sábado, 15 de novembro de 2014

Intersecção narrativa

INTERSECÇÃO NARRATIVA


Então, você é jornalista e recebeu do seu editor um tema sobre o qual não sabe “lhufas”, ou então o tema é tão polêmico e cheio de nuances que você até o conhece parcialmente, mas não tem a menor ideia de por onde começar – e muito menos aonde chegar.

Sua saída pode estar numa técnica de reportagem que chamo carinhosamente de INTERSECÇÃO NARRATIVA. Essa técnica é bastante útil para solucionar as dificuldades acima e especialmente em reportagens que enfocam comportamentos e tendências, em que a vivência dos entrevistados é sobremaneira importante.

Para funcionar, a intersecção narrativa costuma necessitar de uma técnica-irmã, em um primeiro passo: a ENTREVISTA AUTOBIOGRÁFICA. A ideia é bastante simples. Digamos que você quer fazer uma reportagem sobre um determinado grupo, por exemplo, praticantes do bareback, para ficarmos no tema do Entre Homens de hoje, 06/12.

É um caso em que a reportagem enfoca comportamentos e em que a vivência dos entrevistados será o suprassumo do texto: o que eles têm a dizer sobre a prática e sobre a experiência que tiveram no grupo? Por que praticam? Como veem a si mesmos? Esses elementos serão, de fato, os mais importantes do texto.

A ideia de utilizar a entrevista autobiográfica é explorar, EM PROFUNDIDADE, tudo que for possível sobre a vida dos entrevistados em relação àquele tema da reportagem. Não pode ter medo de perguntar e, às vezes, nem de fazer perguntas desconfortáveis.

O interessante, porém, é que o jornalista não sabe aonde isso vai dar. Geralmente, começam-se as entrevistas com uma pergunta simples do tipo “quando você começou a praticar o bareback?” – e, a partir daí, as perguntas vão se desenrolando de acordo com as respostas do entrevistado e do que ele conta de si mesmo. Toda a entrevista vai depender, portanto, do que o entrevistado disser, o que vai demandar uma boa técnica para o jornalista deixá-lo à vontade e/ou extrair informações relevantes e “escondidas”.

Após realizar um certo número de entrevistas, vem a fase dois, que é a intersecção narrativa propriamente dita. Se o trabalho de entrevistar foi bem feito, e sendo o tema um só, as histórias de vida e experiência narradas pelos entrevistados fatalmente terão pontos em comum, ou seja, as intersecções.

O papel do jornalista, aqui, é identificar essas intersecções: os pontos em que as narrativas “se cruzam” e, a partir daí, separar os cruzamentos mais frequentes e importantes dos menos frequentes e dispensáveis.

Uma vez feito isso, o jornalista “pesca” os mais importantes – em geral, os “cruzamentos” mais densos – e, em cima deles, estrutura sua reportagem. O texto, portanto, vai fluir pelos pontos em comum, pelos cruzamentos das entrevistas. A ordem de qual ponto abordar antes ou depois dependerá do jornalista e de critérios editoriais.

Se tudo for bem feito, no fim, teremos uma reportagem abrangente, que dará conta dos principais tópicos vividos e problematizados pelos praticantes de bareback – e, ao mesmo tempo, um retrato em larga escala para o público-leitor.
Na imagem, temos traduzido o que acabei de explicar.

Observe que temos seis entrevistados: Renata, João, José, Maria, Cláudia e Henrique. As entrevistas partem de um início comum, o quadrado preto que é a pergunta simples a que me referi no sexto parágrafo. No caso, “quando você começou a praticar o bareback?”.

A partir daí, as histórias contadas e as entrevistas vão seguindo por mares nunca dantes navegados e totalmente de acordo com o que cada entrevistado for dizendo. São as linhas tortuosas dos nomes.

Na fase dois, identificamos os pontos em que as narrativas se cruzam: os círculos pretos. Indo de círculo em círculo, estruturamos a reportagem. A técnica pode ser também adotada no modo PROGRESSIVO. Se um tema se repetir, por exemplo, em três entrevistas, podemos “forçá-lo”, perguntando diretamente sobre ele para o quarto entrevistado.

Obviamente, a intersecção narrativa é bem útil, mas tem suas desvantagens. Uma delas é que ela depende muito da capacidade de entrevistar do repórter e também da colaboração dos entrevistados. Se falhar aqui, haverá poucos “cruzamentos” nas narrativas e, portanto, poucos pontos por onde estruturar a reportagem.

Outra dificuldade é a necessidade de ganhar a confiança do entrevistado. Com efeito, muitos deles vão estranhar uma entrevista que, a rigor, “parece que não vai chegar a lugar algum”. Eu já tive essa dificuldade com alguns deles. A pessoa pode ficar desconfortável por contar coisas de si sem saber o propósito e percebendo que o jornalista não o sabe também – porque, afinal, não sabemos mesmo até “puxarmos” os cruzamentos: fato. Cabe aí, então, um bom jogo de cintura do jornalista para explicar o plano de reportagem para o entrevistado.

Finalmente, a técnica pode ser bem trabalhosa. Identificar os pontos em comum, ou seja, os “cruzamentos” entre as narrativas, a frequência de cada um deles a fim de selecioná-los e estruturar a reportagem de uma forma lógica pressupõe ler com calma e até mais de uma vez cada entrevista, lançar mão de anotações e até mesmo escrever os tópicos antes de descrevê-los, num planejamento prévio do texto (“primeiro, vou falar disso, depois, daquilo; então, concluo com aquilo outro antes de fazer o contraponto com aquela outra coisa”). Dá trabalho. O resultado final, porém, vale a pena.

A técnica, é claro, pode ser usada em outros tipos de texto, por quem não é jornalista e também para reportagens que não sejam de comportamento. Nesse caso, em vez de as entrevistas serem autobiográficas, serão centradas no conhecimento técnico ou acadêmico do entrevistado sobre o tema proposto. Por exemplo: se o tema é câncer, perguntar o máximo sobre isso aos médicos e especialistas a serem entrevistados.

domingo, 26 de outubro de 2014

Democracia e voto nulo

Democracia e voto nulo



por João Marinho

A cadeira de presidente não ficará vazia porque alguém irá perder. Isso iguala o eleitor que votou no perdedor ao que votou nulo, após as eleições – e, em ambos os casos, não representa "morte política".

Votar nulo é dizer que nenhuma das propostas convenceu.

Após a cadeira ser preenchida, o eleitor nulo tem o mesmo direito de cobrar, fazer oposição ou mudar de ideia e ir para a situação, assim como qualquer eleitor de qualquer candidato. Até porque o/a presidente será presidente de todos – não só dos que votaram nela/e.

Voto nulo com a consciência tranquila e limpa. É minha manifestação de que não me senti contemplado por nenhuma das candidaturas.


Eu me anulo como cidadão? De forma alguma: vou me posicionar, como todos, com a cadeira ocupada...


Além do mais, o voto no presidente é apenas um dentre outros. Votei em Todd Tomorrow e o ajudei a aumentar a bancada do PSOL na Assembleia paulista, mesmo ele não tendo sido eleito: esta duplicou.


Votei em Luciana Genro e a ajudei a iniciar a construção de um capital político que lhe será importante no futuro.


Votei em Thiago Aguiar para deputado federal e ele não foi eleito, mas representei um voto de auxílio a sua bancada, novamente.


Votei em Skaf como voto útil contra Alckmin. Não houve segundo turno, mas me posicionei de forma crítica ao governador – e a ele serei oposição.


Votei em Suplicy e ele não ganhou, mas meu voto entre milhares o gabarita a concorrer a outros cargos.


