quarta-feira, 15 de setembro de 2004

AXIOMA, UMA TENTATIVA DE RESPOSTA AO WALLACE



Wallace,

Lendo sua pergunta no comments fiquei entusiasmado a te responder. Entretanto, quando pensei, melhor, no que ia escrever como resposta, vi que não poderia fazê-lo, por uma questão simples, não tenho um axioma!

Penso que ele tenha que ser construído. Contudo, posso apontar um caminho à construção, apresentar uma idéia a ser refletida por todos nós. A minha proposta é olhar a nossa realidade, sem santificá-la em um modelo já existente, ou bestificá-la, mas olhar o que ela é de fato, ou o que ela representa para nós: em um primeiro momento, para nós como um todo; e em um segundo momento, para nós enquanto expressão individual, sujeito.

Deixe-me tentar explicar melhor: quando ocorreu a parada gay desse ano em São Paulo, na lista, surgiram vários comentários depreciativos, igualando a parada com o carnal! Imagino que as pessoas que seguiram nessa perspectiva, não o fizeram por pensar que a parada poderia ser uma arma de denúncia a serviço das "minorias", ou, como gosto de dizer: da população excluída pela condição sexual. Eles criticaram por terem em si o pensamento de maldição ao carnaval. Até agora, lembro-me de uma frase em que dizia das "caricaturas" que desfilavam pelas avenidas, mostrando um universo fatídico e doentio do meio gay! Agora, se fossemos pensar em arma de denúncia das minorias, ainda sim, não veria necessidade de tamanho repudio àquilo que a parada representa. Nesse caminho, onde entraria a minha perspectiva? Primeiro refletir o universo gay como um todo: será que a parada é tão distante da night gay? Será que a manifestação popular como fenômeno cultural é algo tão caricaturado e depreciativo como apontaram? E daí refletir o particular: o porquê da negação, da não aceitação, da crítica. Claro que isso já é um fato em si, de uma resposta bem simples, também, isso é só um exemplo! Mas há algo mais profundo nisso tudo.

Acredito, profundamente, que quem parte para algumas críticas, mesmo que às vezes, mergulhados em uma erudição, "aparentemente", despretensiosa, mas carregados de uma sutileza moralizante, assim procedem, pois estão presos a dogmas contrários à nossa luta. Que quando refletem o universo gay, só conseguem repudiá-lo, ou distanciá-lo de si mesmos, por um ideal conservador, ortodoxo, de uma classe preconceituosa. E isso tudo, por um motivo pessoal: a homossexualidade ainda é tabu! A expressão individual da qual fazem parte, é aquela que busca o céu e teme o inferno. É aquela que busca a santidade, e se satisfaz em um desejo de proteção e felicidade, ao mesmo tempo, em que se atormentam com a possibilidade da punição e condenação! Sempre escutamos falar que o meio gay é um meio promiscuo, de muitos parceiros, e sexo e nada de seriedade, ou compromisso. O que pensar sobre isso? Só podemos refletir o universo gay, e refletindo sobre ele veremos que: ele não é diferente em nada do universo "conservador"; onde um rapaz namora três meninas ao mesmo tempo; onde pais de famílias mantêm relações extraconjugais; onde um homem possuir várias mulheres sem compromisso é algo natural à masculinidade. Entretanto, as acusações de promiscuidade recaem sobre nós, pois não podemos casar! Daí, nossa teologia começa a buscar esse modelo de casamento, de familia gay feliz, de santidade relacional, etc.

Enfim, penso que o caminho não seja esse, até mesmo, pelo fato deu gostar do carnaval, deu sentir falta da night, deu não querer aderir ao projeto de casamento feliz e santificado. E, penso também que, como eu, muitos vivem assim! O nosso universo precisa desassociar essa idéia de santidade e bênção ao casamento, precisa banir de nossa teologia esse conceito de promiscuidade e maldição, demoníaca, do "mundano", pelo desejo da proteção e o medo da punição. Precisamos ver o que nos é próprio e santificarmos, posteriormente, como nossa expressão. Portanto o que fiz no outro texto foi apontar uma idéia, como nesse também faço. Mas apontar o axioma, isso não posso fazer, pois temos que construí-lo juntos. E a hora é essa, é o nosso momento. Não queremos casar, no modelo bíblico, mas queremos casar no modelo civil , e isso é um direito que temos, não porque é santo, ou o projeto feliz de vida santificada, mas porque é humano, então nossa teologia deve santificar o que é humano e se fazer respeitada por isso, e não por copiar o projeto de bênção de alguma instituição religiosa, que criaram uma teologia para justificarem as suas neuroses coletivas!

