problema da infraestrutura do SUS for resolvido, médicos irão aos rincões do País.

O problema desse argumento é que ele é pura especulação. De verdade, não critico os médicos que optam por viver em grandes cidades e/ou localidades mais estruturadas. Eu mesmo não viveria numa tribo da Amazônia – e, provavelmente, não faria jornalismo gonzo ali.

As pessoas são livres para decidirem o que é melhor para si. Em relação aos médicos, não são apenas os salários que contam. Quando se pensa em ir para uma cidade, levamos em conta as condições de vida, as escolas, o transporte. Médicos não são diferentes, e há aqueles que, por motivos personalíssimos, preferem não se arriscar e trilhar carreiras onde os ganhos são maiores, o que também não é moralmente errado.

Há, porém, aqueles que têm a paixão e a motivação pelo desafio. O problema é que, historicamente, eles têm sido menos que o necessário. Assim, não é possível dizer, com certeza cartesiana, de que, com infraestrutura adequada, ainda assim, uma cidadezinha do Amapá atrairia milhares de profissionais.

Então, temos de nos guiar pelo que temos em mãos: essas cidades não têm atraído profissionais suficientes... Assim, se há profissionais que se dispõem a ir a esses lugares, devem ser estimulados a tal, independentemente de onde venham.

Afinal, há uma questão de urgência: todos sabemos que o SUS precisa melhorar, mas não podemos pedir às pessoas doentes: “olha, esperem o SUS melhorar que, depois, haverá médicos aqui”. No “depois”, a pessoa já estará morta. Ela precisa de um profissional para agora, mesmo que as condições não sejam ideais...

3. Os médicos cubanos são “escravos”.

Não há dúvida de que o convênio entre Brasil e Cuba precisa ser mais elucidado, sob pena de desrespeitarmos nossa CLT.

Afinal, como Cuba é comunista, a bolsa de R$ 10 mil não será paga diretamente aos cubanos. O dinheiro vai para a Organização Panamericana de Saúde, que o encaminhará ao governo cubano, que reterá uma parte e dará a outra ao profissional.

O problema: não se sabe qual quantia será efetivamente recebida pelo profissional. As autoridades brasileiras falam entre R$ 2,5 mil e R$ 4 mil. A oposição e os veículos nacionais – “Folha” e “Época” na dianteira , como em artigo de Ruth de Aquino – rebatem, dizendo que, na Venezuela, segundo “fontes independentes”, um médico cubano recebe módicos R$ 550.

Fui atrás e pesquisei sobre isso.

O problema: as tais fontes “independentes” respondem pelo nome de Ramón Guillermo Aveledo, oposicionista direitista do regime de Chávez/Maduro.

Embora isso não o torne automaticamente um mentiroso, seria interessante que fosse informado ao leitor, pois dá margem a analisar a informação ideologicamente, ou, ao menos, pesquisá-la antes de lhe dar a chancela de verdade inquestionável.

Segundo Aveledo, um médico cubano na Venezuela recebe 1.200 bolívares, o que, convertido em real, daria R$ 550 segundo um câmbio mais antigo.

O problema: segundo averiguei, a informação de Aveledo é baseada em dólar – e encontrei um blog sobre medicina cubana que dá valores mais exatos.

O blog é mantido por um médico cubano, Dr. Eloy A. González, e está no ar desde 2005. Traz notícias sobre a situação de médicos cubanos no exterior e, por sinal, é crítico quanto à retenção de valores pelo governo de Havana.

Segundo González, fontes também independentes dão conta de que, na Venezuela, o médico recebe cerca de 230 dólares, outros 125 a 225 dólares são depositados em uma conta em Cuba para serem resgatados ao fim do programa e mais 50 dólares vão para a família do médico na ilha, tudo mensalmente.

Questionei o Dr. González sobre as fontes independentes, e estou aguardando. Enquanto isso não acontece, porém, somando tudo, o valor geral que um médico cubano ganha na Venezuela, segundo ele, chegaria a mais de 2,5 mil bolívares – pouco mais do que o salário mínimo venezuelano.

Resumo da ópera: médicos cubanos ganham pouco frente a estrangeiros naturais de seus próprios países, sobretudo na Venezuela; existe polêmica sobre o valor que Cuba retém para o governo, mas o convênio, por si só, não significa escravidão, estando dentro dos parâmetros mínimos venezuelanos (e brasileiros).