Fiz, portanto, meu papel nas eleições. Agora, porque entre Dilma e Aécio, não vejo possibilidade nem de voto útil, me "anulo como cidadão"? Não tenho "direito de cobrar" porque me falta "legitimidade moral"? E todos os outros votos, que representam meu posicionamento político soberano, não servem de nada? Quer dizer que só o de presidente no segundo turno é que importa?


Lamento.


Essa é uma visão muito reducionista do eleitor nulo e da própria democracia. Prova de que alguém precisa olhar com mais atenção o que considera ambas as coisas – e prova definitiva de que muitos brasileiros e brasileiras ainda têm de amadurecer bastante sua ideia de Estado democrático.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Oito motivos para ter uma chuca portátil





Minhas meninas glamorosas e amadas do meu coração... Hoje, Mama tem um assunto muito importante e higiênico para comentar com vocês: a chuca!

Sim, eu sei... Já falamos sobre esse fundamental procedimento em outras ocasiões, como no texto do Kit Passivo
, e eu sei que todas as passivas – e, principalmente, as ativas, que recebem toda a carga do... Errr... Produto – reconhecem sua importância, não é?

O problema é: como fazer a chuca, se, de repente, falta a principal ferramenta: a duchinha, o chuveirinho, o baldinho com canudo de plástico (tá, gata, a gente explica essa depois...)?

Mama sabe que já aconteceu com você, e não é difícil de acontecer. 

Por exemplo: depois de dois meses teclando no Grindr, o bofe finalmente diz que tem como encontrar a senhora: logo depois do expediente. E aí? Não dá tempo de voltar pra casa e procurar o balde, meu amor... Ou, então, a senhora viaja com seu marido em uma lua de mel há muito esperada e descobre, estupefata, que o hotel que a senhora pagou no Decolar.com NÃO TEM chuveirinho! Aquenda! Ou, então, pior... A senhora está passeando em um lugar desértico – como o centro de São Paulo sob o governo Alckmin –, vê aquele boy magia e descobre que não tem água suficiente no Cantareira para um banho demorado com “chuca-máster”...

O que você faz?

( ) Faz promessa e vai na fé: os Deuses não te deixarão cair... Nem sujar.
( ) Deixa o bofe para a amiga limpinha – e se lamenta para sempre.
( ) Encara a fama de “chequeira”: ele sabe onde vai estar entrando*!
(X) Tira a chuca portátil da bolsa. Diva!

Sim, tesudinhaaas. Mama fica bege porque tá cheio, ó, de passiva que não sabe que existe essa facilidade que veio direto das mãos divinas – e ela está ali, ao alcance das suas, na farmácia mais próxima. 

Basta se dirigir até lá e pedir uma ducha ginecológica, ou ducha vaginal, e você será apresentada para a melhor ideia que o ser humano teve desde o sexo gay.

A tal ducha é essencialmente um bulbo de borracha onde a água é posta e vem com duas cânulas, que se encaixam uma na outra. Usadas em conjunto, elas servem para fazer a higiene vaginal... Mas o que ninguém te conta – e é oficial – é que a cânula menor, sozinha, serve para a higiene anal. De verdade, mona: oficial, registrada, reconhecida. Foi feita para isso mesmo. Confira na bula e na embalagem com “aplicador retal”. Luxo!


Tanto é que, se você não quiser passar pelo carão de pedir uma “ducha vaginal”, para não pensarem que você nasceu com periquita, pode solicitar uma “ducha íntima feminina” ou “ducha higiênica feminina”, embora Mama não ache que isso necessariamente funcione: primeiro, questiono o “feminina”, porque, afinal, homem também tem c*. Segundo, sempre haverá uma balconista lesada que insistirá em explicar para você – e para todos os clientes da farmácia – que a cânula maior é para higiene vaginal e a menor, para a “ANAL!”, como aconteceu com Mama da última vez.

Se isso acontecer com a senhora, faça a phyna – olhe, altaneira, para as pessoas curiosas, com aquela cara de “sim, eu lavo o c*. Você não?” e pague com o cartão Itaú Gold. Quem sabe não rola aquela promoção de 50% de desconto do Luciano Huck
?

Agora, se nada disso te convenceu, veja os motivos por que adotar a chuca portátil.

1. Porque é portátil: você pode carregá-la sempre consigo, e ela é pequena o suficiente para caber na mochila, na bagagem de avião ou na sua bolsa Louis Vuitton
.

2. Porque é higiênica: e, aqui, eu não estou falando das finalidades do apetrecho: é porque, depois de usada, ela é facilmente higienizada mesmo. Basta seguir as instruções e usar água quente. Exceto, claro, se você estiver em São Paulo, onde não há água...

3. Porque é anatômica: como Mama já falou, a dita-cuja foi feita para isso... E funciona muito melhor do que a garrafinha de Gatorade ou o frasco de desodorante Avanço que a senhora vem usando
...

4. Porque é barata: a princípio, o preço parecerá salgado, em torno de R$ 30... Mas compensa a longo prazo, já que a senhora vai receber o troco em bofes e não precisará de outra tão cedo.

5. Porque é exclusiva: a senhora sempre terá certeza de que aquele equipamento frequentou apenas a sua cavidade. Com o chuveirinho do hotel, não dá pra ter certeza, gata...

6. Porque é discreta: você pode pedir licença ao bofe ou à sua amiga para ir ao “toilette”, e eles nunca saberão que a senhora já saiu de lá de chuca feita.

7. Porque é segura: com o bulbo, a senhora não corre o risco de pôr água demais e estrelar uma versão pós-moderna – e marrom – de Mar em Fúria
. Sem o Mark Wahlberg ou o George Clooney.

8. * Porque é chuca, oras: Mama tem um recado para aquelas adeptas do “encara a fama de ‘chequeira’”: mona, há quatro coisas que nunca voltam no mundo: as cinzas lançadas ao vento, o líquido que cai sobre a terra, a palavra impensada... E o ativo dotado para quem você não fez chuca.

... E tenho dito!

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Edir Macedo e o desrespeito aos judeus



por João Marinho

Gente, sou somente eu que considero um tremendo desrespeito aos judeus religiosos a inauguração do templo de Salomão pela Igreja Universal?


Sim, o cristianismo é tributário do judaísmo e compartilha com ele uma parte da Bíblia... Uma religião influenciar outra e reinterpretar símbolos de outras em seu desenvolvimento é também algo corriqueiro na história. 

Daí a se apropriar de todo um arcabouço simbólico e sagrado de outra religião para despi-lo integralmente de seu sentido ainda existente e substituir esse sentido cirurgicamente por signos de sua própria, macaqueando a outra religião e falsificando os signos dela, eu considero demais.

O Templo é o lugar mais sagrado para os judeus hoje. Salomão era judeu. Seguia o judaísmo. A arca da aliança, pelas histórias bíblicas, teria sido dada por Iavé ao povo judeu, e nela foram guardados os 10 mandamentos, ícones da Lei – que, na interpretação dos cristãos, já passou, uma vez que vivemos na "era da Graça".

Aí, você pega tudo isso, replica um templo judeu que, na verdade, é uma igreja... Traz uma arca judaica, que, na verdade, é agora um símbolo cristão. Veste o Edir Macedo com cara de rabino, quando ele é bispo e pastor... E enche a decoração com símbolos típicos do judaísmo, como o candelabro, destituindo-os de todo o sentido que possuem no próprio judaísmo. Isso parece correto?

A iconoclastia é interessante enquanto estratégia de crítica às religiões, críticas que todas merecem. No entanto, quando uma religião faz isso com outra – e aí, não estamos, portanto, falando mais de iconoclastia –, considero um assunto particularmente sensível.

Fosse eu judeu religioso, de nascimento ou converso (e uso "religioso" porque existem judeus étnicos que não seguem o judaísmo), estaria imbuído de profunda ojeriza e consideraria isso aviltante – e, se eu fosse a presidenta, o ilustre governador, um deputado, um político, teria levado isso em conta antes de decidir ir à inauguração.

