terça-feira, 30 de julho de 2013

Estratégia católica?

Francisco e os gays

por João Marinho

De verdade, penso que nós, LGBTs, devemos ter cuidado com Jorge Mario Bergoglio, atualmente conhecido como papa Francisco. Tenho visto muitos empolgados com suas declarações recentes, de que gays não devem ser marginalizados, e até dizendo que ele “defendeu nossos direitos”.

Na verdade, não defendeu, não.

Na continuação da entrevista, ao falar sobre o “lobby gay” no Vaticano, ele declarou que o problema não era a orientação sexual, mas o “lobby” envolvendo a orientação – e que o problema estava em qualquer “lobby”.

É uma declaração dúbia, que tanto pode ser entendida como uma crítica direta aos bastidores nem sempre limpos da política e do alto escalão vaticano – quanto, mais perigosamente, pode ser entendida como uma “condenação generalista”, de que qualquer “lobby gay” é algo a ser visto com desconfiança.

O problema é que, no Ocidente, a maioria dos países vive em regimes democráticos. A união de grupos em torno de interesses comuns faz parte da democracia e é saudável, como já observava Alexis de Tocqueville em sua obra A Democracia na América, análise do regime norte-americano.

Só que, para os adversários de uma demanda, qualquer união nesse sentido pode ser entendida e referida, negativamente, como “lobby”. Do ponto de vista geral, lobby é a pressão que grupos organizados fazem em cima do poder público para aprovar suas propostas, mas, do ponto de vista restrito e negativo, é a mesma pressão visando a atender a interesses privados, em vez de uma genuína preocupação com a coisa pública.

Seria “lobby” a tentativa LGBT de instituir o casamento homoafetivo, o reconhecimento da identidade de gênero dos/as transexuais e o acesso à cirurgia, a proteção contra a homofobia? Para os adversários, sim, e de forma negativa – afinal, não argumentam eles que são demandas que “atendem somente a uma minoria” e não representam “avanço” para a coisa pública? Ora, se lobby é ruim, como disse Francisco, como é que fica, então, a pressão política LGBT para aprovação de suas demandas?

Pensando assim, a frase de Francisco sobre integrar os gays à sociedade ganha outros ares. Uma vez que ele não vai – e nem pode ir – contra o catecismo oficial da igreja católica, essa integração pode ser entendida, também, do ponto de vista heteronormativo. Vale informar que o catecismo faz diferenciação entre orientação sexual e ato sexual. Uma vez que uma pessoa é homossexual, é sua “cruz” praticar a castidade, segundo o catecismo, pois os atos homossexuais são intrinsecamente desordenados.

A que integração Francisco se referiu, então? Ok, não se pode julgar os gays que buscam a Deus e estes devem ser integrados à sociedade – desde que mantenham a prevalência da heterossexualidade como único caminho digno e desistam de fazer “lobbies” em torno de seus direitos mais fundamentais, contra os quais a igreja católica formalmente se opôs em todos os países em que foram levados à discussão? Garanto que muitos não viram as declarações por esse ângulo – mas vejam o perigo...

É claro que é difícil dizer a real intenção de Francisco sem cair em injustiça ou especulações vazias. No entanto, dado o histórico da igreja católica e a atitude dos últimos dois papas que pude conhecer em vida (Jesus, como tô velha!), os patentemente homofóbicos João Paulo 2º (que vai ser canonizado pelo mesmo Francisco!) e Bento 16, que vociferavam – ainda que disfarçadamente, com voz doce – contra nós outros e nossos direitos até em pronunciamentos de Natal, eu diria que “pôr as barbas de molho” é a coisa mais certa a fazer. Prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém, não é assim?

Também não podemos deixar de ter em mente que, enquanto cardeal, Bergoglio se opôs veementemente à aprovação do casamento gay sob o governo de Cristina Kirchner, na Argentina – e não apenas como religioso, mas incutindo-se na esfera pública para influenciar a política de um Estado laico, o que é sempre perigoso... Um... Lobby? Curioso, né? E não, Bergoglio e Francisco não são duas pessoas diferentes só porque trocou o homem de nome. A encíclica escrita a quatro mãos com Bento 16 reforçou seu histórico de oposição a tais direitos de homossexuais, inclusive – e, mesmo não sendo eu católico, sei perfeitamente que uma encíclica tem mais importância que uma declaração a jornalistas.

Há, porém, ao menos um fato que merece ser analisado positivamente nas declarações de Francisco. O tom com que falou dos homossexuais representou, de fato, uma mudança na abordagem feita por seus antecessores. Enquanto cardeal, diz-se, se opôs ao casamento gay, mas admitiu a união civil. Eu diria que a dubiedade a que me aludi mais atrás, inclusive, não foi fora de propósito.