Os módicos “R$ 550” são por causa do câmbio, pois o real vale mais que o bolívar – e causam uma distorção da realidade por sua causa... Que vergonha, Aquino!

Segundo: o Brasil não é a Venezuela. O próprio González admite que, na África do Sul, onde trabalhou, os médicos cubanos recebiam mais.

É preciso que essa questão de salário seja melhor esclarecida pelo governo federal, sem dúvida – mas, se o governo estiver com a razão, ainda que os cubanos recebam menos que os brasileiros, não caracteriza escravidão...

Além de que os valores em dólares, quando na realidade cubana, significam um inquestionável alívio para o profissional e sua família em um contexto de carestia, como o da ilha.

4. Houve racismo em Fortaleza.

Essa é uma das preferidas do pessoal pró-Dilma acrítico. Vejam o vídeo aqui. Há muitos médicos brancos igualmente hostilizados.

Os médicos de Fortaleza foram imbecis, pois cubanos e outros (eram 96 estrangeiros, dos quais 79 cubanos) vieram atendendo a um programa governamental.

Se esse programa é questionado pelos médicos do Brasil, os estrangeiros não têm culpa. Que os brasileiros resolvam essa questão entre si.

Houve, sim, xenofobia dos médicos brasileiros no Ceará. Mas não necessariamente racismo.

Dito tudo isso, o que fica: o governo brasileiro precisa deixar mais claras as condições do programa Mais Médicos e do convênio com Cuba, sim, e é preciso fiscalização para que algo que é parte de uma solução não se torne a solução... Mas a vinda de médicos de fora, em si, é parte dela e não merecem eles ser hostilizados por assuntos internos nossos.

Resta saber se os pró-Dilma acríticos e os conservadores vão querer encarar as coisas com equilíbrio e realismo.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

22 de agosto de 2013



Celebração da vida




por João Marinho



... E aconteceu ontem. Exatamente às 6h30 da manhã, horário em que meu despertador costuma tocar me chamando para um novo dia de trabalho – malhação – estudar inglês (o que não tenho feito) – ver séries (o que tenho pouco feito) – ler livros – arrumar a casa – etc., etc., etc., eu fiz 35 anos de vida.

Tem um significado especial por ser uma comemoração “redonda”. Sabem como é: a gente “marca” as coisas de 5 em 5 ou de 10 em 10, de 20 em 20 e por aí vai...

Então, agora, aos 35 anos completos, estou exatamente na metade da terceira década de vida, lutando contra pelos brancos (até no peito, rsrsr), cabelos rareando e um pouco menos disposto do que quando eu tinha 25... Ou 15. Ah, sim, e cuidando mais da saúde por necessidade e também por esperar me tornar uma “maricona” apresentável daqui a mais alguns anos, hehehe.

Baladas que duram a noite toda? Passar noites em claro “freelando”, estudando e ter o pique para trabalhar e fazer hora extra? Dá mais não. Tem de rearranjar os horários para dar conta, e agora prefiro um cineminha com restaurante e dormir na minha cama quentinha, abraçado com meu namorado, uma boa noite de pelo menos 7 horas de sono – houve um tempo em que 6 me bastavam.

Em compensação, é legal saber que cheguei aqui me sentindo bem comigo mesmo, apesar dos pesares. Acho até que tô mais bonitinho do que quando eu era mais lolito e, se não, ao menos estou mais experiente, embora, verdade seja dita, eu não me sinta cognitivamente tããão diferente assim de quando eu tinha 18 anos. Ainda bem que tem quem discorde de mim nesse tópico...

Quando eu era evangélico e estava no segundo grau, fui levado a me perguntar por que comemoramos aniversários. Isso porque, na época, uma então conhecida minha se converteu às Testemunhas de Jeová e, embalada por sua doutrina, não viu mais necessidade de festejar a data.

Hoje, eu penso que eu seria uma testemunha de Jeová muito chinfrim. Isso porque convenci a mim mesmo que, diante de um mundo tão difícil – para todas as espécies, inclusive, já que a natureza é tão bela quanto incrivelmente cruel –, precisamos de algo que nos deixe felizes de vez em quando.