Qual o próximo passo? Construir uma Caaba cristã?

domingo, 13 de julho de 2014

O QUE ACONTECEU COM OS PASSIVOS?



Esta é uma crônica. 
Por JOÃO MARINHO

Então, se soar injusta ou generalista, me perdoem, pois não tem o objetivo de ser um texto de verdade científica. São impressões pessoais, e elas, muitas vezes, são injustas... Mas preciso perguntar: o que aconteceu com os passivos? Ou, pelo menos, com boa parte deles que venho conhecendo?

Anos atrás, solteiro, lembro quando fui a um desses estabelecimentos de sexo fácil: paga-se a entrada e espera-se encontrar alguém lá dentro para as tais brincadeiras lúdicas, sem compromisso e com o conforto de todos os equipamentos em volta.

Achei interessante o comportamento de praticamente todos os passivos – ou versáteis que estavam abertos à passividade: de toalha, como todos estávamos, passavam, sem cerimônia, a mão sobre a “zona sul frontal” de qualquer incauto. Não notando sinal de excitação, imediatamente o descartavam.

Interessante... E deselegante.

Na época em que comecei, não me recordo de ser uma prática tão comum. Entendíamos – ou EU entendia? – que a excitação vinha da própria brincadeira, ao longo dela... E não antes, sem a qual ninguém brincava de nada.

Penso que eu talvez seja da época em que ser passivo tinha sua magia, mesmo que essa época seja mais mítica que real. Então, talvez eu só goste de pensar assim.

De qualquer forma, acredito que havia um quê de “cortesã”, no sentido do termo que se aplicava às acompanhantes e amantes de luxo nas antigas cortes.

Às vezes, tenho a impressão de que, conforme aumentou o interesse na passividade, perderam qualidade os adeptos.

Hoje, vejo muitos passivos, e muitos tão jovens, que ficaram muito chatos, muito carentes ou muito deselegantes.

Na época em que comecei, ou talvez seja por causa do lugar em que comecei, parecia haver até o senso de uma “irmandade passiva”. Éramos, sim, caçadoras e concorrentes entre nós – mas com regras na disputa.

Por exemplo: nunca, nunca, nunca tirávamos a carne da boca de outra, entendam isso no sentido denotativo ou figurado.

Se alguém de nós via “a caça” primeiro e a pegava, nada fazíamos com esta sem autorização daquele. Às vezes, até perdíamos o “bofe” para manter “a amiga” – ou, ao menos, tínhamos a finesse de aproveitá-lo fora da vista dela e manter a discrição para não machucá-la gratuitamente.

Hoje, não.

As “bees” que veem você com um, mesmo que seja o menos bonito do pedaço, não só querem gongar você e roubar o outro pra si – como ainda empatam seu sexo. De propósito. E com cara de desafiante: “que que você vai fazer, mona?!”

Outro exemplo, só para ter mais um, mas há outros... Muitas vezes, também não sabem manter a discrição sobre seus amantes, e sabemos que há tantos homens que, por qualquer que seja o motivo, se veem obrigados a viver as relações entre iguais na clandestinidade.

Não sei se cabe a nós julgar, mas, para o sexo, isso não deveria importar, porém. Não estou falando de namoros ou relacionamentos estáveis, de casamento – mas das toalhas.

Então, muitos passivos viraram carentes, invasivos, ameaçadores – e esses homens clandestinos ficam atemorizados.

Aí, o que fazem?

Viram "g0ys".

Preferem confiar no "parça de futebol", que, enfim, também tem algo a esconder – que no passivo mais assumido que, um belo dia, pode ficar histérico e mandar um e-mail para a mulher ou namorada dele contando tudo. Com fotos e mensagens gravadas, é claro. Ou um Whatsapp, que é mais moderno.

... E depois muitos reclamam que faltam ativos "no mercado". Não sei se faltam... Ou se eles estão se escondendo  .

sábado, 12 de julho de 2014

HIV PARA TODOS OS HSHs?