Francisco está francamente atrás de conter o escape de fiéis, e assim, você pode não ter notado, mas, sob o “manto do amor”, tem reforçado os dogmas católicos. Reza com pastores na assembleia de deus, mas a posição de que a igreja católica é a única onde encontrar a salvação está “positiva e operante” como nunca. O papa, no fim, é pop e bastante inteligente – um excelente garoto-propaganda, que se mostra humilde e conquista simpatia, ao mesmo tempo em que solidifica a ideia de correção e hegemonia de tudo que é dito por sua igreja. Para o bem e para o mal. Isso pode ser percebido na questão dos gays, se minha chave interpretativa estiver correta.

Embora suas declarações possam ser um “morde e assopra”, têm a vantagem, que também não me é casual (ele é inteligente, lembre-se!), de marcar uma diferença entre a forma católica e a forma não católica (em outras palavras, evangélica) de tratar a questão. As reações de Silas Malafaia e Marco Feliciano, respectivamente, à popularidade e ao discurso de humildade do papa e à declaração sobre gays mostram que eles também sentiram isso – e se incomodaram, mesmo negando.

Se o papa estiver mesmo engajado numa “guerra fria” contra as religiões evangélicas – mordendo-as e assoprando-as também –, religiões essas que, via políticos fundamentalistas, têm se tornado uma verdadeira pedra no sapato do Brasil laico, tanto melhor. O inimigo do meu inimigo é meu “amigo”. Entretanto, enquanto LGBTs, precisamos ser maquiavélicos (no sentido de Maquiavel), saber aproveitar esse momento, mas estar cientes de que essa “amizade” vai até à página dois, antes de ir beijar os pés de Sua Santidade. Todo cuidado é pouco: e essencial para que não compremos um cordeiro e terminemos com um lobo nos devorando em casa.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Porque investem as prefeituras em eventos gays?


Pink money com autoestima

Sim, gays têm dinheiro, mas pode não ser tanto assim –
e, principalmente, não deve ser para todo mundo!

por João Marinho

Dois milhões e duzentos mil reais. Informados por seu diretor executivo, Nelson Matias, em uma reportagem publicada no portal iG e assinada por Pedro Carvalho, os custos da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, cuja 17ª edição foi realizada em 2 de junho de 2013, impressionam – e se tornaram fonte de crítica por parte de setores conservadores e religiosos tradicionalmente avessos a eventos com foco no público de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
Isso porque, do total de R$ 2,2 milhões, a Prefeitura de São Paulo bancou, ainda segundo a reportagem, R$ 1,6 milhão. Foi o que bastou para que religiosos e conservadores reclamassem, em sites da imprensa, evangélicos e afins, da “conta absurda” a ser paga por dinheiro público, que deveria ser usado para o bem de todos – e não de uma “minoria”.

Lucro alto
A Parada de São Paulo, como outras pelo Brasil e pelo mundo, surgiu espontânea, fruto da mobilização de ativistas LGBTs. Apenas posteriormente, passou a fazer parte de calendários oficiais do poder público. A verdade nua e crua, porém, é que não existe almoço grátis – e isso se aplica ao apoio dos governos.
Dito isso, é necessário considerar que os custos da Parada de São Paulo, tradicionalmente a maior do País, representam apenas a ponta do iceberg – e o que está debaixo dela se reverte, sim, em benefícios extremos para a população e para o poder público.
Sem levar em conta que os gastos da Prefeitura são com infraestrutura, o que já os justificaria, a mesma reportagem do iG informa que, segundo dados da São Paulo Turismo (SPTuris), 39,5% do público da Parada é de turistas, que gastam, em média, R$ 1.272 no fim de semana do evento.
Bem, 39,5% de 600 mil pessoas (estimativa do público segundo a Polícia Militar no ano de 2013) ou 39,5% de 220 mil pessoas (estimativa do Datafolha) resultam, respectivamente, em 237 mil pessoas e 86,9 mil pessoas. Cada uma gastando, em média, R$ 1.272, isso significa que os turistas deixaram aproximadamente, na cidade de São Paulo, quase R$ 301,5 milhões, ou, se apelarmos para os números de público do Datafolha, mais de R$ 110,5 milhões.
Com esse retorno – dinheiro que os turistas gastam em hotéis, alimentação, transporte, lojas, etc. –, quem, em sã consciência, não gastaria R$ 1,6 milhão no evento? Em termos comparativos, isso significa que, para cada R$ 1 gasto pela Prefeitura de São Paulo no evento, são retornados cerca de outros R$ 187 que ficam na cidade, ou mais de R$ 68, seguindo as estatísticas do Datafolha.
Se a Parada fosse uma poupança e o dinheiro público fosse ali aplicado, ela renderia, em um fim de semana, 18.741,50% de juros, considerando o público estimado pela PM, ou 6.808,55%, considerando o público estimado pelo Datafolha. Isso falando apenas dos turistas, sem levar em conta o dinheiro que os próprios habitantes da cidade e municípios próximos gastam, em transporte, comida, compras.
Posso estar errado, mas acredito que nenhum banco, no Brasil ou em outros países, forneça taxas de juros tão formidáveis em sua carteira de investimentos. Portanto, em vez de reclamar porque o poder público gastou R$ 1,6 milhão, por que não agradecer pelo verdadeiro investimento que ele fez?
Parte dos outros R$ 600 mil não bancados pela Prefeitura veio de empresas públicas, como Caixa e Petrobras. Não foi possível definir, para este artigo, quanto do dinheiro deixado em São Paulo é recolhido em impostos federais, mas a julgar por números tão expressivos e impostos tão universais quanto os brasileiros, não soa imprudente dizer que o governo federal recebe, também, um gordo quinhão.