Pessoas morrem todos os dias, e todos sabemos que, cedo ou tarde, nossa hora chegará. Costuma ser uma certeza bastante angustiante para quem não vê nela uma forma de libertação, via suicídio – mas que mantém seu aspecto de angústia, uma vez que a pessoa que decide por tirar a própria vida não o faz sem senti-la.

Nós vivemos o luto por aqueles que se foram, lutamos para ficar por aqui mais tempo e tememos pelo derradeiro momento. Mesmo quem tem uma religião, porque, por mais que cada uma delas tenha sua versão sobre o pós-morte, a verdade é que ninguém tem uma certeza objetiva do que vem depois. SE vem depois. Algumas religiões mesmo ampliam o sofrimento, por condenar à danação eterna pessoas que, aqui, nos são caras.

Assim, comemorar o aniversário é uma forma de dizer, para o aniversariante, um “que bom”. “Que bom que você ainda está aqui, que pudemos passar esse tempo juntos – e eu espero que possamos passar mais um tempo assim”. É o oposto do luto. A resposta da vida perante a certeza da morte.

Não conheço pessoalmente ou intimamente todos que me escreveram aqui, mas quer seja o desejo e celebração dessa convivência físicos ou virtuais, é válido. Afinal, também nos aproximamos das pessoas pelas ideias, pelos escritos, pelas fotos e compartilhamos sentimentos e emoções afins.

Por isso, quero deixar aqui meu muito obrigado a todos que me escreveram, que me ligaram ontem ou me deram os parabéns pessoalmente. Tem de ser coletivo, porque foi um bocado de gente, hehehe, mas eu vi todas as mensagens e estejam certos de que as guardei no meu coração. Agradecimentos especialmente a meu namorado, meus amigos chegadinhos, minha família. Eu ainda estou aqui – e espero que o universo me ajude a ficar um bom tempo, pois não estou com pressa de partir.

Juntos, somos mais fortes


... E, então, eu ajudei uma trans

por João Marinho

 Aconteceu há alguns dias. Dezoito, para ser mais exato.

Eu estava postando um de meus artigos na comunidade LGBT Brasil, no Facebook, quando li um pedido de socorro. J., uma mulher bi do litoral paulista, procurou a comunidade para ajudar C., uma trans que sofria agressão severa por parte de sua "família" no interior de São Paulo. O motivo? Unicamente, ser trans. Coloco, inclusive, família entre aspas porque não acredito que a expressão se coadune com quem tem o mesmo sangue e faz esse tipo de coisa.

A situação era tão séria que C., segundo J., corria até mesmo risco de morte. Muitos se mobilizaram na comunidade, a maior parte com informações indicando o que C. podia fazer do ponto de vista legal, a começar com o registro de Boletim de Ocorrência.

No entanto, sabemos que as coisas não são tão simples assim. Evidentemente, buscar o poder público é importante e necessário, mas, quando a vítima se encontra em situação de vulnerabilidade, dependente e morando na mesma casa que o agressor, a situação se complica. Entendo eu, particularmente, que, antes de tudo, é preciso tirá-la daquela situação para que possa, então, exercer seus direitos e buscar a Justiça, se o desejar.

Foi o que fiz. Entrei em contato particular com J., que me passou todas as informações, e ajudei com uma determinada quantia em dinheiro, via transferência bancária, para pagar as passagens de C. do interior paulista para o litoral. Na ocasião, C. estava passando os dias na biblioteca e voltava para casa apenas à noite, a fim de evitar situações em que pudesse ser agredida.

Deu tudo certo. Hoje, recebi uma foto de J. mostrando ela, C. e um amigo bem, no litoral. Ela conseguiu acessar a transferência, pagar as duas passagens de que precisava – uma para Sorocaba e, de lá, outra para o litoral – e sair de sua cidade. Agora, Jully a está ajudando em sua nova casa, que já tinha conseguido para ela, e também deverá dar apoio na (re-)inserção profissional.

Não sei dizer se outras pessoas ajudaram, além de J. e de mim. Penso que sim e quero acreditar que sim (quem sabe mesmo a pessoa que forneceu o local onde C. agora mora?) – mas, de minha parte, fico feliz por ter contribuído e, quem sabe, mesmo ter ajudado a salvar a vida de uma trans.