Por JOÃO MARINHO

Olha, eu ainda não tenho opinião formada, mas acho que, em muitos comentários, se sobressai mais uma preocupação gay em ser associado ao HIV... Do que uma preocupação objetiva com o crescimento da infecção entre nossos irmãos homossexuais.
Vejam, os gays estão entre os grupos mais vulneráveis ao HIV. Quando se fala em números absolutos, em muitos lugares, há mais casos na população heterossexual. Só que a população exclusivamente heterossexual representa 90% do conjunto-universo. A população que mantém relações com o mesmo sexo varia de 4 a 10%.
Ora, se vc tem uma sala em que, de 100 homens, 20 estão infectados... 15 deles são héteros, 5 são homens que fazem sexo com homens. Ok, então, do conjunto-universo global, héteros respondem por 15% das infecções; não héteros por 5%.
Só que tem um problema... É que, dos 100 homens da sala, 90% (n = 90) são héteros. E não héteros são 10%. Ora, quando se divide a população por grupo, temos, então, que os héteros registram uma prevalência de infecção de 16,67% (15 pessoas de 90). E os gays... Ora, de 10, 5 têm a infecção. Portanto, nesse grupo, a prevalência é de 50%.
Pergunta: qual é o grupo em que o HIV é mais preocupante? O que tem 16,67% ou o que registra 50%?
Por favor, isso é estatística básica...
Os números acima, hipotéticos, foram um exemplo grosso modo, mas a concentração epidêmica em grupos vulneráveis, dos quais os homens que fazem sexo com homens são parte, é fato em todo o mundo ocidental, e mesmo em países que registraram um descréscimo na taxa, essa tem voltado a recrudescer.
O que se faz nesse contexto? Deixar de abordar alguma forma de reforçar a prevenção nesse grupo por medo da associação "gays x aids"... Ou propor alguma forma de reforçar essa prevenção, a fim de salvar mais vidas e diminuir essas taxas tão preocupantes?
A OMS não disse que os heterossexuais "não devam se proteger". Disse que os homens que fazem sexo com homens devem considerar fortemente o uso dos ARVs como prevenção adicional, porque é um grupo mais afetado. Só.
E quem, como eu, é gay, tem até a obrigação de se preocupar mais com essa realidade do que com a mensagem que efetivamente os heterossexuais receberão - que, de qualquer forma, não foi a mensagem que a OMS passou.
Consideremos algum outro caso que não seja o de de HIV. Pensemos na obesidade. Os EUA vivem hoje uma epidemia de obesidade. O Brasil, embora tenha visto um recrudescimento desses números, ainda não. Quem deve considerar uma atitude mais drástica para combater os males de saúde atrelados à síndrome metabólica? Os americanos ou os brasileiros?
Isso, de forma alguma, significa que os brasileiros devam se abster dos cuidados. Significa apenas que, nos EUA, a situação chegou a um patamar que recomenda estratégias mais drásticas que ainda não são necessárias no Brasil.
E isso é verdadeiro para os GBTs (gays, bissexuais, travestis, transexuais - e incluo os homens que fazem sexo com homens) e héteros exclusivos em relação ao HIV.
O grupo dos homens que fazem sexo com homens é o que mais sofre com as taxas concentradas de HIV. A quem devem ser consideradas estratégias mais drásticas? A eles... Ou aos héteros exclusivos, que ainda não chegaram a esse patamar?
Me parece que a resposta é evidente, além de, em uma série de países, o próprio fato de ser homossexual ou transar com o mesmo sexo (identificando-se a pessoa como gay ou não) significar um acesso deficitário aos sistemas de saúde para tratamento e identificação do HIV, o que contribui para a concentração epidêmica em nível mundial. É curioso, pois não é a homossexualidade a principal causa da concentração. Em larga medida, é a homofobia.
A prova está aí, nas lésbicas, que são também HOMOSSEXUAIS e registram a menor taxa entre todos os grupos. Menor que a dos homens héteros e das mulheres héteros. E a OMS por isso recomendou algo para elas? Não.
Então, não é melhor que essas pessoas, homens que fazem sexo com homens, adotem uma prevenção adicional e discreta do que se exporem e poderem ser mandadas à prisão, ou, ainda, evitarem de ir ao médico, jamais descobrirem a infecção e ajudarem a transmiti-la?
De resto, é sempre preciso considerar entre aspas o que a mídia brasileira divulga. Na área da saúde, o conceito dominante é de HSH - homens que fazem sexo com homens, ou, no inglês, MSM. Geralmente, a não ser em contextos bem específicos, a OMS não usa "gays", mas a mídia adora a palavra.
Homens que fazem Sexo com Homens é um conceito muito mais ampliado que o de homens homossexuais.
Inclui, evidentemente, os homossexuais - mas também as mulheres transexuais, as travestis (ambas, biologicamente homens), os bissexuais, os héteros que experimentam, as crossdressers, os recém-declarados "g0ys" e qualquer pessoa do sexo masculino, biologicamente falando, que, em algum momento, envolva-se em um intercurso sexual com outra pessoa biologicamente do sexo masculino, a despeito de sua orientação sexual, identidade de gênero ou qualquer outro tipo de identificação. Isso é particularmente agudo na juventude, hoje que registra o maior crescimento, em que a experimentação não é rara e, às vezes, a definição de uma identidade pessoal demora certo tempo.
A princípio, é justamente isso que me preocupa mais, porque o número de relações sexuais que acontece entre homens biológicos é infinitamente superior ao número de relações sexuais que acontecem "entre homossexuais", assumidos para o público ou que adotem essa identidade para si, ainda que na clandestinidade.
Assim, fica a pergunta se haverá medicação para todo mundo, ou se não faltará para quem realmente precisa: quem realmente é já soropositivo, em um contexto em que se busca a oferta universal de tratamento.
Outra questão é a qualidade da medicação que será oferecida. Os ARVs causam efeitos colaterais bastante conhecidos, da lipodistrofia a alterações metabólicas. Será que valeria a pena expor todo um grupo de soronegativos a esses efeitos em nome da diminuição das taxas de transmissão? E qual remédio seria oferecido, se existem diferentes gerações, alguns que causam mais efeitos colaterais que outros, por exemplo, a estavudina - até já banida do Brasil - versus o tenofovir?
Talvez não seja interessante, porque, se, de um lado, pode-se diminuir a infecção pelo HIV, por outro, pode-se aumentar o problema de síndrome metabólica - aí, medicamente induzida - e "cobrir um santo e descobrir o outro", piorando um outro caso epidemiológico. Não mencionei a síndrome metabólica à toa, afinal.
Finalmente, existe a possibilidade de aumento de resistência do HIV aos ARVs atrelada à oferta universal, um dado que saiu em um estudo americano com modelos matemáticos. E os próprios custos de disponibilizar remédios caríssimos para tanta gente... E ninguém é Pollyana. Os Estados têm de saber quanto vão gastar.
Então, existe toda uma série de questões a considerar – mas penso que o receio de vincular o HIV a gays por uma questão ideológica, de "grupo de risco", ou "o que as pessoas vão entender" devam ser as menores delas.
Mesmo porque HOJE ainda não existe essa recomendação da OMS aplicada no Brasil, por exemplo.
Ainda assim, os números recrudesceram. Então, as pessoas precisam MESMO de "estímulo" para o sexo inseguro? Ué, se esse estímulo não existe hoje, como se explica o crescimento, então? Soa estranho evitar o crescimento porque "as pessoas vão pensar que podem fazer sexo inseguro" por causa dessa mensagem, se, sem essa mensagem, já estão fazendo de qualquer forma – e nisso, LGBTs e héteros se irmanam, haja vista o crescimento de outras DSTs entre os héteros (como o HPV = vacina recomendada para as meninas) e o problema da gravidez na adolescência.
De resto, um tempo atrás, após a divulgação de um resultado africano, a OMS recomendou a circuncisão PARA HOMENS HETEROSSEXUAIS em países com alta prevalência de HIV na população adulta e feminização da epidemia em curso. Leia-se: África subssaariana.
Também uma estratégia específica para conter a disseminação específica em um grupo vulnerável, não causou qualquer comoção.
Não foi?

terça-feira, 3 de junho de 2014

O amor cristão nos EUA expulsa jovens de casa por serem gays



Cacciati dai genitori migliaia di gay diventano homeless



Negli Stati Uniti, il 40% dei 500mila giovani senzatetto è omosessuale
. Un dato tanto più sorprendente se si tiene conto che appena il 5% dei giovanissimi d’Oltreoceano si dichiara LGBT (Lesbica, gay, bisessuale o transgender).

Si tratta perlopiù di ragazzi cacciati di casa dai genitori a causa della loro inclinazione sessuale. Finiscono per le strade dopo che le loro famiglie, in primis per motivi religiosi, li hanno sbattuti fuori per l’unica ragione di essere gay. Mississipi, West Virginia, Kentucky sono alcuni degli stati dove questi fenomeni sono più marcati.

La cura e la tutela di questa gioventù abbandonata, minacciata, messa a rischio quotidianamente nelle principali metropoli è l’obiettivo di una nuova campagna partita da New York. Che chiede al governo federale di fornire a tutti i senza casa under-24 l’accesso ad un rifugio sicuro, nonché uno sforzo più accurato per accertare il numero di coloro che vivono per strada al fine di preventivare quanti posti letto saranno necessari nei prossimi anni.

The Ali Forney Center è una delle associazioni capofila della mobilitazione che da anni aiuta i giovanissimi homeless americani a diventare indipendenti. Lo scorso mese di aprile, l’organizzazione ha pubblicato una lettera aperta sul New York Times nella quale si rivolgeva direttamente a Papa Francesco – capo della “più grande e influente organizzazione cristiana nel mondo” – chiedendo un cambiamento di approccio all’interno della Chiesa cattolica americana circa la sensibilizzazione e l’accoglienza verso questi ragazzi.

In quella stessa missiva, il collettivo LGBT metteva in luce storie di chi aveva trovato rifugio presso le loro strutture dopo essere stati rinnegati dai genitori. Ricordando che le loro vite sono state “devastate e rese indigenti dal rifiuto religioso.
Caçados pelos pais, milhares de gays se tornaram sem-tetos

Nos EUA, 40% dos 500 mil jovens sem-teto são homossexuais. Um dado ainda mais surpreendente se levarmos em conta que apenas 5% dos jovens no exterior  se declaram LGBT ( lésbicas, gays, bissexuais ou transgêneros).

Eles são na sua maioria rapazes perseguidos por seus  pais por causa de sua orientação sexual. Eles acabam nas ruas por conta de suas famílias, principalmente por motivos religiosos, jogando-os  para fora pela única razão de serem gays. Mississippi, Virgínia Ocidental, Kentucky são alguns dos estados onde esses fenômenos são mais pronunciados.

O cuidado e a proteção dessa juventude abandonada, ameaçada, em perigo diariamente nas grandes cidades são os alvos de uma nova campanha de Nova York: Pedir ao governo federal para fornecer a todos desabrigados acesso, aos menores de 24 anos,  um lugar seguro, bem como um esforço para determinar com mais precisão o número de pessoas que vivem nas ruas , a fim de estimar quantos leitos serão necessários nos próximos anos .

The Ali Forney Center é uma das associações que levam à mobilização de anos ajudando desabrigados jovens americanos a se tornarem independentes. Em abril deste ano, a organização publicou uma carta aberta no New York Times em que se dirigiu diretamente ao Papa Francesco - Chefe da " maior e mais influente organização cristã no mundo" - pedindo uma mudança de abordagem no seio da Igreja americana católica sobre a consciência e aceitação em relação a esses jovens.