Marginalidade e baixa autoestima
Os números impressionantes se repetem em outra cidade com uma tradição de eventos LGBTs: Juiz de Fora, em Minas Gerais, que realiza sua 36ª edição do Miss Brasil Gay em agosto/2013 e seu igualmente tradicional Rainbow Fest, no mesmo mês. As últimas estatísticas sobre o Rainbow, datadas de 2006, mostram que, naquele ano, 10 mil turistas injetaram nada mais, nada menos que R$ 4 milhões na cidade. Estratosféricas, novamente.
Os dados de São Paulo e Juiz de Fora parecem fazer jus à fama do pink money. A expressão é oriunda do final da década de 1970, nos Estados Unidos. Na época, grupos de direitos de homossexuais não dispunham de patrocinadores para suas ações e tiveram uma ideia brilhante: em um dia de protesto nacional, toda nota de dólar que passasse na mão de um gay deveria ser riscada com uma caneta rosa, no canto. Isso mostraria o potencial que os patrocinadores estavam perdendo.
De lá para cá, cresceu o interesse no “dinheiro cor-de-rosa”, que movimentaria mercados bilionários envolvendo a população LGBT: respectivamente, cerca de US$ 100 bilhões anuais no Brasil e US$ 800 bilhões nos Estados Unidos, segundo reportagem publicada há dois anos na revista IstoÉ Dinheiro. O texto ainda se refere a uma estatística do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segundo a qual essa população gasta, em média, 30% mais que seus pares heterossexuais em consumo e lazer.
No entanto, toda essa “orgia financeira” tem três lados que são bem negativos.
O primeiro e mais premente é que, no Brasil, não se vê as empresas – sobretudo as grandes marcas – envolvidas fortemente na conquista desse público. Com uma visão embotada de negócios e com receios extremados de “desagradar” a população conservadora, LGBTs permanecem, para essas marcas, relegados a uma posição marginal e oculta.
Se, nos Estados Unidos, companhias como Apple e Google se envolvem em campanhas pró-diversidade sexual, no Brasil, são comuns comerciais polêmicos, como o da marca de cuecas Lupo – que, se não pode ser considerado homofóbico per se, ao menos é de gosto duvidoso e flertou com uma ideologia, no mínimo, questionável. Na Parada de São Paulo, para manter o exemplo, a única empresa privada a adquirir uma cota de patrocínio foi a marca de camisinhas Olla.
Os empresários com negócios voltados diretamente aos LGBTs não fazem mais bonito. Tirando honrosas exceções, investem pouco pelo dinheiro que recebem e falham no treinamento de funcionários, sobretudo seguranças. Casos de espancamentos homofóbicos em boates GLS – absurdo! – têm tomado os jornais ultimamente. Finalmente, o poder público tampouco faz jus ao que recebe. Como se explica o desbotado combate à homofobia em cidades que recebem tantos milhões de reais do bolso do público LGBT?
O segundo lado diz respeito ao fato de que a tese do pink money esconde uma questão social importante: não; o público LGBT não é necessariamente endinheirado, branco, de classe média e disposto a gastar centenas ou milhares de reais por noite. Em termos estatísticos, se, no Brasil, a maioria da população é de classe média-baixa (a atual classe C) a classes menos abastadas, isso se reflete entre os LGBTs. Especialmente no caso do/as transexuais e travestis, tão maltratados/as que, não raro, são vítimas da evasão escolar, com oportunidades profissionais mais restritas.
Essas pessoas têm de ser tratadas com respeito – não por causa do dinheiro que podem gastar, mas por seu lugar como cidadãos e cidadãs. O pink money pode nublar a existência de demandas sociais, reais, objetivas e prementes para a população LGBT. Ora, se está endinheirada, o que falta a essa população? Na verdade, falta tudo, a começar pelo combate à homofobia/transfobia, passando por políticas públicas de prevenção à violência e promoção da saúde e de promoção da autoestima. Gay morto não gasta. Gay agredido não consome: deixa o salário no hospital – e tanto pior quando se está frente à realidade de que não há tanto dinheiro assim no bolso.
Finalmente, um terceiro lado ecoa uma questão que acabamos de mencionar: a autoestima ela-mesma. Cercados por uma cultura homofóbica e sofrendo de preconceito internalizado, LGBTs estão ainda longe de serem “craques” nessa faceta tão importante para o ser humano. É comum que “encontrem” desculpas para a homofobia de terceiros, especialmente quando compram e consomem.
Se, nos Estados Unidos, boicotes promovidos pela GLAAD (antes, Gay & Lesbian Alliance Against Defamation) são efetivos e temidos pelas marcas, no Brasil, consumidores LGBTs se esmeram em “justificar” comportamentos discriminatórios de empresas e comerciais, mesmo quando patentes. Pior: às vezes, sequer se preocupam em investir em lugares que os respeitam.
Quem nunca teve um amigo ou amiga que se recusa a ir a um lugar porque “é gay demais” ou “tem muito ‘viado’”? Ou que, ao presenciar um flagrante desrespeito em um ambiente comercial, como em um restaurante que tenta impedir uma simples troca de beijos homoafetiva (“selinho”), concorda com o estabelecimento, em vez de se colocar ao lado do consumidor injustiçado que, no limite, é gay como ele?
É preciso, portanto, ter em mente que o pink money tem, sim, sua relevância, mas que ele, por si só, é insuficiente para conquistar cidadania. Esta se conquista por meio de luta política, de mobilização social – e, sobretudo, por meio de um intenso e interno trabalho de autoestima. Inclusive na hora de se recusar a deixar parte do salário, normalmente ganho a duras penas e em ambientes nem sempre liberais e libertários, nas mãos de quem não merece.