Um outro elemento muito difundido, e defendido na lista, está relacionado com o conceito escrituristico de Palavra de Deus. talvez, o que eu venha escrever, aqui, possa desagradar uma grande parte dos leitores, penso eu que vá. Entretanto, não quero maquiar a realidade, e o fato é: existe nas Escrituras um preconceito gritante contra a mulher, e contra os homens que se comportam dentro da perspectiva de gênero, que enquadram o feminino. Obviamente, muito da teologia antigay que se tem produzido na sociedade é recente, de uma interpretação vitoriana, de um olhar extremamente machista. O trabalho que fazemos vem de contra essa interpretação, e mostra que por um apelo cultural a mulher, e os que se assemelham a um comportamento de gênero feminino, não conseguem espaço na sociedade e, tentamos mostrar também, que tal perspectiva é ultrapassada, que a sociedade evoluiu, enquanto o modelo bíblico se encontra para uma cultura de data específica, e de uma época específica, sendo tais interpretações desatualizadas, e portanto, tem-se a necessidade de uma contextualização, de uma reinterpretação, e, até mesmo, de uma desautorização.

Não sei se é de seu conhecimento, mas, nesse momento, estou em um debate no Orkut, na comunidade Jovens Luteranos, exatamente sobre esse tema- homossexualidade e escrituras- o pessoal da IELB (Igreja Evangélica Luterana do Brasil) tem jogado em nosso debate, justamente, tal conceito de Bíblia: a Palavra de Deus. Claro que quem é da IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil) não aceita, e questiona. Entretanto, isso sempre me faz refletir um aspecto muito particular meu, e que agora passo a compartilhar com você:

Sempre quando vejo um homossexual partir para uma afirmativa dogmática em respeito a esse tema, lamento! Quem defende esse posicionamento, no fundo, no fundo, ainda se acha "doente". No fundo, no fundo, ainda quer ser "curado", "libertado". Precisa da Bíblia como um instrumento de punição para seu "mal" e, defendendo-a nesse conceito, defende a sua própria salvação, ou desencargo de consciência. Mesmo que afirme, que não considera a homossexualidade como pecado, quando traz as Escrituras nesse conceito, específico, de Palavra de Deus- atualiza para sua consciência o que é escondido, o que se faz no intimo como desejo último- proteção e punição. Nós precisamos de nos livrar disso, quem quer uma Palavra de Deus, quer um instrumento de lei e castração para o seu "mal". Ou damos um novo sentido à revelação, um sentido não literalista e santificado no modelo repressivo da vontade, ou não caminharemos muito longe na perspectiva de uma teologia Gospel Gay.

Bem, penso que seja por aí, refletindo o universo gay e o universo particular de cada um de nós, como realidade descrita, nua e crua, sem o processo ideológico, apenas o que nos é de direito!

domingo, 12 de setembro de 2004

Na busca de um axioma

Minha conversa, hoje, com vocês é da necessidade de uma sentença inegável, lógica, irrefutável, translúcida, para a teologia, dita, "gay". Vez ou outra, nos esbarramos aprisionados em velhos dogmas, que trazemos como apelo cultural para nosso círculo, mas, que entanto, nega ou contradiz o nosso apelo, a nossa luta. Tenho observado isso no grupo do qual faço parte. Muitas vezes, as considerações dos participantes, ainda, que declarados homossexuais vêm carregadas de tabus, misticismos e crendices comum dos grupos ortodoxos.

Isso ocorre pelo fato curioso, mas real em nosso meio; a falta de um paradigma, de uma sentença, que nos seja central e verdadeira. A busca de conformidade bíblica à nossa teologia tem ocupado a mente dos nossos pensadores. Entretanto, a conformidade bíblica a qual procuram, se estabelece sobre a ideologia da família, do projeto de Deus e da santidade, que já traz em si mesma, o preconceito às minorias e, nos é excludente.

Não necessitamos de um código Paulino como Palavra de Deus; necessitamos, sim, de um Evangelho; Não de um conceito de santidade, que é dada às listas de moralidade e moralismo cristão-estóico; mas de uma ética que diz da profundidade humana como profundidade divina. Não necessitamos que a familia seja abençoada por Deus, e portanto seu projeto de vida feliz; necessitamos de respeito, e direitos iguais na sociedade, mas não do projeto familia feliz de Deus, até mesmo, pelo fato do casamento ser uma invenção mística, banal, de juras de amor eterno, e uma união indissolúvel, que já é desgastada no que a sociedade chama de "convencional", mas, muitas vezes, desejada nas interpretações de nossa teologia.