Na mesma carta, colocaram à luz as histórias daqueles que tinham procurado refúgio em suas instalações depois de terem sido rejeitados por seus pais. Lembrando que as suas vidas foram " devastadas e  destituídas pela rejeição da religião. "

Ser um homem feminino

por João Marinho
"Salve, salve a alegria,
A pureza e a fantasia
[…]
Se Deus é menina e menino,
Sou masculino e feminino”

(Letra: Baby Consuelo, Didi Gomes e Pepeu Gomes;
Vocal: Pepeu Gomes)

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Sempre quis entender de onde vem essa paranoia da “macheza” que encontro em tantos gays.

Entendo que as pessoas tenham seus fetiches e preferências – mas não necessariamente que sejam tão inflexíveis em seus gostos ou que julguem as demais com base neles, sem reconhecer o valor destas.

Confesso que, para mim, a “macheza” típica do homem-alfa não é um valor.

Com algumas exceções, os “machos” que conheci e foram comigo para a cama se constituíram em experiências bastante negativas, incapazes que eram de abandonar uma máscara social que permitiria a evolução dos sentimentos e muito ruins no sexo, com um número pouco tolerável de “não faço isso, não faço aquilo, não pego ali”.

Mais do que isso, eram extremamente controladores e excessivamente preocupados com a opinião alheia, com que os “outros iriam pensar”, a ponto de policiarem qualquer levantadinha de dedo mínimo na hora de tomar uma xícara de café…

Existe, porém, outro dado, esse bem mais profundo.

Essa cobrança tão pesada em cima de “ser macho” me remete bastante negativamente a minhas primeiras experiências de infância e adolescência, quando agências como igreja, família, vizinhos e amiguinhos de escola exerciam um controle tão rígido que impossibilitava qualquer manifestação dotada de algum exotismo ou delicadeza, por ser “coisa de veadinho”.

Sim, entendo que as pessoas tenham seus fetiches e preferências – mas não necessariamente como essa triste experiência dos primeiros anos de vida, que machucou tantos de nós e que certamente não foi unicamente minha, possa se desenvolver em um valor inquestionável e sexualizado na vida adulta.

Verdade seja dita, gosto de muitos e diferentes tipos de homem, e isso inclui os que têm um quê de masculino – mas não exijo que sejam “machos”, nem que a “pegação” seja “coisa de machos”, o que quer que isso signifique.

Gosto de saber que existe a possibilidade do riso, do escracho, da pinta, da sensibilidade, da brincadeira, da exteriorização do que socialmente se diz ser feminino – ainda que não seja e nunca tenha sido exclusividade das mulheres –, seja na forma de um ato sério e terno, seja na forma de uma efeminação histriônica.

Gosto, enfim, de homens flexíveis, que tenham um lado de vulnerabilidade e, segundo penso, de humano. Que não tenham medo de chorar, nem de rebolar, nem de pintar o cabelo, nem de soltar uma “pétala” em algum momento, nem de beijar, nem de demonstrar fraqueza e nem mesmo de desmunhecar vez ou outra “com as amigas” só porque tais coisas são consideradas “femininas” ou “coisa de veadinho”.

Gosto, enfim, de homens livres.

Seguros o suficiente de sua própria homossexualidade para questionarem o status quo e buscarem formas de construir diferentes masculinidades – e não dos que se seguram demasiado, forçando a si mesmos a estar em um sarcófago, para corresponderem a um único padrão que mais engessa do que traz felicidade.

Gosto, enfim, de homens que entendem e festejam que, se há “pegação” entre eles, ela pode ser tudo… Menos “coisa de machos”.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

DAR A BUNDA...


Se você der a bunda... Já era!
Por JOÃO MARINHO

DAR A BUNDA

Uma coisa que nunca nenhum evangélico conseguiu me explicar é por que a bunda é tão importante para Deus, segundo eles.

Sim, porque me convenci, depois de todos esses anos, alguns dos quais eu fui evangélico, que o único motivo de uma pessoa entrar ou não no céu... É a bunda.

Você pode ter sido um criminoso. Pode ter matado, pode agredir, pode trair, pode ser até um ladrão (Jesus perdoou um na cruz, não foi?). Pode até estuprar. E, sim, você pode voltar a fazer isso de vez em quando, mas curiosamente nada disso garante seu lugar no inferno, porque para tudo há perdão. Exceto se você der a bunda. 

Se você der a bunda... Já era!

Do lado oposto, não adianta ser um bom filho. Um bom pai, um bom cidadão, uma pessoa que não fica enganando as outras, alguém que paga seus impostos, um bom amigo. Você pode ser a encarnação da face boa de Madre Teresa. Exceto se você der a bunda.

Se você der a bunda... Já era!

Dar a bunda é tão importante que mesmo quem não merecia entrar no céu vai entrar só porque não fez isso. Sabe aquele seu "amigo" machista, porco chauvinista, que acha que mulher é saco de esperma e deve ser submissa ao homem? Ele vai pro céu, porque ser misógino e machista não é problema algum pra Deus. Dar a bunda, é. E você deu, ele não. E...

Se você der a bunda... Já era!

E o que dirá do racista mais inveterado? Ou daquele que terminou um casamento que devia ser indissolúvel? A amiga fofoqueira? Aquela que pede que "Deus tenha misericórdia" quando quer que ele ele f*da a sua vida, do fundo do coração? Problema algum. Para tudo isso, há segunda chance... E nenhum deles deu a bunda. Porque...

Se você der a bunda... Já era!

Dar a bunda é tão definitivo que não adianta NEM se converter. Os evangélicos dizem que o que determina a ida de alguém para o céu é "aceitar Cristo como seu único e suficiente salvador". Bobagem. Porque, se você aceitar - e continuar dando a bunda -, você não vai pro céu, porque, segundo eles, a Bíblia diz que quem dá a bunda não entra. Você pode ser um cristão contumaz, um fã de Jesus, pode acreditar que ele salvou você do inferno. Mas...

Se você der a bunda... Já era!

... E vai pra lá do mesmo jeito.

Desconfio até que aquela parte que diz que a blasfêmia contra o Espírito Santo é o único pecado sem perdão não está correta. Sabe por quê? Leia as infindáveis "listinhas" de pessoas que vão ficar de fora do céu. O item "blasfemadores do Espírito Santo" nunca aparece... No entanto, ...

Se você der a bunda... Já era!

Eu particularmente não acredito que Deus esteja tão preocupado assim com minha bunda. Nem sei o que ela tem de tão especial, a ponto de, só por ser penetrada sem ser pelo dedo do urologista, me levar para a danação eterna. 

Eterna, entendeu? Não é que você vai ficar um tempinho no inferno até se curar das fissuras anais. É pra sempre. Uma condenação sem fim, por toda a eternidade... Porque você deu um buraquinho negro e apertado para alguém (alguns nem tão apertados).

Mas, se eles, os evangélicos, estiverem certos, então, já que estamos todos condenados, continuemos a dar nossas bundas. 

Se não adianta não matar, não roubar, ser verdadeiro, ser bom amigo, ser bom filho, ser bom cidadão, ser bom pai e nem se converter, já que a bunda determina TODO o universo, dê sua bunda em paz pelo tempo que ainda puder - e, quando estiver cara a cara com o Altíssimo no dia do julgamento, pergunte: por que a bunda é tão sagrada? Se, quando eu não fazia chuca, saía tanta sujeira?

:P


terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Gays de direita

Gays de direita


por João Marinho

Está aí um assunto polêmico que merece importantes considerações. Muitos LGBTs acreditam, erroneamente, que seja "impossível" ou "paradoxal" existirem LGBTs direitistas.

Não é.