Claro que foi uma coisa de alto risco. Deu certo porque J. é uma pessoa de bem, idônea... Mas uma situação muito similar poderia ser um golpe. No entanto, valeu a pena – uma demonstração de que juntos, nós, LGBTs, somos mais fortes.

Publico a história porque agora finalmente se inaugura um novo capítulo na vida de C. e também para estimular todos nós a que pensemos que somos uma tribo e devemos nos ajudar contra a homofobia. 


Mais importante: para deixar uma sugestão. Não seria demais se houvesse como instituir um fundo de caridade para ajudar lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade físico-psicológica, vítimas de violência? Poderia ser uma tremenda ferramenta para o movimento LGBT fazer – ainda mais – a diferença.

PS: preservo os nomes e as localidades por questões óbvias de segurança.

sábado, 3 de agosto de 2013

Felix, um personagem da ficção das 21h00

A militância sempre exagera com as questões LGBTs e a exposição nas teledramaturgias. Eu fico a pensar
que muitos gays acham que a vida deles, em família, tomará uma guinada de 180 graus uma vez que seus pais virem um beijo gay em uma novela da Globo, ou como aquele moço (bom moço) sofreu com a morte de seu namorado, tentando levar uma vida totalmente digna, dentro da “normalidade”, da moral cristã e seus costumes “nobres”, ainda que seja gay. Seria isso um lobby gay ou um lobby heteronormativo? Deixo essa para  outra oportunidade.

É, sem embargo, a coisa mais estúpida e contraproducente que eu já vivenciei por aqui e, pelo jeito, não está longe de ter um fim... Essa ingenuidade  intelectual só se explica pela sofreguidão da vontade em fazer as coisas acontecer, mas que na verdade enterra uma gama de assuntos mais imperiosos e pontuais que deveríamos lutar e defender.  Por exemplo, é muito mais fácil, e muito mais eficaz, que sua família veja você protagonizando um beijo gay do que o casal homossexual da novela;  é muito mais profícuo que você saia do armário em sua casa, que o Felix, na novela, seja exposto em sua homossexualidade a Suzana Vieira e ao Antonio Fagundes...  

O que eu quero dizer com isso? Será que eu desejo destruir as estruturas familiares? Será que eu desejo que os gays sejam deserdados e postos para fora de suas casas, tocados como cachorros sarnentos, jogados ao vento? Absolutamente, não! Mas, se há a vontade sequiosa de que se tenha mudanças, não espere que elas venham por conta dessa ou daquela novela da Globo. Para sua família ser gay é algo extremamente aceitável, desde que gay seja o filho do vizinho, nunca o meu filho... “o meu melhor amigo tem um filho gay, o rapaz é até gente boa, desejo o melhor para ele, ainda bem que você tem uma noiva linda Godofredo!”. Assim, o deputado federal Jean  Wyllys comenta em seu artigo para o sitio IG: “...A família sempre é a primeira saber e a última a acreditar...”. Diria eu, a última a aceitar e, talvez, não aceite nunca!

Os gays apostam todas as suas fichas nas mudanças que a teledramaturgia pode promover, o ledo engano que a exposição muda o Ethos... Não muda, traz o fato como algo próximo, expõe, mas não transforma, pois essa transformação só acontecerá quando dentro do nicho familiar o ethos cultural for possível para minha família, for verificado nela, dentro dela, arraigado, amalgamado, intrínseco em sua condição final.

Não estou dizendo com isso que a teledramaturgia seja descartável, ou que ela não deveria abordar tais assuntos, não é isso, mas apenas digo que as fichas da mudança do preconceito não acontecem por conta de uma novela, ou da exposição que essa possa promover, mas as fichas da mudança devem ser alçadas no comportamento do homossexual e a sua submissão cega à vontade de seus familiares, no desejo desses de ter uma família normal, e nisso o homossexual é descartado sumariamente.

Quer mudanças? Mude você! Não espere que a novela faça isso por sua felicidade, por sua condição existencial, pois ela não fará e nem poder para isso ela tem. Quer respeito? Tenha orgulho de si mesmo e se enxergue como algo digno, como uma pessoa que tem identidade própria, direitos e deveres, afinal, o Felix continuará sendo um personagem da ficção das 21h00 e você continuará sentindo as consequências disso.