Pense nisso. 
 

 
Texto originalmente publicado no Rainbow Guia do 16º Juiz de Fora Rainbow Fest.
 

Referências:




quarta-feira, 24 de julho de 2013

A cura da aids

A cura da aids chegou?




por João Marinho

Pessoal, a revista Superinteressante de agosto vem com uma chamada que todos aguardam há anos, mas é preciso certo cuidado.

A cura da aids ainda não existe. Não, pelo menos, para todos os soropositivos – e não, pelo menos, a chamada cura esterilizante, que significa a eliminação completa do vírus do organismo.

Cautelosos, até o momento, os cientistas falam de um segundo tipo de cura: a cura funcional. Isso significa que ainda podem existir cópias do vírus nos organismos, mas incapazes de causar a doença e que livra o portador de precisar tomar antirretrovirais o restante da vida, quiçá de transmiti-lo.

Já é um grande passo, especialmente se pensarmos que, para muitos vírus que infectam o ser humano, a cura natural é, de fato, a funcional. Por exemplo: você já teve catapora na infância?

Parabéns. Você acaba de descobrir que é um legítimo portador do vírus Varicela-zóster (VZV), que nunca abandona seu organismo. Ele apenas fica aí, escondido, sob controle do sistema imune e incapaz de causar danos a você e a outros – exceto quando o sistema imune sofre um golpe considerável, e o Varicela-zóster pode vir a causar uma segunda doença, o herpes-zóster. Fora isso, é uma cura funcional de que todos desfrutamos.

No entanto, ainda não existe, em relação ao HIV, um remédio ou método que possa ser aplicado em larga escala para garantir nem mesmo essa cura funcional. Assim, evidentemente, a capa da Super é uma estratégia de marketing. Afinal, vai vender muito.

No entanto, as demais informações da revista procedem, realmente. Se, há alguns anos, ninguém curado (nem funcionalmente) do HIV/Aids existia, essa não é a realidade de hoje em dia. Aliás, a contagem está incorreta: não são 16 pacientes, mas 18.