Tal como acontece na esquerda, existem diferentes extratos da direita no espectro político. Alguns são realmente fundamentalistas, misturam religião com Estado laico e falso moralismo, em um conservadorismo chocante e hipócrita. Aí, sim, há um paradoxo – só que nem todos são assim. Até porque, também existem esses tipos de personagens, mudando uma coisa ou outra, que, no entanto, denominam-se "esquerdistas com orgulho".

Na verdade, é preciso entender que existem LGBTs em todos os segmentos e cores políticas. Embora eu seja utopicamente anarquista e, na prática política, esquerdista social-democrata – não compactuo com a esquerda mais comunista e aguerrida: nunca acreditei no "Estado operário" nem na "ditadura do proletariado" –, não me incomoda haver gays que são direitistas, no sentido político da palavra "direita", ou seja, que defendam o livre mercado, o Estado mínimo, a regulamentação individual e a lei de oferta e procura. 

Não acho que ser LGBT signifique necessariamente, ou tenha de significar, ser esquerdista. Até porque, sejamos sinceros, num passado não muito distante, a esquerda foi tão ou mais homofóbica quanto segmentos de direita, a ponto de chamar a homossexualidade de "vício burguês". Não podemos deixar de observar, também, que os ex-países socialistas estão hoje entre os mais legalmente homofóbicos do mundo. Foram os países capitalistas que começaram uma mudança, notadamente os nórdicos social-democratas.

Mesmo hoje, há esquerdistas que veem na luta contra a LGBTfobia uma "luta menor", sendo a maior a luta de classes. João Silvério Trevisan já escreveu exaustivamente sobre isso em seus artigos, contando como a esquerda cooptou o movimento LGBT. Portanto, ser dono do capital ou ser trabalhador não deve ser parâmetro para respeitar ou não uma pessoa.

Há donos de capital que são mais simpatizantes que trabalhadores assalariados homofóbicos. É natural que nos unamos na luta contra a homofobia e outras "fobias", mas, na hora de discutir sobre o papel do Estado e da economia, discordemos, se eu tomar como parte as minhas ideologias políticas.

O ponto principal é que o direitista (e/ou o esquerdista) não seja um retrógrado moral e homofóbico, por ser esta uma condição que nos retira a cidadania – e há os que não são – e que seja terminantemente democrático, porque não é possível hoje defender nenhum tipo de ditadura. Nem as de esquerda. Resolvido esse ponto, a direita, no espectro político, é um interlocutor tão ou mais respeitável que a esquerda.

Ademais, é bastante positivo que existam, inclusive, LGBTs direitistas. É natural da democracia a alternância de poderes. Havendo LGBTs com tendência à direita e seus simpatizantes, não corremos ou corremos menos o risco de ter nossos direitos cassados pelas alas fundamentalistas, quando a esquerda sair do poder... E ela irá sair, como é próprio da democracia.



sábado, 1 de fevereiro de 2014

Beijo gay em "Amor à Vida"

Direito de espernear



por João Marinho

Hoje, meu esporte favorito não foi a natação, mas ler os comentários homofóbicos em todas as notícias que deram destaque ao primeiro beijo gay em uma novela global, na internet. Nervosíssimos, os homofóbicos chamaram a Globo de "esgoto" para baixo... Além do conhecido discurso de "destruição da família", da "moral" e da "defesa de crianças" – que nem deviam ver a novela dada sua classificação indicativa. Né?

Existem algumas coisas nessa história do beijo que merecem ser lembradas. Postei, no meu Facebook, que não acreditava que ele sairia. Mantive essa posição até o final, sem arrependimento.

Isso porque não era simples pessimismo meu. A Globo tinha um histórico nada agradável de acenar com possibilidades de beijos, inflar a audiência e deixar os apoiadores vendo moscas ao fim do capítulo.

Além disso, sempre houve receio por parte da Globo de perder seu público conservador – que tem importância em um momento em que a tevê aberta perde audiência e enfrenta a concorrência de outros meios de comunicação e da tevê a cabo.

Essa perda de audiência da tevê aberta, se considerarmos a migração para a paga, a rigor, não significa propriamente perda para a Globo, que, via Globosat, detém a maioria dos canais pagos e é acionista da NET, principal e mais lucrativa operadora no Brasil. No entanto, a Rede Globo continua sendo seu carro-chefe e a principal geradora de receitas via comerciais e patrocinadores. Portanto, é algo para se levar em conta.

Ademais, ao que tudo indica, a Globo decidiu liberar o beijo apenas na reta final. Há pouco mais de duas semanas, um colega de profissão meu correspondeu-se com Walcyr Carrasco sobre o beijo, e o próprio autor lhe dissera que não tivesse muitas esperanças.

Tudo aponta que a cena do beijo foi liberada após enquetes, pesquisas de opinião e análise da receptividade do público indicarem que era uma zona de baixo risco. A Globo já sabia que Amor à Vida vinha registrando mais audiência que sua antecessora, Salve Jorge. Já sabia que o público se apaixonara por Félix, a "bicha má", e que tinha recebido bem sua regeneração. Já sabia que os telespectadores estavam mais ligados no final amoroso de Félix que no de Paloma. Primeiro, com o mecânico que traçava tudo que "caía na rede". Depois, com o Niko bonzinho, que, paulatinamente, caiu nas graças do público e virou a mocinha carismática da trama. Faltava saber se o público aceitaria o beijo. Como a resposta foi sim, liberou.

Por isso, não é bem verdade que a Globo deu um "tapa na cara da sociedade". Antes, andou ao lado dela. Se fosse o oposto, seríamos frustrados, como em América.

Agora, verdade seja dita, isso não tira o brilho das cenas finais, tanto pelo beijo em si quanto pelo espetacular fim em que César aceita o filho gay e, pelo amor, supera sua homofobia. O recado foi dado na trama: o amor existe em diferentes cores e em diferentes tipos de família (vide a família de Niko, com seus dois filhos), e não é a homossexualidade que "destrói" família alguma: é a homofobia.

Os LGBTs, os mais fundamentalistas parecem se esquecer, não nasceram de chocadeiras e nem brotaram da terra. Nascemos em famílias, muitas das quais nos fazem experimentar a dor do preconceito muito antes que as pessoas de fora, exatamente como ocorreu com César e Félix. É isso, e não a homossexualidade, bissexualidade, travestilidade ou transexualidade, etc. em si, que destrói os lares. Quando o membro gay é aceito e recebido no seio familiar, a convivência, a harmonia e o amor se estabelecem, e ele se torna um membro tão importante e tão ativo na família quanto qualquer outro. Com isso, LGBTs e família só têm a ganhar.

O fato de que a maioria do público percebeu essas mensagens – que são reais! – e, sem titubear, apoiou o final feliz de Félix, Niko e do pai César, torceu por um beijo e até fez campanha por isso, embora indique que a Globo não andou em terreno movediço, é, de sua parte, uma vitória.

Os religiosos fundamentalistas e os conservadores aguerridos, homofóbicos, com seu discurso "pró-família" reduzido (porque despreza todos os outros tipos de família, inclusive as que contam com membros LGBTs) e seus argumentos falsamente construídos sobre a ideia de "moral" e "bons costumes", sempre gostaram de pensar que mobilizavam a "maioria" da sociedade contra uma ideia, igualmente falsa, de "ditadura gay".

Em todas as pesquisas ou enquetes que pude consultar, a maioria, na ordem de 60% em média, na verdade, apoiou os personagens e o beijo, e a audiência tampouco caiu por causa disso. Uma minoria de 40% – jogando alto, porque nem todos que eram contra o beijo eram necessariamente contra os personagens e a abordagem sobre homossexualidade e homofobia construída por Carrasco – é ainda grande coisa, mas mostra que, na verdade, os preconceituosos não têm todo esse poder de mobilização.