A teologia que nos é própria necessita desvincular-se de determinados tabus; como por exemplo, a Bíblia Palavra de Deus. Mas, tem que se achar diante de sua realidade, de sua busca e de sua fé, sem a ideologia literalista, que não permite a reflexão humana, em prol de uma ala conservadora, que fala por toda cristandade e tenta se impor. O nosso espaço é diferente, a nossa santidade é outra. Não queremos ser castos do sexo, e nem queremos um único parceiro para a eternidade. Então, a nossa santidade se dá no respeito ao outro, na compreensão do outro e no acordo comum, que venha a existir entre os casais daí formados.

Nossa santidade não busca a um mundo de anjos, e um paraíso extraterrestre. Mas, se mostra no grito contra os excluídos, na promoção da dignidade, igualdade e justiça. Não queremos sair do mundo para um paraíso, mas queremos transformar o mundo em um lugar melhor para se viver, em um lugar de humanidade, de profunda humanidade e, refletir, assim, o projeto de Deus, o projeto de Deus para nossa teologia! Que se mostra no Cristo, o verbo encarnado, que se fez para todo o que crer ter a vida eterna. E como esse Cristo, que se faz profundamente humano em suas aspirações, também nós, assim devemos nos fazer. Entretanto livres para o sexo e suas relações, desde que se compreenda o mútuo consentimento e respeito. Livre para ser humano, desprovido de qualquer listinha farisaica e apelos moralizantes em nome do bom, hipócrita, costume. Esse axioma, tal paradigma, ainda não existe para nós, mas devemos escrevê-lo, fazer as novas tabuas, que respeitam a vontade do criador, pois respeita o que é humano, e assim, nos iguala ao próprio criador, em sua imagem e semelhança.

Por: Renato Hoffmann




segunda-feira, 6 de setembro de 2004


TUDO É MAIS DIFÍCIL PARA OS HOMOSSEXUAIS?

Esta é uma pergunta, quase que, com resposta unânime, visto que somos compelidos ou negligenciados à marginalidade pela sociedade na qual estamos inseridos, porém tal situação é pior por nós mesmos nos considerarmos inferiores e até ?merecedores? de tal status.

Desde cedo, descobrimo ? nos como diferentes, ?anormais? e isto para muitos é a pior das aceitações, já que ?nunca? seremos aceitos e consequentemente, felizes. Aprendemos que ser homossexual é tão igual ou pior a ser um marginal (ladrão, assassino, etc.). Com todos estes julgos de valor inseridos em nossa mente desde cedo, essa aceitação torna-se tão traumática que poucos passam por ela sem feridas e marcas para toda a vida

Quando nos aceitamos e imaginamos que agora temos ?orgulho? do que somos ou pelo menos a vergonha deixou de existir, mais uma vez nos deparamos com conceitos que ainda acreditamos não ser para nós: lar, casamento, família...amor. Tudo isto por que continuam internalizados conceitos que nos foram ensinados quando crianças: que homem com homem ou mulher com mulher é feio, que é uma ?relação? fadada e unicamente mantida pelo sexo e amor livre. Temos que conceber isto como inerente são só aos homos, mas sim a todos os homens (heteros, bis, pans, etc.), enfim o que se passa conosco à exceção de nossa orientação sexual, é completamente comum a todos os seres.

Também estudamos, trabalhamos, construímos, amamos... por que então continuarmos a nos refugiar em locais específicos para gays? Por que temos que ter medo de sermos o que somos? Continuamos sendo homens e mulheres e permitir que hajam distinções pela orientação sexual de cada um é nada mais do que fundamentar um conceito vil e segregador que por muitos vem sido mantido por seus próprios interesses e existência. O que seria das inúmeras religiões tradicionais sem o instituto do matrimônio hetero? Sem a massificação do pensar e agir? Teríamos cada vez mais seres conscientes e atuantes que não diriam amém a tudo que lhes fosse ?vendido? como o certo.

Entender que homossexuais terão muito o que fazer para mudar o cenário atual é simples, complicado será concebermos que ainda não arrumamos nosso ?templo? interior para aceitar que ser homossexual é tão comum quanto respirar e isto acarreta em se permitir viver sem vergonha, receio ou limitações. Temos tudo conosco e para sermos realmente felizes e nos livramos dos estigmas que nos cercam, precisamos apenas de coragem para viver cada dia de maneira altruísta e consonante com o que somos: cidadãos com deveres e direitos.