O primeiro foi o "paciente de Berlim", Timothy Ray Brown. Portador do HIV e depois tendo adquirido leucemia, não relacionada ao vírus, foi submetido a um transplante de medula óssea de um portador com uma relativamente rara mutação que torna uma parte das pessoas imune ao HIV, mutação esta mais recorrente entre os povos nórdicos. Deu certo, e Brown se viu livre da leucemia – e da aids.

Os demais vieram em um "boom" de anúncios feitos este ano. Um bebê nos Estados Unidos que apresentou cura após receber um tratamento antirretroviral bem agressivo muito precocemente. Depois dele, mais 14 adultos, dessa vez na França, atingiram o mesmo êxito. Completando o pacote, somam-se mais dois adultos submetidos a transplantes de medula óssea, nos Estados Unidos, para tratar linfomas – e realmente há estudos promissores nesse sentido, um dos quais (não sei se é o citado na reportagem da Superinteressante) conduzido na Dinamarca.

Não se pode falar, porém, ainda em cura (para todos) porque transplantes de medula não são estratégias possíveis em larga escala, ainda mais tendo de buscar doadores compatíveis e com determinadas características genéticas de resistência ao vírus. Tratamento antirretroviral agressivo precoce é mais interessante, mas, até agora, os casos de sucesso se deram em períodos de infecção em que as pessoas sequer sabem que têm o HIV, quanto mais iniciarem o tratamento. Finalmente, os estudos ainda demorarão alguns anos para terem resultados contundentes. O da Dinamarca apenas concluiu a fase in vitro – mas, afinal, há o que comemorar?

Claro que há. Entre falhas e tropeços, a humanidade está "chegando lá" – e hoje a cura, funcional ou esterilizante que seja, está bem mais próxima do que há 30 anos. Afinal, antes não havia ninguém. Agora, 18 pessoas já podem se gabar de terem conhecido o vírus – e de o terem derrotado.

Links:

Paciente de Berlim: http://noticias.terra.com.br/ciencia/unico-a-vencer-hiv-quotpaciente-de-berlimquot-quer-cura-de-outros,d63b00beca2da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html

Bebê: http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/mundo/noticia/2013/03/medicos-anunciam-cura-funcional-do-hiv-em-bebe-nos-estados-unidos-4062836.html

14 adultos: http://oglobo.globo.com/saude/apos-cura-de-bebe-com-virus-da-aids-estudo-anuncia-exito-em-14-adultos-7848999

2 americanos com transplante: http://g1.globo.com/bemestar/noticia/2013/07/transplante-de-medula-ossea-livra-pacientes-do-virus-hiv-diz-estudo.html

Estudo dinamarquês (em inglês): http://www.aidsmeds.com/articles/misleading_reports_1667_23916.shtml

sábado, 20 de julho de 2013

Machismo feminino

As mulheres, a religião, o machismo


por João Marinho

Sempre me perguntei por que as mulheres não são todas ateístas, ou não buscam sua religiosidade em credos que as valorizem, como os relacionados à bruxaria e ao Sagrado Feminino.

Nunca consegui compreender ao certo, por exemplo, mesmo quando eu era evangélico, por que existem mulheres evangélicas, que tão alegremente defendem a submissão feminina no casamento ou o uso do véu (como na Congregação Cristã no Brasil) e mesmo permitem que pastores preguem isso em suas cerimônias de união.

Nunca entendi por que há mulheres católicas, pois, mesmo sabendo que há Maria e as santas, não consigo compreender por que aceitam que a valorização seja dada pela virgindade (Maria era virgem) e participam de uma religião que lhes fecha as portas à liderança por causa de seu sexo.

Nunca compreendi por que há mulheres muçulmanas, que aceitam cobrir todo o corpo para manifestar sua "decência", mas não exigem dos homens a contrapartida dessa "decência": a de que o corpo da mulher não é "território livre" a ser explorado, mas que deve ser respeitado mesmo nu - e se contentam com uma religião que lhes "autoriza", na terra, a dividir seu marido com outras três, contra sua vontade; e, no Paraíso dos heróis, a admitir que o mesmo homem seja agraciado por 70 virgens - e ela?

Nunca entendi por que há mulheres machistas, que ensinam a seus filhos que chorar "não é para homem", que arrancam os cabelos ao vê-los brincando de boneca, mas festejam quando se tornam "pegadores" enquanto analisam milimetricamente o comprimento da saia de suas filhas.

Também sempre me perguntei por que há mulheres lesbofóbicas, bifóbicas e transfóbicas, quando lésbicas, mulheres bissexuais, travestis e mulheres trans tão-somente mostram que o feminino pode ser autossuficiente: seja na busca pelo prazer, sem a necessidade da contrapartida peniana; seja no fato de que o pênis, por si só, presente biologicamente em um corpo, não é suficiente para negar à pessoa esse mesmo feminino.