Nem o boicote puxado por evangélicos (fonte: Gnotícias) funcionou. Uma estranha campanha. Afinal, foi só um beijo. Estranho é que assassinatos, intrigas, tapas, brigas, traições, que ocorreram na mesma novela, sejam aceitos e ninguém pense em boicote por causa disso.

Isso, para esses grupos que sustentam a discriminação, é tão ou mais dolorido quanto o beijo em si. Sempre falaram em nome de uma "maioria" que se mobilizaria contra a "minoria" interessada em estabelecer uma "ditadura gay". Ao que parece, a verdadeira minoria são eles, que querem, isso sim, estabelecer uma ditadura religiosa e moral – e os demais não querem.

Já argumentei, certa vez, que a luta contra a homofobia é também uma luta pelos corações. Quando uma sociedade toma o caminho do respeito e da tolerância majoritárias, isso torna mais simples e mais sólida a consecução de direitos civis e fundamentais. Quando o preconceito e a discriminação são acuados, fica mais simples instituir a diversidade como um valor, que realmente é.

Por isso, ainda que não mudem, a rigor, o outro lado da luta, contra as agressões, contra os assassinatos, contra o sequestro da política pelos fundamentalistas, são importantes essas ações culturais – e, por isso, torna-se tão gratificante vê-los espernear. Pelo menos, por um dia.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Doação de sangue gay


 Por que os gays não podem doar sangue

Uma explicação epidemiológica que pode mudar até a natureza da pergunta

por João Marinho

A situação já aconteceu centenas, talvez milhares de vezes no Brasil. Um homem gay recebe o pedido desesperado de um amigo ou amiga para doar sangue para um parente dele/a – e, ao chegar ao hemocentro, não é autorizado pelo fato de... Ser gay.
“Preconceito, homofobia!”, bradam os mais afoitos – mas será mesmo? O artigo abaixo procura esclarecer minha posição pessoal sobre uma das maiores polêmicas na área da Saúde, e pode não ser o que você pensa.

Ser gay ou transar com homem?
Antes de tudo, vamos deixar claro uma coisa. De fato, deixar de autorizar um homem a doar sangue por ele ser gay não encontra base legal e é irregular.
A orientação atual do Ministério da Saúde, via Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), não sustenta que a orientação sexual, em si mesma, seja impeditivo para doar sangue. Em suma, ninguém deve ser impedido de doar sangue apenas por ser homossexual.
No entanto, existe mesmo um impedimento: é necessário que o homem não tenha feito sexo com outro no prazo de 12 meses anteriores à doação. Não é impossível, mas, para muitos, na prática, isso significa um impedimento definitivo para a maioria dos gays. Afinal, quem fica 12 meses sem sexo? E por que há esse impedimento?
O problema é o risco diferenciado para homens que fazem sexo com homens no prazo de um ano – e falar “Homens que Fazem Sexo com Homens”, ou HSH, é importante porque, dentro da área da Saúde, essa é uma categoria ampla.
Inclui, obviamente, os gays – mas também homens biológicos de qualquer orientação sexual ou identidade de gênero, o que abre o leque para incluir travestis, bissexuais, mulheres trans, fãs de travestis e até aqueles homens héteros que, eventualmente, tenham “experimentado algo diferente” – e essa amplitude será importante para discutirmos se realmente há homofobia.
No entanto, vamos aos números. As últimas estatísticas do Ministério da Saúde indicam que, nessa população de Homens que Fazem Sexo com Homens, existe uma prevalência de 10% em relação ao HIV, tomado o período de 1 ano. Já na população masculina em geral, a prevalência é de 0,8% em 1 ano, o que supõe que, se separarmos os HSHs desse “bolo geral”, o percentual do restante cai ainda mais.
Entretanto, mesmo se considerarmos que a prevalência para homens exclusivamente héteros para o HIV é de 0,8%, tendo em vista que a prevalência entre HSHs é de 10% e que, hipoteticamente, os HSHs poderiam compor, por exemplo, 10% da população masculina, isso significaria mais que o dobro de aumento na probabilidade de haver coletas infectadas por esse vírus, caso os HSHs fossem todos liberados para a coleta de sangue. De fato, de acordo com o Hemorio, por exemplo, há resultados de pesquisas científicas nacionais e internacionais que “ainda demonstram um risco aumentado de transmissão de agentes infecciosos através de transfusão de sangue proveniente destes doadores [N.E.: homens que fizeram sexo com outros em um ano]”, enquanto, infelizmente, ainda não existem trabalhos científicos que demonstrem que a relação estável entre homens reduza este risco, conforme esclarecimento postado a usuários de redes sociais.
Assim, embora a determinação pareça injusta, pois “despreza” os 90% de HSHs soronegativos e/ou que, em tese, usaram preservativo, epidemiologicamente, justifica-se, porque é melhor perder 90% de um público específico do que ganhar mais que o dobro de coletas infectadas.
Infelizmente, o Ministério da Saúde possui uma dezena de literaturas e estatísticas para justificar sua posição. Além disso, existem outros dois argumentos: a norma brasileira é mais flexível que a de outros países, como os Estados Unidos. O segundo argumento é que, de fato, desde fins dos anos 80/início dos 90, praticamente ninguém se infecta por doação sanguínea.
É preciso observar também que este tipo de estratégia estatístico-epidemiológica não é restrito à doação de sangue. Quando fui voluntário da pesquisa de vacinas contra o HIV no CRT/DST-Aids de São Paulo, fui informado de perfis distintos de voluntários para as diferentes fases de pesquisas.
Para estudos de fase I, que testa a segurança do produto, eram necessárias pessoas mais “distantes” do vírus HIV. Então, valiam-se de voluntários que mantivessem uma relação monogâmica estrita, entre outros tipos de voluntários, para essa fase. Enquanto a fase II, que começa a testar a eficácia, requeria voluntários solteiros com boa rotatitivade de parceiros sexuais. Em ambos os casos, os voluntários precisavam ser soronegativos.
Claro que o fato de estar em uma relação monogâmica estrita não impede ninguém de adquirir o HIV. Basta apenas uma “traição” desprotegida. Do outro lado, a pessoa que tem vários parceiros e se protege com todos acaba não adquirindo. Temos “n” exemplos disso para contar.
No entanto, em termos de estatísticas epidemiológicas, é mais provável encontrar um maior número de coletas HIV-positivas entre solteiros com ampla rotatividade de parceiros que entre casados com relação monogâmica estrita, razão pela qual os segundos são preferidos para a fase I. É para isso que servem os modelos matemáticos (probabilidade/estatística). A história da doação de sangue segue o mesmo paradigma, que não é estranho à área da saúde, como vemos.

O problema é a aids?
Muitos veem na questão do HIV também um resquício de aidsfobia ou da ideia de “grupo de risco”, que tantos prejuízos fez nos anos 80. No entanto, não é isso que se propõe. A questão é de epidemiologia e matemática e, enquanto os HSHs continuarem a sustentar dados epidemiológicos tão maiores que a população masculina em geral – diz-se 13 vezes maior –, o benefício não compensa, até prova em contrário, o custo do ponto de vista da saúde pública.
Além disso, o HIV não é a única preocupação. Infelizmente, os HSHs também são mais vulneráveis estatisticamente a outras infecções, como a hepatite B, por exemplo. Para os mesmos, existe até indicação de fornecer a vacina. Ultimamente, tem chamado a atenção o crescimento no número dos casos de sífilis, tanto no Brasil como em outros países, notadamente os Estados Unidos.
Fazendo um exercício hipotético de modelo matemático, pensemos na hepatite B, por exemplo, que tem uma prevalência sustentada entre gays – inclusive, em virtude do sexo anal e da prática do sexo oral no ânus.
Se, no grupo dos héteros casados, você tem uma probabilidade “x” de encontrar “n” coletas contaminadas com o vírus da hepatite B; e entre gays solteiros, você tem uma probabilidade “2x” de encontrar “n” coletas contaminadas, então se prioriza, para doação, o primeiro grupo.
Ninguém disse que héteros casados não têm hepatite B. Nem que, se for gay solteiro, você terá. No entanto, no primeiro grupo, a probabilidade de encontrar uma coleta contaminada é menor. Assim, elimina-se o segundo grupo e, ao primeiro, aplicam-se os exames.
Vale dizer que, se, nessa hipótese, a probabilidade, com o algoritmo atual, seria de encontrar 1 coleta contaminada em mil, a ampliação para os gays solteiros aumentaria esse valor de 2 coletas em mil. Parece pouco, mas já é 100% de aumento. Multiplicado por milhões de coletas, o impacto não é nada irrelevante.
Assim, o esquema de doação segue um algoritmo que busca afastar ao máximo o risco residual de qualquer infecção, tornando-o próximo de zero. Somente após isso, são finalmente aplicados os exames de diagnóstico, que, então, praticamente igualam a zero esse risco, num desvio padrão medíocre.