Cabe agora a cada um concluir se tudo é mais difícil para o homossexual ou tornado assim pelos outros e majoritariamente por nós mesmos, visto que somente você é responsável pelo que quer e pelo papel que vai desempenhar em seu existir.

por William de Castro

quarta-feira, 1 de setembro de 2004

MEDITAÇÃO NA PALAVRA
Abraçando a comunidade GLBT

Entre 4 Paredes (Espirituais)
"Se eu quero que ele permaneça até que eu venha, que te importa?" ( Jo. 21: 23c)

Penso que todas as pessoas que conheço, salvo, talvez, raríssimas exceções, querem ser bem tratadas, mas há uma boa fatia da população que acha que merece ser tratada de uma forma melhor do que as outras pessoas e, literalmente, se sente lesada com a alegria alheia. Este sentimento dipara quando observa os outros conquistando empregos mais bem remunerados, passando em concursos públicos cobiçados, adquirindo um imóvel ou veículo melhor, ou ainda, pasmem, quando se incomoda pelo fato de que outros possam estar desfrutando e mantendo um relacionamento afetivo, sadio e estável. Se este relacionamento for homossexual então, nem se fala!

A amargura de uma vida de inveja do sucesso de outrem, abre brecha profunda na alma das pessoas, afastando-as do verdadeiro propósito de Deus para suas vidas: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo com a si mesmo.


Quando medito neste assunto, gosto de me reportar ao texto que se encontra em João 21: 15 -23


Pedro estava numa "saia justa". Havia negado conhecer a Jesus e ser um de seus
discípulos. Foi covarde, mas amava ao Senhor. Precisou repetir isto 3 vezes ao
andar com Jesus às margens do mar da Galiléia. Jesus o moldou. Deu-lhe impulso e fôlego novo. Falou de seu futuro ministério, das dores, sofrimento e de sua
morte. Pedro, quebrantado foi transformado pelo amor. Não tornaria a negar a
Jesus. Não muito atrás dos dois, seguia João. Como sempre, atraído a Jesus. Não
havia a intenção de ouvir a conversa particular de Jesus e Pedro. Queria sim,
estar perto do Senhor. Pedro entendeu o que lhe reservava o futuro e a dureza da
tarefa que lhe estava sendo proposta, aceitando-a com humildade. Apesar disso,
sua primeira reação foi perguntar o que aconteceria com João!

Como é natural do ser humano, esperamos que o outro sempre experimente o mesmo grau de dificuldade que experimentamos. Queremos ser tratados com a igualdade que consideramos como sendo justa. Jesus responde (parafraseando...):

- Pedro, como eu trato João ou qualquer outra pessoa, não é da sua conta. É pessoal, assim como o julgamento de cada um será pessoal. Você não precisa se preocupar com isso. Faça a sua parte.

O julgamento de cada pessoa na face da terra é questão de foro íntimo do Senhor. Deus sabe exatamente quanto vale o "trabalho" (como se vive) de cada um. Que aflições, dificuldades mental e/ou psíquica com as quais tem que conviver; abusos aos quais foi, ou é submetido(a); ambiente em que foi gerado(a) e criado(a) e, ainda, os usos e costumes da cultura nos quais está inserido(a).

A história de vida de cada um é de cada um!

Portanto amados, não podemos viver a comunhão do outro com Deus, pois ela é pessoal. O nosso investimento deve estar direcionado para o aprimoramento da nossa relação pessoal com Ele. O que importa é procurar estarmos atentos naquilo que Deus fala e espera que realizemos.

Como Deus lida com o outro, não é a forma com a qual Deus lida e lidará comigo ou com você. Ele nos ama. Deu a Jesus por nós, então, não nos dará com Ele (Cristo) graciosamente todas as coisas?

Recebam minhas orações, amor e carinho,

Pra. Susan Hodge
suehodge@uol.com.br

"Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus."
Rm 12:2
A sociedade se corrompeu. A falta de sensibilidade e de sentimentos humanos dignos nos abandonou há tempos. Crimes, aberrações e desvios de conduta desfilam na passarela da mídia. O que é errado parece ser o correto e os culpados não são punidos.

Situações contraditórias, ser humano falido. Excesso de violência nos bombardeiam diariamente. Explorações, escândalos e sensacionalismos movem a nossa sociedade. O valor da vida não pode se esvair na frieza formal de uma sociedade corrupta e preconceituosa à beira do abismo.

A generosidade, a coragem para mudar e o amor ao próximo, que distinguem as almas nobres, tem sido o estopim de uma reação. Um basta! Não podemos nos conformar com as coisas deste mundo!

Devemos pedir à Deus para termos coração e sensibilidade diante do sórdido e do perverso. Ainda somos humanos. Pois existem ainda pessoas que se comovem com o belo, que socorrem os doentes, que sofrem com os que choram, que estendem a mão ao necessitado, que se sensibilizam com crianças nos faróis, que choram com as vítimas de injustiça. Porque ainda somos humanos! E Deus nos fez assim. Sentimos e estamos vivos. Ainda resta uma esperança. Somos filhos de Deus! E sobreviventes neste mundo cheio de desigualdades, preconceito e egoísmo. Mesmo com nossas diferenças, somos iguais.

Daniela