Nunca entendi por que há mulheres homofóbicas (ou, melhor dizendo, gayfóbicas), que se incomodam com "homens que se comportam como mulheres", sobretudo os efeminados - por que, afinal, o que há de tão errado com o feminino para que homens não possam assimilá-lo para si?

A história da norueguesa que denunciou um estupro em Dubai e acabou presa por indecência (http://tinyurl.com/le9c2bb) mostra bem o lugar reservado a elas em leis e costumes baseados em religiões tão machistas, tão masculinas e tão fechadas ao feminino, religiões que também condenam todas as sexualidades "desviantes" e "desviadas" - e não me venham dizer que "não tem nada a ver com religião", pois em um país majoritariamente islâmico e onde a ideia de laicidade é mais fraca, tem tudo a ver com isso, sim.

No entanto, não é só no Islã que vemos essas barbaridades. Hoje, o Ocidente ainda desrespeita muito suas mulheres, mas inegavelmente sua vida é mais fácil, ou menos difícil, e sofre menos interditos. No entanto, que esteja clara uma coisa: se isso aconteceu, a religião - cristã ou judaica - é a última a quem deve ser dado qualquer reconhecimento, posto que, enquanto pôde, resistiu às mudanças. Ainda resiste, e, via de regra, tenta revertê-las.

O feminismo muito ajudou em denunciar essa sociedade machista. Em lutar por direitos iguais - luta que está longe do fim. No entanto, nunca vamos chegar lá se as mulheres não perceberem que elas também contribuem para o estado machista das coisas. Há feministas que tratam todos os homens como inimigos e todas as mulheres como vítimas, quando há homens que apoiam os direitos femininos e mulheres que se esmeram em reproduzir o discurso antifeminino e misógino e ainda lutam pelo "direito a tê-lo" por "razões morais e religiosas".

Alguém há de argumentar que a dominação do patriarcado tomou conta do corpo e das mentes femininas de tal forma que elas assimilaram essas ideologias. Isso tem fundamento: percebemos isso até em gays homofóbicos. Os outsiders assimilam a ideologia dos estabelecidos e passam a concordar e estimular a própria segregação.

Isso, porém, não retira a parcela de responsabilidade que cabe a essas mulheres, assim como não retira a responsabilidade da homofobia nutrida por gays. Porque, se há uma coisa que aprendemos sobre liberdade é que ela não pode ser imposta. Não se pode obrigar alguém a ser livre. A liberdade tem de ser querida, desejada, almejada e, não raro, conquistada.

Eu me pergunto, inclusive, até que ponto o horror ao estupro não está ligado ao machismo de alguma forma, à ideologia do corpo dominado da mulher e sua valorização a partir da "pureza" e da "virgindade". O estupro seria, portanto, horrendo não apenas por atentar contra o corpo da mulher, mas por atentar contra sua "pureza", pré-exigida pelos machos em busca de parceira.

Não, não nego que o estupro seja um crime hediondo, à medida que atenta contra o corpo e a liberdade violentamente, mas sempre me chamou a atenção que fosse considerado menos grave ou inexistente quando a vítima fosse homem (supostamente "forte" e "dominante"), especialmente tendo a mulher como agressora, ou ainda fosse considerado menos grave ou inexistente quando supostamente oriundo de comportamentos permissivos por parte da mulher-vítima: se ela vai a um baile funk com roupas mais curtas e requebra-se no colo de um rapaz, é como se este "ganhasse" o direito de penetrá-la sem autorização.

Também sempre me chamou a atenção que o comportamento supostamente permissivo por parte da mulher, no usufruto de seu corpo, fosse considerado um diferencial para atestar sua imoralidade e sua impossibilidade de ser considerada vítima ou cidadã. A prostituta que não é explorada por cafetões e cafetinas e escolheu sua profissão não pode ser feliz na campanha do Ministério da Saúde, mesmo sendo tal campanha oriunda de oficinas com apoio de organizações de prostitutas e buscando o resgate de sua autoestima.

Voltando ao caso de Marte Deborah Dalelv, a norueguesa de 24 anos condenada em Dubai, que saiu de uma festa depois de ter bebido e, sob o efeito de álcool, foi estuprada e penetrada contra a vontade - e, após denunciar o crime, foi condenada por atentado à decência, ingestão de álcool e sexo antes do casamento -, me pergunto quantos homens... E mulheres... Ficariam ao lado dela se o sexo tivesse sido consentido.