E os testes, não servem para nada?
Claro que servem, mas é preciso entender o seguinte: os testes são a ponta final, e não a ponta inicial, do algoritmo (a sequência de operações que antecede a doação de fato). Depois de todas as probabilidades estatísticas serem reduzidas ao máximo é que se aplicam os testes, para deixá-las próxima de zero – e não o contrário.
Além disso, existe o que se chama de “janela imunológica” para várias das doenças que se procuram evitar numa doação: é o prazo em que a pessoa já é portadora, mas os exames ainda não identificam essa condição. Hoje, com os ELISAs e outros exames de 4ª geração, para o HIV, é de 1 a 2 meses, mas ainda existe.
A própria literatura médica refere a existência de um “período de eclipse” do HIV, quando nem os exames mais potentes e modernos o detectam. Afora os ELISAs e outros exames mais modernos, atualmente, o exame com menor janela para esse vírus em particular é o PCR-HIV-DNA-qualitativo, que já é capaz de detectar cópias dos vírus após 15 dias e 99% de sensibilidade. No entanto, este exame é caro, notadamente para ser adotado como estratégia de detecção – tanto que, tradicionalmente, só é adotado nesse sentido para recém-nascidos, e, sim, questão de valores impacta políticas públicas de saúde.

Por que só os gays?
Este é o erro mais comum de quem defende o fim de toda e qualquer interdição nesse sentido. Primeiro, porque já esclarecemos que a interdição específica que estamos tratando não é “para gays”, mas para Homens que Fazem Sexo com Homens 12 meses antes da doação.
O grupo é maior que os gays, para se falar de “homofobia”. Além disso, mulheres que se relacionam com mulheres – incluindo as lésbicas, que também são homossexuais – não são afetadas pela regra.
Ademais, existe uma série de outras ocasiões em que a doação não é aceita, muitas delas afetando os héteros. Há restrições relacionadas à tatuagem, por exemplo, a quem foi vítima de estupro ou abuso sexual, a quem fez sexo com parceiro ou parceira em troca de dinheiro ou drogas, quem teve parceiros ou parceiras ocasionais em 12 meses, etc., e isso independentemente de outros fatores, como o uso da camisinha. Então, não basta “ser hétero” para doar sangue, não.
Até o momento, a melhor estratégia de majorar os bons resultados em doação de sangue e minimizar o encontro de coletas contaminadas tem sido o cruzamento de dados, evitando grupos com ampla prevalência, ou prevalência acrescida, e isso inclui de HSHs a pessoas que realizaram tatuagem.

E meu direito de doar? Posso mentir?
É claro que é difícil ser “do contra” em um assunto tão sensível. Claro que boa parte dos gays que querem doar vão aos hemocentros imbuídos de uma causa nobre, que é a tentativa de salvar vidas.
No entanto, primeiro, não existe o “‘direito’ de doar sangue”. A pessoa tem, sim, o direito de se candidatar e de se submeter ao algoritmo. Não é o hemocentro de quem a obrigação de aceitá-la. A obrigação dele é seguir as normas de Saúde.
O que existe, sim, é o direito de não receber sangue contaminado – ou, pelo menos, que as políticas de saúde reduzam ao máximo a probabilidade. Quem doa vai lá imbuído de um ideal nobre, mas, de antemão, está ciente de que deverá se submeter ao algoritmo e que talvez seja impossibilitado de doar por uma série de fatores, até porque, já esclarecemos, o veto aos HSHs no prazo de 1 ano não é a única barreira do algoritmo.
Agora, quem recebe o sangue não tem o mesmo poder. A pessoa recebe porque precisa – e, muitas vezes, em estado inconsciente. Como fica se, pela adoção de determinadas políticas, essa pessoa adquire uma infecção? Certamente, isso dá margem a acionar o Estado para indenização, se não para responsabilizar a terceiros até criminalmente.
Então, coloque-se como um gestor de saúde: você aprovaria, baseado apenas na concepção de não preconceito, a derrubada de uma norma, contra todas as estatísticas técnicas apresentadas, contra o fato de que há décadas ninguém recebe sangue contaminado e sob o risco de ver nascer ações contra o Estados ou de ter de gastar muitíssimo mais por exame para reduzir a janela imunológica, sem ter em mãos estudos outros que sustentem que essa seria a melhor opção?
Difícil.
Evidentemente, como gay, me sinto irmanado a outros que, apenas por terem transado com outros homens, não podem doar. No entanto, sempre insisti, antes e agora, que a única forma de procurar derrubar a norma é recorrer a literaturas e estatísticas afins e provar, por A+B, empiricamente, que a Anvisa pode estar errada.
Até sugeri que a ILGA Brasil interviesse, posto que fiquei sabendo – não me aprofundei para ver em quais condições – que, na França, os gays e outros HSHs são liberados a doar. Ninguém do movimento LGBT se manifestou sobre isso, para saber o que os franceses argumentaram.
Não sou, portanto, “contra a doação de sangue gay”. Sou a favor das políticas atuais pelos dados atuais que ela possui e entendo que, para alterá-las, precisamos ter literatura e embasamento suficientes, pois em ciência, a lógica é só a primeira parte do processo – é preciso evidência empírica, e isso nos leva a outro ponto: você pode até mentir, mas não deve, pois é sua responsabilidade também zelar pelo funcionamento das normas de segurança.
Ademais, ao recorrermos à ciência, também devemos estar abertos à possibilidade de que talvez o que encontremos justique, sim, a norma do MS. Que, no fim do processo, há a hipótese de termos de reconhecer “é, o Ministério da Saúde estava certo”. É assim que se faz ciência.
Já outro caminho é exigir do poder público uma maior atenção no combate ao HIV e às hepatites na população HSH – coisa que tem sido um tanto quanto deixada de lado, especialmente no governo homofóbico de Dilma – e depois pensar no assunto da doação sanguínea, quando os índices abaixarem. Argumentar apenas com base na ideia de “direito de doar” e de “preconceito” é, a meu ver, insuficiente.
Em tempo: se você for recusado apenas pelo fato de ser gay, deve denunciar o hemocentro e o agente de saúde, pois o correto é o agente de saúde perguntar há quanto tempo você não se relaciona com outro homem: não eliminá-lo com base apenas na sua orientação sexual declarada; e, se você for lésbica, muito menos! – e apenas para reforçar: o presente artigo enfoca apenas a interdição específica para quem é homem que fez sexo com homem em 1 ano. Existem outras interdições, algumas das quais mencionadas, que, inclusive, afetam os heterossexuais, mas não são o tema deste artigo. Para quem quiser saber mais, aqui está o texto completo da atual portaria do Ministério da Saúde, publicada em novembro/2013.