Quantos e quantas defenderiam que é imoral condenar uma mulher que quis f*der antes do casamento (e uso essa expressão para não amenizar o aspecto tão carnal e visceral de um bom sexo), porque o corpo é dela? Ou será que notaríamos uma mudança no discurso, que passaria a condenar a mulher de olhos claros porque "evidentemente" teria desrespeitado os costumes de Dubai e deveria "ter se comportado"?

Eu aposto minhas fichas na segunda hipótese - e você? Se concordar comigo, havemos de chegar a um ponto comum: o fato de que tantas mulheres reproduzam esse discurso significa que precisamos, urgentemente, de uma Revolução Feminina.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Empatia


A importância da empatia



por João Marinho


Quem me conhece sabe que não sou muito dado a posts do tipo “minutos de sabedoria”. Mesmo assim, achei que talvez fosse legal abordar algo que tem sido muito frequente nos meus textos ultimamente: a empatia.

Lembro que uma das primeiras vezes em que vi e me apaixonei pela palavra foi anos atrás, na extinta série Charmed, que passava no Canal 21 sob o título de Jovens Bruxas.

A série continuou depois passando na tevê a cabo, e uma das personagens, Phoebe (Alyssa Milano), que tinha o dom da premonição, desenvolveu um poder ativo: por meio da empatia, ela era capaz de descobrir como outros bruxos e bruxas usavam seus poderes e usá-los contra eles próprios.

Claro que o poder da empatia me chamou a atenção. Dicionários me forneceram uma definição, e cito aqui uma das do Houaiss: “capacidade de se identificar com outra pessoa, de sentir o que ela sente, de querer o que ela quer, de apreender do modo como ela apreende, etc.”.

A empatia é, portanto, uma capacidade eminentemente emocional e afetiva. Trata-se de assimilar a alteridade, em vez de rejeitá-la, e “colocar-se no lugar do outro”. Em Charmed, não por acaso, os poderes bruxos eram ativados por emoções.

Gosto de pensar que minha inteligência é eminentemente do tipo empática, se é que existe essa classificação. Não sou bom com mapas, deixei os cálculos matemáticos faz muito tempo, sou bom em linguagem só porque aprendi e minha noção espacial é pobre e ridícula. Mal sei determinar o leste e o oeste. Definitivamente, sou também descoordenado, razão pela qual estou ralando horrores para aprender o nado peito.

Felizmente, ser empático me ajuda na minha profissão, jornalista. Consigo estabelecer vínculos com as pessoas e olhar as coisas de outros pontos de vista, vendo como elas veem. Não por acaso, dentro do jornalismo, a editoria de Comportamento é uma de minhas praias.

No entanto, não é preciso ser jornalista para praticar empatia. Em maior ou menor grau, todos nós, com exceção dos psico/sociopatas, a possuímos, e considero importante praticá-la sempre que dá. Acho mesmo que falta muita empatia no mundo. Se houvesse um pouco mais, as coisas seriam mais fáceis.

Já usei de empatia para conversar com um garoto de programa português e me solidarizar com sua situação. Ilegal no Brasil, sem poder arranjar trabalho normal pela falta de documentos, tirava seu sustento como garçom irregular e vendendo o corpo. Mesmo esperava, esperançoso, pela deportação.

Já usei de empatia para conversar com algumas “não pessoas”, os moradores de rua. Descobri que há os que são bem-informados, trabalham, votam e têm famílias, mas as abandonaram ou foram abandonados por elas. Desentendimentos e drogas são alguns dos motivos.

Outros simplesmente perderam tudo – e há o caso de uma mãe que largou casa para tentar ver o filho, preso por furto. Três deles, anos atrás, foram gentis ao me protegerem de uma chuva torrencial, me oferecerem agasalho e até quiseram fazer sexo comigo, mas isso é assunto para outro momento e só para amigos próximos...

Falo de empatia, porém, para mencionar uma experiência que está completando aí uns cinco meses e que me fez reconhecer, mais uma vez, seu valor.

Ali pelo fim do mês de fevereiro, ao sair do trabalho, fui abordado por um homem no centro de São Paulo. Minha primeira reação ao espanhol com forte sotaque dele foi dizer “no hablo español” e seguir, com um amigo de trabalho, meu caminho. Como boa parte dos paulistanos, assumi que ele só queria pedir dinheiro – mas a empatia me impediu.

Algo me fez voltar atrás e escutar a história do tal homem. Senti que ele tinha algo a dizer que merecia ser ouvido. Treinando meu espanhol um tanto rude, intercalado com expressões em inglês, descobri que ele era chileno, gay como eu, e havia sido assaltado ao chegar a São Paulo. Levaram dinheiro, cartão de crédito, o que puderam.

A mochila grande e pesada dava sustento à história, e ele foi bem exato na quantia de dinheiro que precisava: a soma correta para pegar um metrô e um ônibus para ir ao Aeroporto de Guarulhos pegar o avião e utilizar a passagem transferida que tinha conseguido com a ajuda do Consulado Chileno.

Dino, ou Dthai (como ele assinava no Facebook), foi comigo pegar meu terno novo, já que eu ia ser padrinho de casamento de uma amiga. Jantou comigo, embora tenha recusado a oferta que lhe fiz de lhe pagar um prato, e eu acabei pagando para ele a passagem do ônibus especial da Praça da República para o Aeroporto, 5 vezes mais cara, para ele não correr o risco de perder o voo. Coloquei-me no lugar de um estrangeiro que perde todo o dinheiro em outro país e nem mesmo fala o idioma do lugar.

Enquanto eu comprava a passagem, ele escreveu uma carta de agradecimento, me deixou seu e-mail e seu Facebook e mantivemos contato por um tempo. Dthai gostava do Brasil e já havia conhecido diferentes cidades: Rio, Foz, São Paulo, Salvador. Eu me senti envergonhado de a violência estar tão grande por esses lados.

No Facebook, todas as histórias que ele me contou conferiram com as fotos, os locais, mesmo sua residência na Holanda, e começamos uma amizade. Nossa última mensagem foi em abril, quando comecei a gripar e disse para ele que precisava me recolher, e ele me desejou melhoras.

Depois, não tive mais notícias – e, ao procurá-las, descobri que Dthai havia falecido, assassinado em Foz do Iguaçu. Fiquei triste, é claro... Mas me confortei sabendo que, ao menos em nosso encontro, fui uma das pessoas que o ajudou e o tratou com mansidão e humanidade.

Embora existam muitos aproveitadores por aí, nunca sabemos o dia de amanhã... E nem quanto tempo temos para fazer o bem a alguém. Então, a pergunta que fica é: você já praticou sua empatia hoje?

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Dia Nacional do Homem



 Dia do Homem


por João Marinho

Hoje, no Brasil, comemora-se o Dia Nacional do Homem, dia criado sobretudo para reforçar o cuidado com a saúde da população masculina... Mas este não é o único dia em que se comemora o Dia do Homem.

Internacionalmente, a data é 19 de novembro e tem como objetivo, segundo seus idealizadores: “um foco na saúde do homem e dos meninos, melhorando as relações de gênero, promovendo a igualdade de gênero e destacando modelos positivos de papéis masculinos. É uma ocasião para os homens celebrarem suas conquistas e contribuições, em particular suas contribuições para a comunidade, a família, o casamento e o cuidado com as crianças enquanto destaca a discriminação contra eles”.

Vê-se, assim, que internacionalmente existe o foco na saúde – homens morrem mais cedo, cuidam menos de sua saúde e são mais vulneráveis a mortes violentas –, mas também há uma preocupação social que não torna o dia 19 de novembro um dia “machista”, como vi erroneamente em posts de mulheres e homens hoje, mas um dia para promover a igualdade de gêneros, destacar a contribuição masculina para a sociedade e a discriminações contra eles.

É, portanto, um dia antimachista, pois, sim, homens são também vítimas de discriminação, muitas das quais relacionadas precisamente ao machismo, que faz mal aos rapazes até no escopo legal. Eu, particularmente, considero entre estas, no Brasil, a aposentadoria mais tardia e a licença-paternidade diferenciada em relação à licença-maternidade, o que, a meu ver, deveria ser substituída por uma licença-parentalidade, que atendesse casos como de pais viúvos, solteiros e gays.

O Dia Nacional Brasileiro, que é hoje, 15 de julho, já tem um foco mais centrado na questão da saúde, mas não me parece mau “pegar emprestados” os outros objetivos propostos internacionalmente.

Portanto, feliz Dia Nacional do Homem: viris ou efeminados; rudes ou delicados; cis ou trans; gays, héteros, bis ou nenhuma das anteriores; fortes, corajosos ou nem tanto; altos, baixos, medianos; musculosos, sarados, comuns, gordos, magricelas; idosos, jovens, adultos, maduros ou meninos, de todas as idades; casados, solteiros, sozinhos, enrolados ou amantes; doentes, saudáveis, deficientes ou não; homens que perdem e que ganham; homens que amam – e os quais eu, homem, escolhi amá-los também. Parabéns pelo 15 de julho e que se cuidem mais, pois somente quem merece deve ter esse cuidado.